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Prémios Nobel: Recordes, polémicas e críticas

Foto: K. Svanholm da Nobel Media

Agora que já conhecemos todos os vencedores dos prémios Nobel de 2019, a IN Corporate Magazine decidiu aprofundar um pouco mais o tema e perceber o que une/desune os galardoados com a mais alta distinção em seis categorias: Medicina, Física, Química, Economia, Literatura e Paz.

Comecemos pela edição deste ano. Esther Duflo, de 47 anos, é a segunda mulher e a mais nova a ganhar o Prémio Nobel da Economia. “Este prémio chegou num momento extremamente importante. Sinto-me incrivelmente humilde por ser apenas a segunda mulher galardoada e espero representar todas as mulheres em Economia. Mostrando que é possível que uma mulher tenha sucesso e seja reconhecida pelo sucesso, espero inspirar muitas, muitas outras mulheres a continuar a trabalhar e muitos outros homens a dar-lhes o respeito que merecem”, declarou durante a conferência de imprensa desta segunda-feira, 14 de outubro.

John B. Goodenough tornou-se na primeira pessoa a ganhar um prémio Nobel aos 97 anos. O cientista, que foi um dos vencedores da categoria da Química pelo seu contributo no desenvolvimento de baterias recarregáveis de lítio, bateu assim o recorde de laureado mais velho de sempre. Antes, esse recorde pertencia a Arthur Ashkin, Nobel da Física em 2018, com 96 anos.

Passemos a Michel Mayor, que venceu o Nobel da Física. O astrónomo que, juntamente com Didier Queloz, descobriu exoplanetas (que orbitam uma estrela semelhante ao nosso Sol), tem uma ligação com um português. Nuno Cardoso Santos, do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço, trabalhou de perto com o laureado, seu orientador de doutoramento. Em entrevista à ‘Visão’, sublinhou as características “excepcionais, quer a nível científico, quer a nível humano” de Mayor.

A escolha de Peter Handke para Nobel da Literatura deste ano também mereceu notícias pelo mundo, mas por motivos diferentes. É que o escritor austríaco, de 76 anos, é um dos homens mais odiados dos Balcãs. Descrito como um apoiante do regime de extrema-direita da Sérvia que governava a Jugoslávia até à Guerra dos Balcãs, Handke ganhou assim vários críticos.

Este domingo, 13 de outubro, o governo bósnio manifestou “surpresa e descontentamento” pela escolha da Academia Real Sueca de Literatura, acrescentando que isso “prejudicou o prestígio e pôs em causa a credibilidade do Prémio em si mesmo”.

Já em 2014, quando o austríaco ia receber o prémio International Ibsen Award, foi recebido por manifestantes em Oslo, na Noruega, que o acusaram de ser um fascista com ligações a criminosos de guerra.

Passemos agora a algumas curiosidades e factos sobre o galardão, existente desde 1901 e criado por vontade e testamento do cientista sueco Alfred Nobel, inventor da pólvora.

Rudyard Kipling, autor de ‘The Jungle Book’ (‘Livro da Selva’), foi o mais jovem a receber o Nobel da Literatura. Foi em 1907 e tinha 41 anos.

Ao contrário do que se possa pensar, Sigmund Freud nunca recebeu um Nobel, mas não foi por esquecimento. O neurologista austríaco e fundador da psicanálise foi nomeado por 12 anos para o prémio na categoria de Medicina e Fisiologia. Nunca venceu, pois um especialista contratado pelo Comité em 1929 chegou à conclusão que o trabalho de Freud não tinha valor científico provado.

Talvez por isso, um amigo seu, Romain Rolland, vencedor do Nobel da Literatura em 1915, nomeou Freud para essa categoria em 1936. Também não ganhou.

Curiosamente sabemos dessa escolha de Rolland porque a Fundação Nobel a partilhou com o mundo, através da sua página oficial na internet, uma vez que “as nomeações e opiniões escritas pelos membros do Comité do Nobel da Literatura de cada ano são mantidas em segredo durante 50 anos”.

Apesar disso tudo, nem agora, depois da sua morte, Freud terá qualquer distinção por parte da Real Academia Sueca. É que, desde 1974, ficou estipulado nos Estatutos da Fundação Nobel que o galardão não pode ser atribuído a título póstumo, a menos que a morte ocorra depois do anúncio do prémio.

Já em vida, Gerhard Domagk, Richard Kuhn e Adolf Butenandt, três alemães laureados pelo Nobel – Medicina (1939) e Química (1938 e 1939), respetivamente – foram impedidos de o aceitar porque Adolf Hitler assim o determinou. Anos mais tarde, receberam o diploma e a medalha, mas não o dinheiro.

Era isso que iria acontecer a Bob Dylan, em 2016, depois de ter arrecadado – numa decisão e reação que geraram polémica no mundo – o Nobel da Literatura. O músico, eleito por “criar novas expressões poéticas dentro da grande tradição musical norte-americana”, demorou duas semanas a reagir ao anúncio. Depois faltou à cerimónia de entrega do prémio, por “ter outros compromissos”, tendo o diploma e a medalha sido entregues ao cantor de forma privada em abril de 2017.

O dinheiro chegou ao destino porque Bob Dylan fez um discurso – condição essencial para receber tudo – que foi lido na cerimónia pela embaixadora dos EUA na Suécia e fez-se representar pela amiga Patti Smith.

A atuação da cantora, que teve uma branca quando interpretava ‘A Hard Rain’s A-Gonna Fall’, completou o ramalhete desastroso que pairou em torno da atribuição do Nobel da Literatura de 2016.

Quem declinou mesmo o Nobel foi o político vietnamita Le Duc Tho, eleito Nobel da Paz em 1973, juntamente com o secretário de Estado norte-americano Heny Kissinger. Ambos negociaram o acordo de paz do Vietname, que esteve 16 anos em guerra, mas Le Duc afirmou que não estava em posições de aceitar o galardão, dada a situação atual no seu país (o conflito só terminaria dois anos depois, em 1975).

Já o jornalista e pacifista alemão Carl von Ossietzky, a política da oposição birmanesa Aung San Suu Kyi e a ativista chinesa dos direitos humanos Liu Xiaobo foram eleitos Nobel da Paz quando estavam presos.

Para terminar, não podemos deixar passar a oportunidade de mencionar os únicos Nobel portugueses. Egas Moniz soube a 27 de outubro de 1949, por telegrama, que tinha recebido o Nobel da Medicina pelo seu trabalho no desenvolvimento de uma intervenção cirúrgica ao cérebro, chamada “leucotomia pré-frontal”.

O prémio, partilhado com o fisiologista suíço Walter Rudolf Hess, deveu-se aos efeitos de uma operação cirúrgica ao cérebro que Egas Moniz realizou em vários doentes e que, de acordo com a sua investigação, permitia aliviar substancialmente os sintomas mais agudos da doença mental.

Nos anos de 1928, 1933, 1937 e 1944, o nome do neurocirurgião português já tinha sido proposto pelo Comité.

Já em 1997, o nome de José Saramago era esperado como o Nobel da Literatura. Isso só aconteceu um ano depois, mas a mensagem que o vencedor desse ano mandou ao português mostra isso mesmo. “Ai, sou um ladrão! Roubei-te o Nobel da Literatura. Perdoa, mas no ano que vem tu vais tê-lo”, vaticinou o italiano Dario Fo.

Foi no dia 8 de outubro de 1998. Saramago tinha estado numa feira do livro em Frankfurt, na Alemanha, e estava no aeroporto à espera de seguir viagem para casa, em Lanzarote, quando foi informado do prémio por uma hospedeira, depois de uma mulher ter chamado pelo nome do escritor pelo altifalante na sala de embarque.

“É o senhor? É que está aqui uma jornalista que quer falar consigo. O senhor ganhou o prémio Nobel!”, disse-lhe logo a hospedeira.

A primeira coisa que Saramago, nascido e criado numa família analfabeta da Golegã, pensou foi na mulher, a jornalista espanhola Pilar del Río. Triste por não estar com ela naquele momento, tendo logo sido ‘obrigado’ pelo agente a voltar à feira de Frankfurt depois do anúncio do Nobel, disse anos mais tarde: “Não me lembro de nenhum outro momento da minha vida em que tenha sentido isto: a solidão agressiva. Estava ali sozinho, um senhor com a sua gabardina e a sua malinha, com a qual tinha ido a Frankfurt por dois dias para uma conferência, e voltava um senhor cuja vida tinha mudado totalmente nesse instante”.

“Tenho o Nobel, e o quê?”, resmungou para si mesmo quando voltava para Frankfurt.

A Academia Sueca elogiou-lhe as “parábolas portadoras de imaginação, compaixão e ironia” com que torna “constantemente compreensível uma realidade fugidia”. Saramago afirmou que o Nobel da Literatura fez com que nós, portugueses, crescêssemos três centímetros. “Todos nos sentimos mais altos, mas fortes, mais formosos até”, explicou.