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Alma salgueirista resiste e persiste

salgueiros

O Clube centenário do Porto parecia ter perdido o rumo desde a insolvência e consequente extinção, mas a fénix vermelha conseguiu dar passos seguros rumo à estabilização. Sob a presidência de Gil Soares Almeida e já com o nome original recuperado, o Sport Comércio e Salgueiros aposta cada vez mais na formação, contando sempre com a simpatia da sociedade.

Ao falar do Salgueiros é inevitável recuar até 2003, altura em que teve de sair do estádio Vidal Pinheiro – que foi comprado pela Metro do Porto para aí colocar uma estação -, começando a acumular dívidas ao fisco e segurança social, sendo que no ano seguinte já estava impedido de inscrever jogadores. Seguiu-se uma perda de infraestruturas; despromoção; extinção; renascimento; mudanças de nome (‘ressuscitou’ em 2008 como Sport Clube Salgueiros 08’, mas em 2015 cai o controverso 08’ da denominação), de emblema (passou da águia em cima de uma bola para uma fénix vermelha e depois voltou à águia, já em cima de uma bola com o dizer ‘1911’, ano em que surgiu) e de estatutos, tudo enquanto andaram com a ‘casa às costas’ durante 13 azarados anos.

A 8 de dezembro de 2018, precisamente no dia do 107.º aniversário do clube portuense, passam a treinar no Complexo Desportivo de Campanhã, que lhes foi cedido pela autarquia (uma promessa antiga que não tinha sido cumprida), ainda que a formação salgueirista já lá estivesse desde 2009. O acordo prolonga-se por 20 anos, com o compromisso do Sport Comércio e Salgueiros de investir cerca de 600 mil euros na remodelação das instalações.

“Salgueiros da tradição. Tão velhinho e sempre novo.”

Tem sido um processo longo e duro, especialmente para um clube que conta no seu histórico com 24 presenças na I Divisão e um honroso 5.º lugar na Liga, que valeu uma presença na Taça UEFA na época de 1990/91. Por ali passaram alguns nomes nacionais e estrangeiros bem reconhecidos, como Ricardo Sá Pinto, Deco, Moreira e Fehér.

Embora vocacionado para o futebol, o Salgueiros também tinha resultados honrosos no polo aquático e andebol. Agora a equipa sénior de futebol disputa a Divisão de Elite da Associação de Futebol do Porto, ou seja, os distritais. Estão em 1.º lugar, sim, mas tem sido uma queda grande desde o início do milénio.

“Desde que saiu do estádio em 2003, o clube ficou sem nenhum tipo de espaço. Só com uma sala (com 16 metros quadrados) que ainda tem no Bingo de Salgueiros, que ainda hoje é a sede administrativa. De 2003 a 2016 não teve casa”, explica-nos Gil Soares Almeida, presidente desde junho de 2019, tendo sido ‘vice’ entre 2014 e o ano passado.

“Tu vives no coração. Na alma do nosso povo.”

Agora existe a ‘Casa do Salgueiros’ na rua Leonardo Coimbra, em Paranhos, o que já é uma vitória e um regresso à freguesia natal. São dois edifícios, outrora devolutos, onde os sócios, adeptos (e não só) se podem juntar, fazer refeições e confraternizar, bem como ver e viver tudo o que seja desporto do emblema vermelho. E também aí o clube sentiu o apoio da comunidade e das instituições.

“Em 2016, em parceria com a Câmara, a autarquia cedeu-nos este edifício e o outro ao lado com a condição – imposta pelo Salgueiros – de os recuperar porque estavam devolutos. Só seria um, mas acabaram por vir dois edifícios, porque é tudo a mesma caderneta predial”, conta o presidente, arquiteto de profissão.

“O teu passado de glória. Sempre em nós está presente.”

O Salgueiros impôs a condição de recuperar os edifícios e o Salgueiros cumpriu. Mas não esteve sozinho. “Foram os sócios que reabilitaram esta casa, com o apoio da sociedade. O facto de o Salgueiros ser de Paranhos e contar com uma enorme simpatia das pessoas, ajudou. Foi-se recuperando esta casa com o apoio de empresas da freguesia: ou dinheiro ou serviços”, frisa, acrescentando que essa era uma prioridade da atual direção. “Em 2014, quando chegámos [era vice na altura], o Salgueiros só tinha futebol sénior sob a sua gestão. A ambição era voltar a ter uma casa em Paranhos. Daí ser ‘Casa do Salgueiros’. E foi inaugurada a 8 de dezembro de 2016”, portanto no 105.º aniversário do “velhinho Salgueiros”.

Para tal muito contribuíram antigas glórias do emblema vermelho. “Os sócios deram a mão-de-obra, fizemos uma recolha de donativos e atletas como o Sá Pinto [cujo retrato está pintado numa das paredes exteriores da ‘Casa’], o Albertino e o Moreira [que entrou aos dez anos e de lá saiu para a baliza do Benfica] contribuíram para a construção desta casa, até porque também vão acompanhando o clube”.

“E a alegria da vitória. Até faz cantar a gente.”

Só para se ter uma ideia de quão o clube tem sido prudente e seguro nos passos que dá, nos últimos anos, a ‘Casa’ será um importante complemento à formação salgueirista. “Vamos ter uma clínica na parte de baixo do edifício para a formação. Com apoio médico e pedopsicólogico e dormitório. A Federação gostou da ideia e apoiou-nos. Com verbas próprias e o apoio da comunidade, acabámos por reabilitar o segundo edifício”, anuncia o responsável.

Para um clube que “ficou sem nada”, incluindo um terreno em Arca d’Água onde iria ser construído o novo estádio (já havia maquete de arquitetura e tudo, antes da insolvência), e que teve de andar 13 anos ‘com a casa às costas’, o facto de se preocupar com as bases é meio caminho para o regresso ao sucesso. “Uma das características que esta direção tem, e é o sentimento da alma salgueirista, é que vai a todas. Reabilitou este edifício. Soube estar a tempo”, assume Gil Soares Almeida, acrescentando que até conseguiram ter o boxe na Vidal Pinheiro.

O melhor é que esta ‘Casa’ também serve de agradecimento à comunidade. “A nível de logística estamos estáveis. Até temos mais que outros clubes. Temos uma sede social: bar, pavilhão, casa de formação – que queremos inaugurar agora em março – que era a nossa formação, mas que se vai abrir à sociedade, e temos o Complexo Desportivo de Campanhã”.

“Salgueiros, meu Salgueiros. Ontem, hoje e sempre. Tu serás o mais bairrista.”

Ponto logístico/financeiro da situação feito, avancemos para o desporto propriamente dito. Além do futebol sénior e de formação, a camisola vermelha estende-se a outras oito modalidades. “Numa 1.ª fase reativámos a secção de atletismo e ativámos uma secção de bilhar (não é nada profissional). Depois temos paintball (fomos campeões regionais nos últimos anos. Este ano, por opção estratégica, não concorremos, porque é um desporto com algum peso económico); futebol de praia; futsal; boxe; futebol americano, que abrimos este ano; e running (há treinos uma vez por semana com a sociedade)”, enumera Gil Soares Almeida, preocupado em não se esquecer de nenhuma modalidade.

Notamos a falta do polo aquático e do andebol, em que o Salgueiros era muito forte em tempos, mas um passo de cada vez, conforme nos tranquiliza o presidente. “Em 2003/04 e 2008, o Salgueiros tinha futebol, formação, polo aquático masculino e feminino, tinha tudo. O que tivemos foram dirigentes que acharam que se deviam dedicar só ao futebol”, daí a ‘perda’ de algumas modalidades ao longo dos anos.

“Vive no peito da gente. Sempre a alma salgueirista.”

Igualmente ciente que “o facto de não haver casa, as pessoas acabam por se dispersar”, esta direção tem tentado captar mais sócios, até porque já antes da insolvência eram números reduzidos. Agora são cerca de 1300. O objetivo é alargar esse leque.

“O Salgueiros, em 2004, tinha cerca de 2000 sócios pagantes. Em 2014 tínhamos 450. A simpatia de 80% dos portugueses é animadora, mas a nossa dificuldade é que precisamos de dinheiro”, reconhece o atual dirigente.

Por isso, optaram pela proatividade, adaptando uma categoria de sócios, além do normal, do menor e do estudante. Agora existe o sócio amigo e basicamente trata-se de qualquer pessoa na comunidade que queira ajudar financeiramente o clube desta forma simbólica.

Assumidamente bairristas, foi na freguesia de Paranhos que deram o pontapé de saída para fazer esse apelo – através das redes sociais e de panfletos nas caixas de correio – aos muitos jovens universitários e demais residentes naquela zona. “Pagam 3 euros por mês ou 30 euros por ano e têm todas as regalias de um sócio, exceto ir ao futebol (aí pagam o bilhete)”, esclarece.

E o que podemos esperar do futuro do Sport Comércio e Salgueiros, de “tradição vincada, no coração dos tripeiros”? “O desejo é chegar ao campeonato profissional de futebol o mais rápido possível, mas é um caminho árduo e deve ser sustentado. Não se devem cometer os erros do passado”.

Confiante que o estádio será construído em Arca d’Água, terreno que continua classificado como equipamento desportivo a nível de Plano Diretor Municipal, “daqui a quantos anos não sei, porque está na mão de privados desde a hasta pública”, Gil Soares Almeida recorre à história do Salgueiros para defender essa crença. “Temos uma história de resiliência. Fomos tantas vezes ao fundo, mas continuamos aqui. Se tiver de definir a alma salgueirista numa palavra é resiliência. Se tiver de definir em duas é amor resiliente”, remata.

“Ser salgueirista afinal é ter alma do Norte.”