Reconheço-os mesmo antes de entrarem pela porta. Na mão trazem os sacos onde guardam imaculadamente relatórios médicos e pedacinhos de caixas de medicamentos. Agarram-nos como quem agarra as memórias que não querem perder. Nos olhos, têm espelhados os medos e as ansiedades face a um futuro que temem não controlar. Confiam-me as suas histórias de alegrias e dores, essas histórias que não constam nos livros de especialidade, mas que dão aos índices, às normas e aos critérios, o rosto de que precisam. Representam um grupo cada vez maior da sociedade, mas sentem que esta muitas vezes não os compreende.
O último relatório da OCDE identifica Portugal como o quarto país do mundo com mais casos de demência. A demência de Alzheimer é a mais comum, apresentando como principal fator de risco o aumento da idade. Se considerarmos o crescimento exponencial da população idosa no nosso país (à semelhança do que acontece à escala mundial), percebemos que esta é uma questão de debate prioritário. Nos últimos anos têm sido realizados avanços substanciais no que respeita à intervenção na demência, disponibilizandose terapias farmacológicas e não farmacológicas com resultados satisfatórios na gestão da sintomatologia e no retardar da sua progressão. No entanto, e citando novamente o relatório da OCDE, existem ainda grandes carências ao nível da deteção precoce, levando a que muitos casos sejam identificados tardiamente e, consequentemente, limitando a eficácia das intervenções implementadas (incluindose aqui o controlo dos fatores de risco como por exemplo, a hipertensão, os problemas de sono, entre outros). Ainda se espera muito pouco das pessoas mais velhas, perpetuandose os resquícios do tradicionalismo que as vê como diminuídas, dependentes, à espera que a inexorabilidade da vida se concretize. E é pelo combate a este estigma que temos de começar.
É verdade que o processo de envelhecimento está muitas vezes associado a dificuldades na execução de tarefas mais complexas (como por exemplo, na aprendizagem e recuperação de grandes quantidades de informação, na resolução rápida de problemas, na realização de tarefas simultâneas). Todavia, num processo considerado saudável, estas não limitam a vivência autónoma e eficiente da pessoa. Quando isto acontece, isto é, quando as dificuldades cognitivas interferem significativamente na capacidade de gerir os medicamentos e os pagamentos, de cozinhar, de conduzir, entre outros, deve-se procurar um profissional especializado. A neuropsicologia é um contributo relevante a este nível, permitindo a distinção entre as alterações cognitivas que são normais da idade e aquelas que são precursoras de um quadro de demência.
No dia em que a minha avó se confundiu a cozinhar, achamos que era pelos problemas de visão associados à idade. Seguiram-se os erros nos medicamentos, mas achamos que era por serem muitos. Não era, mas na altura nós sabíamos. Hoje sei e devo-lhe a ela que o maior número de pessoas saiba.