José Azevedo presidente do Sindicato dos Enfermeiros, respondeu à IN algumas sobre a realidade atual da enfermagem em Portugal.
Qual a posição do Sindicato dos Enfermeiros sobre as novas medidas do estado de emergência, estas vão permitir achatar a curva? Qual a situação atual dos hospitais?
A situação é má, sobretudo, pelo contexto em que estamos, mas não só. Culpa dos abusos da Ministra da Saúde sobre os enfermeiros, explorando-os ao ponto de só puderem prestar serviços mínimos. Logo, neste contexto, tudo pode acontecer.
Por outro lado, há uma desorganização, não inocente, dos hospitais públicos, para os doentes ‘deslizarem’ para os privados. Isso faz com que se mantenham ocupadas as camas, com doentes crónicos, que só sobrecarregam os enfermeiros e ocupam camas, libertando os médicos para voarem para outros destinos de evidência imaginária. A pandemia só veio agravar a situação decadente do SNS.
Em entrevista à RTP a bastonária da Ordem dos Enfermeiros, Ana Rita Cavaco, referiu que “não podemos ser o país que importa ventiladores e exporta enfermeiros”, sublinhando a falta de enfermeiros no SNS. Face à crescente procura de outros países por enfermeiros portugueses, que mecanismos de fixação podem ser implementados?
A criação da Ordem nos enfermeiros fez regredir a enfermagem. O tempo que medeia de 1998 a 2020 teve domínio de orientação comunista (golas azuis), nos primeiros 15 anos, o que puxou a classe para baixo.
Foi assim que a sua simpatizante e a atual Ministra da Saúde ganharam o tique de se acalmar ao som do hino da CGTP (referenciado na Magazine do Jornal de Notícias). Os ventiladores dão comissões de compra e os vencimentos dos funcionários vão diretos para o bolso dos próprios, sem deixarem rasto. No Hospital de São João estão 49 ventiladores a apodrecer, no pré-fabricado para onde desterraram os técnicos. A chuva é visita assídua, para enferrujar e deteriorar processos incómodos que encontraram no arquivo. Este é só mais um exemplo da má organização perene, que se agrava com pequenos ou grandes fluxos.
A solução é fácil para contornar estes problemas:
1 – Empenhar os enfermeiros na administração de uma atividade hospitalar, que detém, pelo menos, 80 por cento dos seguros de cuidados de higiene e conforto.
2 – Reeditar a carreira de enfermeiros, convenientemente reparada e remunerada, para melhor. Tentamos fazer isso desde 2017, sem sucesso, porque é da responsabilidade da atual Ministra da Saúde o impasse a que os enfermeiros estão sujeitos. ‘Poupa na farinha para gastar no farelo’ com soe dizer-se.
Estamos a criar condições para investigar o contrabando de enfermeiros entre ‘público-privado’, preparando uma revisão séria e adequada da contratação coletiva. Os estrangeiros investem nos enfermeiros, porque lhes reconhecem o real valor e porque a fiscalização e mentalidade não lhes permite desvios das remunerações salariais (incluindo governos e governados). Se o Governo quiser pode minimizar os efeitos da emigração.
A média europeia é de uns nove enfermeiros por cada 100 mil utentes e, em Portugal, anda nos cinco para cada 100 mil. A que se deve esta falta de enfermeiros?
A bonomia cultural dos enfermeiros é a causa principal dos abusos do patronato público e/ou privado. O estudo comparativo entre licenciados da saúde ajudará a equilibrar as remunerações de cada grupo.
A permilagem comparativa com países que não tiveram ‘Marqueses de Pombal’ a fritar Távoras, nem comunistas a comer criancinhas, permitiu um avanço cultural não elitista, o que permite dar valor a quem o tem realmente. Temos de aplicar medidas corretivas mais eficazes, é uma necessidade premente, como exigem as circunstâncias da maioria das tarefas, que ultrapassa dos dois terços, impende sobre os enfermeiros.
Além disso há também falta de enfermeiros especialistas… A ala dos namorados, tipo PCP/Frente comum da Função Pública/PCÉ, não gosta dos especialistas na enfermagem, como prova o apoio que deram ao famigerado Sócrates – ignorante, que fazia os exames em Vila Real e ia buscar o certificado a Chaves.
Estamos a tentar refazer o conceito de especialista, que radicava na psiquiatria e obstetrícia. Fomos nós que o alargamos às outras especialidades. Foi com este desdém pelos especialistas que a Ministra da Saúde reduziu a 25 por cento o limite de enfermeiros especialistas. Confrontando os 25 por cento de especialistas enfermeiros, com os 100 por cento de especialistas médicos, nas mesmas circunstâncias.
Se a Ministra da Saúde percebesse algo da administração correta da Saúde, facilmente entenderia que a intervenção médica tem de ter o complemento ao enfermeiro nos cuidados especializados a prestar.
Cerca de 20 mil profissionais continuam com a carreira congelada. Portanto, um terço dos enfermeiros em Portugal. O que falta fazer (e o que pode ser feito) para desbloquear a estagnação da carreira?
A carreira de enfermagem é especial porque regula um Corpo Especial – o enfermeiro. Segundo o Art.º 18º da Lei 114/2017 de 28 de dezembro, as carreiras especiais descongelam por escalões, enquanto as gerais descongelam por níveis. A Ministra e o seu conjunto cúmplice mandaram descongelar as carreiras dos enfermeiros, pelo método de pontos e não dos escalões. Aqui a Ministra ganha em média 500€ mensais por enfermeiro, cerca de 308 milhões de €/ano.
Os CIT têm um ACT parcelar, publicado no BTE nº 11/2019 de 22 de março, que igualiza, uniformizando os métodos de CIT com os CTFP. Por imposição da Frente Sindical Comum/Função Pública, aplicaram o método das carreiras gerais à especial de enfermagem, para que os enfermeiros não se distanciassem. Temos o processo desta ilegalidade desde abril de 2019 à espera que saia justiça.
Há ainda o incumprimento no pagamento de horas extraordinárias e incumprimento dos períodos de descanso…
Esta é mais uma ilegalidade que a trupe da Saúde usa nos enfermeiros, estes só têm sistema legal de os usar além das 35 horas semanais, que é o horário acrescido (mais sete horas semanais).
Como o pagamento de horas em dinheiro, pode mudar o escalão do IRS os visados podem ter de pagar para trabalhar em horas extraordinárias. A CN 8/79 dá aos enfermeiros a possibilidade de opção remuneratória das horas extraordinárias serem pagas em horas de compensação ou em dinheiro, enquanto as Instituições só podem pagar em dinheiro. Não pagam em folgas porque não têm enfermeiros para assegurarem as folgas em pagamento; não pagam em dinheiro porque, em geral, estão falidas. Os enfermeiros fazem horas extraordinárias porque os baixos salários assim obrigam; porque não sabem que temos decretada uma greve, por tempo indeterminado, às horas extraordinárias.
O governo tem-se mostrado disponível para ouvir e negociar as propostas apresentadas?
O Governo apoia-se na visão comunista da enfermagem/ enfermeiro, para não negociar o ACT que assumiu negociar em agosto de 2017, com a provocação do Governo para a remodelação da carreira por um Decreto, suspendendo como entidade patronal as negociações, que tardam em retomar.
Imagine-se o que fariam se um outro patrão fizesse o mesmo!
É justo responsabilizar apenas o Estado pela situação dos enfermeiros?
Não. Nós só responsabilizamos os patrões estatais pelas explorações dos enfermeiros, que não são permitidas a outros patrões não estatais, mas são práticas pelas entidades patronais, impunemente. Pela sua prática parece que foram armadas, Entidades Públicas Empresariais (EPE), para explorarem sem castigo, os enfermeiros.
Qual a posição do Sindicatos dos Enfermeiros sobre o boletim epidemiológico diário sobre a Covid-19?
Somos frontalmente contra esse boletim, porque afasta os outros doentes dos serviços públicos. A pandemia funciona nos hospitais públicos como os hospedeiros: ocupa camas. Não deixa camas para outro tipo de doenças que, naturalmente vão sendo empurrados para os privados, porque os médicos têm o seu lote de camas ocupadas com pandémicos, de preferência pouco trabalhosos.
Para além da pandemia existem milhares de cirurgias por realizar. Este será o próximo problema do SNS? Como antecipar uma solução para este problema?
A melhor e mais rápida solução é seguir o caminho mais direto, mais económico e mais eficaz. E esse passa pela motivação adequada dos enfermeiros.
“O país tem tratado mal os enfermeiros”, como vários representantes dos Enfermeiros têm reiterado, por isso mesmo é um setor que tem lutado pelos seus direitos num evidente ‘braço-de-ferro’ com Governo. Receiam que aos olhos dos portugueses, e devido à atual pandemia, as greves dos enfermeiros não sejam compreendidas?
O Povo Português tem de entender que quem está sempre junto dele, tem necessidades humanas como ele. Há países onde é proibida a greve dos enfermeiros, como a Inglaterra.
São outros setores laborais que fazem greve em benefício dos enfermeiros. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) recomenda, por sua vez Empregadores a facilitação nas negociações, para que os enfermeiros não se sintam motivados para formas de luta como a greve, comuns a outro tipo de trabalhadores, onde as consequências da greve não sejam tão gravosas e arriscadas.
Que tem feito o patronado do Estado, o maior empregador, quanto a esta recomendação?
Nada, pelo contrário, pratica uma petulância inadmissível.
O ano de 2020 é o ano do enfermeiro, e foi um ano em que mais do que nunca, foram heróis e imprescindíveis na luta contra a COVID-19. Que mensagem quer deixar a todos os enfermeiros?
A mensagem que deixamos aos enfermeiros é: A homenagem mundial a Florência Rouxinol – com o ano do enfermeiro pelo segundo centenário do nascimento morte de Florência -, enfermeira que iniciou o percurso da enfermagem moderna, na qual começou por reduzir com os seus métodos e técnica a mortalidade de 42, a dois por cento, nos soldados da guerra da Crimeia, erradicando as causas de morte, que eram a gangrena gasosa e erisipela, obtendo dois votos a favor e 98 contra, na Ordem dos médicos ingleses, pelos seus feitos.
Este ato deve inspirar a nossa ação, enquanto modelo e incentivar firmeza, na luta, como garantia de dias melhores, à semelhança do que os dois votos sim, conseguiram na carreira de Florência. Acima de tudo, os enfermeiros são insubstituíveis. E se eles acreditarem nesta realidade o Povo reconhecê-la-á, compensando-a dignamente.