Foi há dois anos que Vera Malhão decidiu deixar para trás os prédios e a agitação da cidade e rumar para um lugar “fora do normal”, juntamente com a família. Agora, em Sintra, com uma cabana de glamping como casa, vive a vida junto àquilo que mais paz lhe transmite, a natureza.
Foi no início do doutoramento em Didática das Ciências (com especialização em ensino outdoor) que Vera Malhão começou a idealizar o seu projeto de vida. Inspirada na Green School, em Bali, criou o sonho de construir uma escola verde, onde todas as crianças teriam a oportunidade de crescer em contacto com as mil maravilhas da natureza. No entanto, no meio de todos os desafios e obstáculos, percebeu que o sonho que fora tão rápido a nascer, demoraria mais a tornar-se realidade. Sem nunca desistir do projeto que morava nos seus sonhos, decidiu adaptar a ideia às suas condições. Desta forma, em vez de construir uma única escola, Vera Malhão optou por transformar todas as escolas em espaços “um bocadinho mais verdes”.
Embora não tenha criado o edifício físico da escola que sonhava, tornou-se uma figura itinerante, percorrendo o país de norte a sul para promover o contato com a natureza e a consciencialização ambiental na educação.
Foi assim que, em 2019, nasceu a Lutra, um projeto que “estende os braços” a escolas, instituições, centros comunitários, organizações não governamentais e associações, oferecendo formações e programas educacionais com foco no “outdoor”. Na sua mochila (e no carro), Vera Malhão leva às costas uma grande panóplia de atividades para realizar com as crianças, entre pinturas com pigmentos naturais e brincadeiras com barro ou materiais científicos, muitas são as opções disponíveis. Revela-se, no entanto, “um bocadinho contra a receita”, o que significa que não gosta de levar um plano que deva seguir à regra. Sendo assim, cada atividade é pensada e planeada para um público específico, seguindo os gostos de cada grupo de crianças. “No fundo, o que tento fazer é encontrar as atividades que as crianças mais gostam, tentando sempre combinar as ciências com outras áreas de conhecimento”, diz-nos.
Além das atividades em escolas e instituições, a Lutra promove também um programa de “Férias na Natureza”, onde Vera e a família recebem no seu próprio terreno, pequenos grupos de crianças para “brincarem, aprenderem e divertirem-se”.
Porquê Lutra?
No desenvolvimento do seu projeto, Vera Malhão encontrou inspiração para o nome através de uma combinação especial de eventos e significados. Durante uma das suas licenças de maternidade, enquanto desenhava os primeiros esboços do projeto, o seu marido chamava-a carinhosamente de “Lontrinha”, devido ao hábito que tinha de coçar a barriga, à semelhança das lontras.
Foi a pensar nesse gesto do companheiro que surgiu a ideia, sendo bióloga, de explorar os nomes das espécies existentes em Portugal. Chegou assim à lontra europeia – a Lutra.
Assim, a escolha do nome carrega consigo não apenas uma memória afetuosa da sua maternidade, mas também a ternura associada ao apelido dado pelo seu marido, representando ainda uma criatura encantadora e amigável.
Formação para adultos
Somando às atividades com crianças, criou também formações dirigidas aos adultos e uma pós graduação, demonstrando assim a sua dedicação em disseminar a educação para a sustentabilidade e o maior contato com o mundo natural.
Na pós-graduação, criada em colaboração com o ISEC Lisboa, o foco é o outdoor relacionado com as mais diversas áreas do saber. O objetivo é ajudar os alunos a “adaptar as suas práticas educativas e pedagógicas a contextos exteriores diversificados”. A professora e bióloga revela que são muitos os perfis de alunos que se inscrevem neste curso. “Esta é uma pós-graduação para todas as pessoas que queiram fazer diferente, queiram experimentar e queiram ter conhecimento sobre como podemos criar uma ligação com a natureza.”
“A minha missão é fazer as crianças felizes”
Para a sua fundadora, a Lutra foi criada como forma de ajudar a próxima geração a ter uma compreensão melhor sobre o planeta em que vivemos e a cuidar do nosso meio ambiente. “Quero passar a mensagem de que precisamos de criar essa relação com a natureza e mostrar que se fizermos diferente, determinadas coisas acabam por acontecer”, defende.
Mas quando questionada sobre como se sente ao ver o seu projeto ganhar força, não hesita em responder que por vezes se sente assustada com o peso da responsabilidade que acabou por ganhar. “Eu confio muito naquilo que faço”, começa por dizer. “Mas sempre pensei que a Lutra ia ser um projeto de brincar com crianças, nunca me passou pela cabeça que pudesse começar a ter a dimensão que tem”.
No entanto, apesar da responsabilidade de “fazer as coisas bem e passar a mensagem correta da forma mais adequada”, Vera Malhão sabe que a missão principal está a ser cumprida: fazer as crianças felizes!