Destaque Entrevista

“Não Há Desculpas para a Violência Doméstica” 

Sandra Ribeiro - Presidente da CIG (Comissão para a Cidadania e Igualdade de género)

Em 2022 ocorreram mais de 30 mil denúncias de violência doméstica em Portugal. Os números do primeiro semestre deste ano apontam para um balanço semelhante. Foi com base nesta realidade dramática que a Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG) lançou a campanha “PONHA FIM À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA”. As “desculpas” mais habituais dos agressores são aqui desmistificadas, como nos explica a Presidente da CIG – Sandra Ribeiro.

Esta nova campanha da CIG contra a violência doméstica traz-nos imagens fortes e uma linguagem onde não há espaço para “desculpas”. Qual foi a ideia central por trás desta abordagem e que resultados esperam alcançar? 

A ideia por trás desta campanha é que a violência doméstica não é inevitável. É sempre uma opção da pessoa agressora, e que não existe nenhuma circunstância que possa desculpar um ato de violência doméstica. A campanha dirige-se às vítimas e às pessoas agressoras e ao público em geral e pretende desconstruir os tradicionais e corriqueiros pedidos de desculpas que as pessoas que agridem utilizam para justificar a absoluta injustificação dos seus atos e ir negando ou banalizando a violência. 

A vítima nunca tem culpa da agressão que sofre, quer seja física, quer seja psicológica, isso é fundamental que se compreenda. A culpa existe e é sempre, mas sempre, da exclusiva responsabilidade de quem agride. As desculpas são uma data delas e são apenas isso, não reparam os comportamentos agressores e não os tornam menos graves ou justificados. Não há desculpa para a violência doméstica. 

Como é que a sociedade em geral se pode envolver mais e apoiar esta campanha?  

O nosso objetivo com esta campanha é também alertar quem não é vítima nem pessoa agressora para o importante papel que podem ter ao não procurarem encontrar justificação para atos de violência doméstica praticados por terceiros e a intervirem ativamente quando têm conhecimento de uma situação de violência, denunciando, e assim contribuírem ativamente para uma sociedade de tolerância zero à violência doméstica.  

Qualquer pessoa ou entidade, ao divulgar esta campanha, quer pessoalmente quer nas suas redes sociais, está a contribuir de forma muito positiva para a expansão da sua mensagem. Uma comunidade mais informada tem maior capacidade de intervenção. A violência doméstica é uma problemática muito presente nas nossas vidas; quase todas as pessoas já tiveram contato mais ou menos direto com uma situação de violência, ou aperceberam-se de situações de agressividade em relações de intimidade e familiares entre terceiros. Isto significa que cada pessoa mesmo não sendo profissional, pode ter um papel ativo na prevenção e no combate. Como? Procurando estar informado(a) sobre a problemática, estar alerta para os sinais de uma eventual situação, ouvir essa pessoa, transmitir-lhe a ideia de que não está sozinha, de que é importante estar acompanhada por familiares/amigos(as), de que há instituições que podem oferecer apoio especializado e que é possível sair de um relacionamento abusivo.

É preciso ter a consciência social que violência doméstica é um crime público, ou seja, qualquer pessoa pode denunciar às autoridades policiais, mesmo que não seja a vítima. Pode ainda entrar em contato com a linha de apoio à vítima 800 202 148 ou SMS 3060. 

Qual é a importância da sensibilização e da educação para prevenir e combater a violência?  

Educar e esclarecer os mais jovens (e também os menos jovens) contra atos de agressividade nas relações familiares e amorosas é a estratégia fundamental para efetivamente se conseguir criar uma narrativa social que não tolera atos de violência doméstica. Desde a mais tenra idade é preciso abordar o assunto (e aqui as escolas são os locais ideais) e esclarecer que nunca há desculpa para atos de violência doméstica e que esses atos não são “normais” entre casais ou na família. É preciso desconstruir definitivamente a ideia de que o ciúme é sinónimo de amor, ou de que por vezes as vítimas originam os atos agressivos da pessoa agressora por terem adotado determinado comportamento. A mensagem social que passamos é fundamental, e aqui os meios de comunicação e a forma como se noticia episódios de violência doméstica também pode fazer toda a diferença para enraizar a tolerância zero à violência doméstica. 

Paralelamente, em que consiste o Pacto Contra a Violência, e o repto lançado às empresas e outras entidades? 

O Pacto contra a violência é o instrumento principal de uma estratégia de criação de uma nova narrativa que queremos implementar de “Tolerância zero à violência doméstica”. Consiste no agrupamento formal de várias empresas e instituições públicas que unem os seus esforços para darem o seu nome e a sua cara contra a violência doméstica, através das suas redes sociais, publicando mensagens e imagens em pontos de visibilidade pública no âmbito da sua área de negócios, e muitas vezes contribuindo com bens materiais e imateriais para ajuda à Rede Nacional de Apoio às Vítimas de Violência Doméstica. 

O nosso grande objetivo é que este pacto venha a abranger a grande maioria das instituições da sociedade portuguesa. Quanto mais entidades fizerem parte deste pacto mais longe e mais forte chegará a mensagem da intolerância à violência doméstica. Só em conjunto e de forma consistente e alargada conseguiremos alterar a cultura que se mantém predominante que ainda censura pouco atos de violência doméstica.  

Deixamos aqui o convite a todas as empresas privadas e públicas, municípios e instituições públicas, para aderirem ao Pacto Contra a Violência (https://www.cig.gov.pt/pacto-contra-violencia), e se juntem às várias centenas de entidades que já colaboram connosco neste momento neste desígnio nacional para acabar com a violência doméstica em Portugal.  

Quais são os planos da CIG para o futuro no que toca à luta contra a violência doméstica? 

Foi recentemente publicado um novo plano de ação para a prevenção e o combate à violência contra as mulheres e à violência doméstica, para o período 2023-2026, integrado na Estratégia nacional para a Igualdade e Não Discriminação – Portugal +Igual, em vigor até 2030. 

A CIG é a entidade coordenadora deste plano nacional pelo que estão definidos para os próximos anos as suas linhas prioritárias de atuação, com vista a prevenir e erradicar a tolerância social às várias manifestações de violência de género e violência domestica, das quais destacamos: sensibilizar a população em geral sobre o assunto; apostar na qualificação de públicos estratégicos que exercem profissões com relevância para o controlo do fenómeno, como sejam agentes na área da justiça, administração interna, educação, saúde ou segurança social; contribuir para o reforço da qualidade técnica e especialização da Rede Nacional de Apoio a Vitimas de Violência Doméstica (RNAVVD); contribuir para a promoção de medidas de apoio à autonomização e empoderamento de vitimas de violência doméstica; apostar em mecanismos de prevenção e intervenção com pessoas agressoras.