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“A confiança tem potencial para deixar uma marca nas pessoas e no mundo”

Maria Ana Castello Branco, com uma sólida formação em Gestão e Administração de Empresas, acredita que a clareza na comunicação e a confiança mútua são elementos fundamentais de uma liderança eficaz. Desde a infância, a admiração pelo avô, médico de profissão, alimentou a sua paixão pelo impacto transformador da saúde na vida das pessoas. Ao longo da sua carreira, desde a consultoria estratégica na Accenture até funções executivas no setor da Saúde, foi com naturalidade que percebeu o contributo valioso que poderia oferecer ao setor através da sua visão estratégica. Empatia e capacidade de adaptação são qualidades que considera determinantes para liderar equipas e promover uma transformação duradoura nas organizações.

Pode contar-nos um pouco sobre a sua formação e o que a levou a escolher a área da gestão no setor da Saúde?

A minha formação académica inclui uma licenciatura em Gestão e Administração de Empresas na Universidade Católica Portuguesa, complementada com formações em gestão estratégica
e inovação em diversas universidades europeias.

A escolha pelo setor da Saúde foi menos planeada e mais fruto de uma descoberta pessoal. A inspiração veio do meu avô materno, um médico com um “faro clínico” extraordinário. Desde pequena, lembro-me das conversas que ele tinha comigo como se fosse adulta, partilhando histórias de casos clínicos, as evidências que reunia e os raciocínios por detrás dos seus diagnósticos. Eu ficava fascinada com a sua capacidade de transformar dados em decisões que mudavam vidas.

Apesar de saber desde cedo que a medicina não seria o meu caminho, a admiração pelo impacto que a área da Saúde pode ter na vida das pessoas permaneceu comigo. O meu perfil de gestão acabou por encontrar um lugar natural neste setor quando, ainda na Accenture, liderei um projeto ligado à Saúde. Nesse momento, tudo fez sentido. Percebi que poderia contribuir significativamente, não como médica, mas ao trazer uma visão estratégica e uma abordagem de gestão para este setor.

Quais considera terem sido os momentos e decisões mais determinantes na construção do seu percurso profissional?

Cada organização por onde passei, cada etapa e cada equipa, deixaram um impacto profundo e complementar no meu percurso profissional. Iniciei a minha carreira na Accenture e aqui desenvolvi o que chamo de “abordagem de consultor”, e que me acompanha até hoje. Refiro-me à capacidade de desmontar problemas complexos, abordando-os de forma estruturada, analítica e orientada para decisões baseadas em factos. Foi também na Accenture que consolidei o meu conhecimento académico na área financeira.

Mais tarde, tive o privilégio de integrar a CUF num momento de clara expansão e transformação do Grupo. Foi aqui que aprofundei o meu conhecimento do setor da Saúde, liderando projetos estratégicos de expansão, transformação e melhoria operacional.

Um episódio particularmente marcante ocorreu quando trabalhei “no terreno” diretamente com chefias de enfermagem. Nos maiores hospitais, estas chefias lideram equipas extensas, onde cada elemento tem um impacto direto na qualidade dos cuidados prestados. Observando a dinâmica destas equipas, percebi
como a excelência e homogeneidade dos cuidados – essencial para a segurança e humanização dos mesmos – depende tanto da motivação de cada enfermeiro, quanto de processos bem definidos. Ao acompanhar de perto este contexto, compreendi de forma inesperada o equilíbrio entre a empatia e a autoridade numa liderança.

“A chave está na empatia genuína e na escuta ativa”

Numa fase seguinte, na PharmaLex, uma empresa alemã a operar no setor farmacêutico, tive a oportunidade de trabalhar com o CEO mais extraordinário com quem já colaborei. Alemão e médico de formação, destacava-se pela sua visão muito à frente da organização. Partilhou comigo um ensinamento que nunca esquecerei: “O sucesso de um líder não está em levar os soldados para o campo de batalha, mas em trazê-los de volta sem perder nenhum”. Naquela altura, a organização enfrentava uma transformação profunda, com prazos extremamente apertados. Foi verdadeiramente inspirador testemunhar como o CEO conseguiu que a organização chegasse à sua visão sem nunca a impor. Na minha opinião, este é, sem dúvida, um dos maiores desafios de um líder.

Atualmente, na ProductLife Group, o ambiente ultra dinâmico e multicultural desafia-me diariamente a melhorar a minha capacidade de adaptação. A gestão da mudança junto de stakeholders e a flexibilidade para lidar com contextos em permanente transformação são elementos centrais no meu dia-a-dia. Cada uma destas experiências, com os seus desafios e aprendizagens, ensinou-me algo único, moldando a pessoa que sou hoje.

De que forma a experiência em consultoria estratégica, nomeadamente na Accenture, influenciou a sua visão sobre a liderança?

A consultoria estratégica ensinou-me que uma liderança eficazexige clareza. Na Accenture, aprendi a ser assertiva e a comunicar de forma objetiva, especialmente em ambientes de alta pressão e complexidade. A clareza nas comunicações não é apenas essencial para alinhar equipas, mas também para inspirar confiança e impulsionar decisões com impacto.

Que diferenças encontrou neste novo desafio na ProductLife Group e que balanço faz deste período?

A experiência no setor farmacêutico trouxe novos desafios, como uma maior complexidade regulatória e a necessidade de navegar em mercados globais com especificidades locais. Na ProductLife, o foco tem sido alavancar transformações organizacionais num contexto multicultural, o que é naturalmente
desafiador mas também extraordinariamente enriquecedor. Integrar diferentes perspetivas culturais e organizacionais e incorporar o best-in-class de cada uma para construir uma organização global, robusta e economicamente sustentável é algo que me entusiasma verdadeiramente. O balanço é extremamente
positivo – sinto-me constantemente desafiada a ser uma líder mais ágil e flexível.

Como consegue atingir o equilíbrio necessário para lidar com realidades, culturas e sensibilidades distintas em multinacionais?

A chave está na empatia genuína e na escuta ativa. Gosto de dedicar tempo a compreender as motivações de cada stakeholder, pois acredito que este é o melhor investimento para assegurar o
sucesso de qualquer expansão ou transformação de negócio. De um ponto de vista mais concreto e prático, procuro conhecer as aspirações e desafios de cada stakeholder, respeitando as diferenças culturais que influenciam a forma como cada um comunica e toma decisões.

Aprendi que nunca devemos subestimar o impacto das diferenças culturais – mesmo num contexto empresarial “ocidental”, onde muitas vezes assumimos que há maior uniformidade. Num ambiente global e multicultural, é comum surgirem desentendimentos causados unicamente por abordagens e frameworks de trabalho distintos.

Recordo-me de assistir a uma situação entre uma administradora americana e um executivo francês. A americana apresentava um plano de ação com uma abordagem pragmática, focada em conclusões e ações, enquanto o francês procurava explorar detalhadamente os fundamentos subjacentes. Este contraste gerou alguma incompreensão de ambas as partes, mas, com o tempo, perceberam que a diferença era, na verdade, cultural.

Em França, a tomada de decisão tende a ser metódica e detalhada, com ênfase numa análise aprofundada que é amplamente partilhada e debatida antes de se alcançar uma conclusão. O processo de consenso pode ser mais demorado. Já nos Estados Unidos, a análise de fundamentação raramente é discutida em detalhe durante as reuniões. Esta abordagem favorece decisões mais rápidas e flexíveis, com foco nos resultados e na capacidade de adaptação a novas informações.

De que forma a Inteligência Artificial (IA) poderá transformar a indústria de healthcare & life sciences nos próximos anos?

O potencial da IA nestes setores é verdadeiramente extraordinário e já está a produzir um impacto concreto em várias áreas críticas. Na indústria farmacêutica, a IA está a transformar processos de I&D, desde a aceleração da descoberta de novos compostos, através de análises preditivas e modelagem molecular, até à medicina personalizada, adaptando tratamentos ao perfil genético de cada paciente. Nos diagnósticos, a IA possibilita deteções mais rápidas e precisas, utilizando a análise de imagens médicas e biomarcadores. A análise preditiva, por sua vez, antecipa problemas de saúde, promovendo uma abordagem proativa que reduz hospitalizações e melhora significativamente a qualidade de vida dos pacientes.

No âmbito da gestão de dados de saúde, a IA simplifica a organização e análise de grandes volumes de informação, permitindo decisões clínicas e administrativas mais informadas e ágeis. Estas são apenas algumas das áreas em que a IA está a transformar profundamente a cadeia de valor da Saúde. O maior desafio será garantir uma colaboração eficaz e integrada entre todos os stakeholders do ecossistema da Saúde, mantendo sempre o paciente como foco central e sem nunca esquecer a humanização
dos cuidados. Confio plenamente na concretização deste extraordinário potencial e mantenho um otimismo imenso em relação ao futuro.

Quais são as suas principais fontes de inspiração e motivação no dia a dia profissional?

Estamos, sem dúvida, a viver uma época inspiradora para quem integra este setor. Sinto-me motivada pelo impacto positivo que posso gerar em organizações que, diariamente, se empenham em ultrapassar desafios e implementar soluções inovadoras para melhorar a qualidade de vida das pessoas. As equipas com quem trabalho são também uma fonte constante de inspiração. Apoiar o seu desenvolvimento e contribuir para a concretização das suas ambições é algo que me impulsiona a dar sempre o meu melhor.

“Recentemente, tive a oportunidade de participar no programa Women on Boards (WOB). Para além dos conteúdos altamente relevantes para mulheres que aspiram a cargos de administração, permite-nos desenvolver uma rede de suporte sólida e autêntica, que nos dá uma força de superação incrível”

Como avalia o progresso em termos de representatividade feminina em altos cargos de gestão?

Temos visto progressos significativos, mas ainda existem barreiras estruturais e culturais que precisam ser superadas. Existem ainda vieses inconscientes que limitam a progressão na carreira de muitas mulheres. Por isso, é crucial que as organizações promovam discussões abertas sobre este tema, identificando possíveis bloqueios e comportamentos que perpetuam desigualdades. Só assim será possível criar culturas organizacionais verdadeiramente inclusivas, que valorizem o mérito, reconheçam o talento e assegurem oportunidades equitativas, independentemente do género.

Acredita que a liderança feminina pode influenciar positivamente uma cultura organizacional?

Certamente. Embora defenda firmemente a progressão baseada no mérito, reconheço que a liderança feminina, em geral, tende a valorizar a inclusão, a empatia e a colaboração, contribuindo
para um ambiente de trabalho mais equilibrado e inovador. Claro que existem exceções a esta observação em muitas organizações, mas, de forma geral, é uma tendência visível. Este equilíbrio entre estilos de liderança promove a diversidade, que é amplamente reconhecida como um motor de crescimento organizacional sustentável, impulsionando a inovação, criatividade e resiliência no ambiente de trabalho.

Que estratégias considera eficazes para promover a diversidade de género nas lideranças?

O fator essencial reside na implementação de processos de seleção justos e transparentes, complementados por formações que abordem os vieses inconscientes. Além disso, para acelerar a inclusão das mulheres em posições de topo, é essencial fomentar redes de mentoria focadas na liderança feminina. Estas redes permitem que as mulheres se inspirem em modelos reais de sucesso e aprendam com as experiências de outras que superaram desafios semelhantes, criando um ciclo de apoio e capacitação. Portugal já começa a oferecer iniciativas de grande impacto neste sentido. Recentemente, tive a oportunidade de participar no programa Women on Boards (WOB), promovido pela VdA Academia.

Para além dos conteúdos altamente relevantes para mulheres que aspiram a cargos de administração, permite-nos desenvolver uma rede de suporte sólida e autêntica, que nos dá uma força de superação incrível. No entanto, creio que este processo só será plenamente eficaz se for conjugado com um processo – longo – de alteração de mentalidades na sociedade civil, que permita uma partilha
cada vez mais equitativa e normalizada das responsabilidades familiares.

Que conselho daria à Maria Ana do início da sua carreira?

Diria que é importante expor-se mais e procurar um colega de confiança dentro da organização para discutir ideias. É natural não dominar todos os aspetos ou áreas, e ter alguém com quem partilhar e desafiar os nossos pensamentos torna as soluções mais robustas e eficazes. Além disso, a coragem de nos questionarmos, ouvir diferentes perspetivas e sair da zona de conforto é essencial para o crescimento pessoal e profissional.

Em organizações internacionais, esta prática, chamada de ter um “sparring partner”, é muito frequente e amplamente valorizada. Hoje em dia, faço questão de ter alguém com quem trocar ideias, pois estas discussões desafiam-me e inspiram-me constantemente.

“A consultoria estratégica ensinou-me que uma liderança eficaz exige clareza. A clareza nas comunicações não é apenas essencial para alinhar equipas, mas também para inspirar confiança e impulsionar decisões com impacto”

Qual é a maior lição que a sua trajetória profissional lhe ensinou?

A pergunta dá que pensar. Talvez se tivesse que escolher, diria que o maior ensinamento ao longo do meu percurso profissional é que a confiança nas equipas é chave. Ao longo da minha carreira, trabalhei em diversas equipas e percebi que aquelas onde havia confiança genuína, foram as que alcançaram os
melhores resultados. Só quando há confiança mútua é que as pessoas se sentem seguras para partilhar ideias, desafiar o status quo e trabalhar de forma verdadeiramente colaborativa.

Construir confiança não é fácil – não há um botão que se acione. É um processo contínuo que, entre outros, envolve transparência, escuta ativa, cumprir compromissos, humildade e consistência.
No entanto, o impacto é transformador. A confiança não só impulsiona o sucesso organizacional, mas também tem potencial para deixar uma marca nas pessoas e no mundo. E, para mim, essa é a recompensa mais valiosa.

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