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“A humanização da Saúde e dos cuidados médicos é uma prioridade na minha prática”

Margarida Marques, Médica Dentista no Trofa Saúde Vila Real, é uma defensora convicta da interdependência entre a Saúde Oral e a Medicina Geral. Com especializações em Cirurgia, Implantologia, Periodontologia, Reabilitação e Patologia Oral, afirma que a sua principal prioridade é criar “ligações de confiança mútua”.

Antes de mais, gostaríamos de conhecer as razões que a levaram a seguir este rumo profissional. O que a encantou nesta profissão?

O que mais me encantou, nesta profissão, foi a oportunidade de conseguir devolver o sorriso e a saúde oral aos que me procuram, desmitificando estigmas e medos, relacionados com a ida ao Médico Dentista. É provável que seja essa a razão da escolha desta vertente cirúrgica, além do talento inato, do gosto e fascínio por esta área. Como profissional, percebi que existia uma grande lacuna na forma como se expressam aos doentes.

Ainda está muito enraizada, na nossa cultura, a associação da ideia de dor e de «horror» quando se fala na ida ao Dentista, o que faz com que o doente só nos procure já numa fase avançada da doença, tornando-se mais desafiante o seu tratamento. É neste desafio que surge o meu encanto por esta profissão, na oportunidade diária de ter o privilégio de devolver o sorriso com Saúde Oral, de uma forma leve, sistemática, segura, tranquila e demonstrando que é possível proporcionar um bom cuidado. Além disso, ao mesmo tempo procuro proporcionar uma experiência agradável sem nunca perder o rigor técnico/ científico e a integridade profissional.

A Medicina Dentária, em ambiente hospitalar, contribui para uma abordagem mais completa e eficaz no tratamento do doente. Acredita que auxilia mais doentes num hospital?

O meio hospitalar é, sem dúvida, uma mais-valia no tratamento das doenças orais. O Grupo Trofa Saúde dedica-se à humanização dos cuidados para a saúde, permitindo um tratamento integrativo e individualizado, a partir de uma equipa multidisciplinar, com outras áreas médicas, e interdisciplinar dentro das diversas áreas da medicina dentária, como a Odontopediatria, Ortodontia, Prótese fixa, Generalista entre outras. Neste sentido, permite-me focar mais na área cirúrgica, sem negligenciar nenhum tratamento e trabalhando com uma equipa de excelência, que assegura o melhor tratamento aos que nos procuram.

O meio hospitalar também nos permite o acesso a estruturas, suporte técnico e equipamentos de última geração, permitindo dar resposta a doentes, por vezes, negligenciados pela suas comorbilidades ou com dificuldades motoras; doentes mais idosos institucionalizados; e crianças e adultos, com perturbações de espetro do autismo ou com algum défice cognitivo, realizando os tratamentos de forma controlada, em ambulatório, ou com a máxima segurança em meio de bloco operatório. Em suma, só no meio hospitalar garanto um atendimento inovador e em segurança, com o conforto e a excelência técnica de todo o corpo clínico que é experiente, diferenciado e dedicado no tratamento das doenças orais integrada na sua saúde geral.

“É neste desafio que surge o meu encanto por esta profissão, na oportunidade diária de ter o privilégio de devolver o sorriso com Saúde Oral, de uma forma leve, sistemática, segura, tranquila”

No seu website, podemos ler que «cuidar de uma parte é, forçosamente, ter de olhar para o todo». Reconhece que os problemas dentários podem influenciar, diretamente, o estado de saúde geral dos doentes?

Em Portugal, cerca de cinco em cada dez homens e seis em cada dez mulheres, em fase adulta, padece de uma patologia crónica que tem relação direta com a saúde oral. Por exemplo, um doente diabético tem um aumento da prevalência de doenças orais como a periodontite, cáries dentárias, disfunção salivar (halitose/xerostomia), doenças da mucosa oral (síndrome da boca ardente/líquen plano), entre outras. A relação entre diabetes mellitus e doença periodontal é bidirecional sendo crucial um tratamento multidisciplinar. Vários estudos também sustentam que as infeções orais levam a um aumento dos níveis de marcadores pró-inflamatórios, tais como a Proteína C-Reativa, a IL-6, o fator de von Willebrand, tendo uma importante correlação com o desenvolvimento da doença vascular aterosclerótica, Enfarte do Miocárdio e eventos Cérebro-vasculares (AVC).

Outro exemplo é a mulher grávida, onde estudos associam a doença periodontal ao parto prematuro, associado ao aumento do risco de desenvolver uma pré-eclampsia e o baixo peso à nascença, sendo crucial o acompanhamento tanto por parte da obstetrícia, como da medicina dentária. As doenças orais podem contribuir para o agravamento de outras doenças sistémicas como doenças cardiovasculares, diabetes mellitus, pneumonias por aspiração, endocardites bacterianas, partos prematuros, entre outras, e são fator de risco para desenvolver outros estados agudos como o AVC ou o enfarte agudo do miocárdio, sendo fundamental o seu tratamento de forma multidisciplinar e específica a cada doente com a inter-relação com as outras áreas médicas como a Medicina Interna, Endocrinologia, Cardiologia, Otorrinolaringologia, Medicina Geral e Familiar, entre outras. Sem saúde oral não existe saúde em geral.

“Em Portugal, cerca de cinco em cada dez homens e seis em cada dez mulheres, em fase adulta, padece de uma patologia crónica que tem relação direta com a saúde oral”

«O seu sorriso, a minha prioridade». Há algum caso ou momento específico que tenha marcado, profundamente, a sua carreira até agora?

Sim, mantenho um especial carinho pelos meus doentes oncológicos e tenho um caso que me marcou bastante. Lembro-me como se fosse hoje. O doente compareceu encaminhado por outro colega, onde apresentava um quadro clínico de dor recorrente, associada a uma lesão após uma extração dentária, sem melhorias mesmo após terapêutica. O diagnóstico foi feito na hora, sendo realizada uma biópsia e um estudo anatomopatológico para confirmação.

O Cancro Oral maligno tem uma esperança média de vida de 6 anos e todo este processo de diagnóstico, informação e preparação do doente, da família e encaminhamento para os tratamentos foi intenso. Não existe uma fórmula perfeita para transmitir este tipo de notícias e, para mim, é avassalador assistir à tremenda dor e desespero.

Acompanhei todo o processo e o mais habitual é não regressarem. Mas milagres acontecem e, ainda hoje, sigo este doente que, mesmo após uma hemi-amputação da mandíbula e língua e com todas as dificuldades/ comorbilidades, mantém sempre um sentido de humor incrível. Um verdadeiro exemplo de resiliência e superação e um caso que me vai sempre ficar na memória.

De que modo a experiência num hospital tem influenciado a sua prática profissional, em comparação com outras experiências,como ter sido voluntária na Guiné-Bissau?

A humanização da Saúde e dos cuidados médicos é uma prioridade na minha prática e advém muito das experiências que fui tendo ao longo da minha carreira. No meio hospitalar tenho mais acesso a casos desafiantes, quer pela condição médica, como pela condição socioeconómica e mesmo pelos desafios multiculturais, que carecem por vezes de crenças religiosas, que podem dificultar o tratamento do doente. A falta de literacia para a saúde oral é mais evidente nos meios económicos mais desfavoráveis, piorando o contexto clínico.

A minha experiência na Guiné-Bissau, a partir da Associação de Médicos Dentistas Solidários Portugueses – Mundo a Sorrir, foi, sem dúvida, onde adquiri ferramentas, quer do foro técnico, como humano, e que me ajudam, diariamente, na forma como abraço estes doentes. A Guiné-Bissau foi uma experiência que me fez evoluir muito como pessoa e profissional de saúde, dando mais valor às oportunidades e meios de que disponho na minha prática clínica. Não existe uma comparação, elas simplesmente se complementam.

O que considera essencial para ter sucesso na sua carreira?

As mulheres ainda têm muitos desafios quando se dedicam a uma carreira, pelo que na área médica não é diferente. É uma questão cultural que, infelizmente, ainda está muito enraizada na cultura portuguesa.

As características que considero essenciais para o caminho do sucesso são, sem dúvida, a perseverança, a resiliência nas adversidades, perceber que existe um caminho que é só nosso, sem perder a empatia pelos que nos rodeiam, assumir eventuais erros, aprender com eles e seguir com foco, estar sempre disponível para a evolução da capacidade técnica, adquirir competências de gestão, liderança e inteligência emocional.

Devemos também promover a interajuda, nunca perder a ética de trabalho, em prol de qualquer benefício e aprender que desistir nem sempre é uma derrota mas sim permitir ter novos começos.

“Eu, como sou uma mente inquieta, considero que a criação de networking, a partir da dinâmica do ensino, é fundamental para nos mantermos atualizados”

Como vê o futuro da Medicina Dentária? Quais inovações ou avanços tecnológicos mais a entusiasmam?

O Futuro da Medicina Dentária é extremamente promissor e está direcionado para a evolução tecnológica e a inteligência artificial. A introdução das novas tecnologias nas áreas cirúrgicas, a partir de meios auxiliares de diagnóstico com mais definição, introdução de scanners intra e extraroais, criação de sistemas de cirurgia guiada com programas de planeamento digital e impressão 3D, veio permitir um maior rigor nos planeamentos, inovação nos tratamentos, dando menos espaço para o erro médico. Estas tecnologias ajudam-me nos diagnósticos, oferecendo mais conforto ao doente e permitem-me resolver casos que, anteriormente, não teriam resposta. Todavia, preocupa-me a possível perda da humanização da saúde.

Qual conselho daria a mulheres que desejam seguir Medicina Dentária?

Nunca deixem que sejam os outros a delinear os vossos sonhos, acreditem no vosso valor, lutem pelo vosso caminho, apaixonem-se pelos desafios, sejam dinâmicas e empreendedoras sem culpas,
ouçam sempre a nossa intuição feminina, sejam vocês mesmas: autênticas e extraordinárias.

Além da integração da Medicina Dentária, no meio hospitalar, o que mais a motiva e inspira na sua profissão?

Sem dúvida o ensino. A rotina diária, por vezes, pode isolar-nos e eu, como sou uma mente inquieta, considero que a criação de networking, a partir da dinâmica do ensino, é fundamental para nos mantermos atualizados e que, com isso, possamos prestar melhores cuidados de saúde. Acredito que o saber deve ser partilhado e que o contacto com outras gerações me impulsiona no crescimento científico e na inovação clínica, estimulando o meu crescimento pessoal.

Como lida com os aspetos emocionais e psicológicos dos doentes em situações difíceis ou com medo do tratamento dentário?

Com muita humildade, respeito, adaptação e um sorriso no rosto. A melhor forma de lidar com estas situações é saber ouvir o doente, prestando especial atenção à comunicação não verbal, visto que ela revela tudo. Em muitos casos, recorro à partilha de episódios, muitas vezes engraçados e que sei que ajudam a reduzir o stress do momento. O mais difícil, no meu dia a dia, é a gestão emocional das expectativas do tratamento e do resultado final. Por vezes, os doentes pedem tratamentos que não são possíveis ou que não são os mais indicados para o seu caso clínico. É primordial saber ouvir e entender as necessidades e preocupações de cada um de forma empática. É, igualmente, importante desenvolver o diálogo com o doente, de forma a que entenda qual o tratamento que melhor se adequa ao seu caso clínico, criando ligações de confiança mútua.

O que espera alcançar nos próximos anos?

Espero contribuir para o aumento da literacia sobre a saúde oral, promovendo a integração da saúde oral com a saúde geral.

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