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Sericá, uma iguaria calipolense, com origem no Oriente

É secular a ligação de Vila Viçosa ao mundo dos doces conventuais. A história que identificamos em Vila Viçosa faz a ligação entre o açúcar que chegava do Brasil e das restantes colónias e a tradição doceira dos espaços conventuais.

A «Princesa do Alentejo» tem uma larga tradição e história nesta categoria de receitas que engrandeceram a gastronomia e cuja fama se estendeu além-mar, também pela existência de numerosos conventos. Ao longo do século XVI, primava pela excelência dos doces nas festividades oficiais.

Foi notável, em 1571, a receção ao legado do Papa Pio V, o Cardeal Alexandrino, assim como o banquete servido a D. Sebastião, em 1573. A Duquesa de Bragança, D. Catarina (esposa do 6º Duque D. João I e filha do infante D. Duarte e de D. Isabel de Bragança), ofereceu em 1581 um faustoso banquete em Vila Viçosa ao Rei de Espanha, Filipe II, conforme indicado por Alfredo Saramago na obra «Doçaria Conventual do Alentejo – As receitas e o seu enquadramento histórico» (1997, Colares Editora, pp 121-129). No caso do Sericá, a receita terá sido trazida por D. Constantino de Bragança, aquando da sua passagem pela Índia, depois de 1561.

É muito provável que esta iguaria tenha sido trazida do Oriente por este ilustre calipolense, nomeadamente por algum dos seus copeiros. É provável que a origem do doce no contexto indiano tenha tido proveniência em Malaca, conforme escreve João Rosa em «Alentejo à Janela do Passado, Breves Notícias de Arte, Etnografia e História» (Lisboa, 1940, pp. 48-49). Segundo o Receituário de Convento de Santa Clara de Elvas, datado de 1623, na 3ª parte, fólio 4, consta a receita da Sericá, a par da sua introdução nesta Casa Religiosa.

Segundo a mesma receita, este doce fora trazido das partes do Oriente para o Reino, pelo Vice-Rei D. Constantino de Bragança no ano de 1562. «Era coisa tida nas partes do Oriente, tendo provindo de Malaca para Goa, por posse dos Padres Jesuítas, que a fizeram às freiras do Convento de Santa Mónica, as quais desde cedo a muniram, sendo muito apreciada entre as gentes de bem da dita Praça. Do governo de Goa por D. Constantino, ia esta à sua mesa, sendo de bem e gosto por este tomada. De vinda ao reino e tomando a sua casa na Vila Viçosa, na era de 1562 a entregou às Irmãs de Santa Clara do Convento das Chagas de Christo da dita Vila, a qual a muniram de modo na sua terra. Viera para esta Casa de Santa Clara de Elvas, no ano de 1584, por obra da nossa admirada Irmã Maria da Purificação, que a passou a munir nesta Casa e desta para as demais da nossa Ordem nas partes do Alentejo».

A receita original continha ovos grandes, açúcar pardo, arroz de farinha e canela a gosto, tendo sido introduzido nos diferentes conventos de Vila Viçosa, as medidas variavam, não sendo tidas por massa, mas sim por volume e por quantidade. Os tempos de confeção e cozedura eram contados ao som de Pai Nossos e Avé Marias, entoados com convicção, para que tudo saísse na perfeição.

À data utilizavam-se pratos de cobre estanhados, já fora de uso, passando-se a utilizar pratos de barro vermelho vidrado, simulando-se assim os originais de metal vermelho. Elemento da Sereníssima Casa de Bragança, D. Constantino (1528-1575) provavelmente nascido em Vila Viçosa, filho do quarto Duque D. Jaime, desempenhou o cargo de Vice-Rei da Índia, entre 1558 e 1561.

Estes três anos foram marcados por importantes feitos militares e políticos, num contexto onde a Coroa Portuguesa tinha objetivos económicos bem definidos e onde ficou mais uma vez clara a influência política da Casa de Bragança no panorama nacional. O seu meio-irmão D. Teodósio I, quinto Duque de Bragança, teve uma ação determinante nesta escolha. A conquista da cidade de Damão e os territórios envolventes em 1558 são o exemplo dos objetivos que tinham sido definidos pela Coroa em relação à Índia. Devido a este feito, os portugueses alargaram a jurisdição na Província do Norte.

Graças ao seu desempenho, foram implementadas diversas reformas, que contribuíram para uma reorganização dos serviços públicos, contenção das despesas e aumento das receitas fiscais no Estado da Índia. Personalidade pouco conhecida da Casa de Bragança, D. Constantino teve um papel político fundamental na Índia na segunda metade do século XVI. Iguaria há muito consagrada no panorama da doçaria nacional, o sericá continua, em certo sentido, a ser um mistério, no que diz respeito à sua verdadeira origem.

No entanto, constitui hoje uma referência em Vila Viçosa, com uma projeção nacional e internacional, sendo a sua receita bastante valorizada pelas doceiras locais, que continuam a manter alguns segredos na sua confeção, que passaram de geração em geração.

Tiborna



Doce apresentado envolto em papel de seda recortado em forma de renda, composto por amêndoa, gemas de ovos, pão, doce de gila, açúcar e canela. Tem a forma de uma calote esférica baixa, coberta com fios de ovos e decorada com frutas cristalizadas ou pérolas doces prateadas. Apresenta-se em diferentes tamanhos, sendo o mais tradicional o que tem entre 0,5 e 1 kg. No entanto, por se tratar de um doce muito afamado, embora dispendioso, há quem o fabrique em tamanho pequeno, isto é, doces com cerca de 5 a 6 cm de diâmetro.

Região: Alentejo

Outras denominações: Tiborna de ovos de Vila Viçosa. Tiborna Grande. Tiborna de ovos do Convento da Esperança.

Particularidade: Doce com forma arredondada, constituído por uma camada de massapão de cor praticamente branca, recheada com doce de ovos, fios de ovos e doce de gila.
História: Trata-se de um doce conventual muito usado em banquetes no Palácio de Vila Viçosa (palácio real a partir do século XVII). Julga-se que eram confecionadas, sob segredo, por freiras de um convento próximo, o Convento das Chagas de Vila Viçosa, pois só no século XIX a sua receita foi divulgada. No entanto, num livro publicado no século XVIII já apareceram referências a este doce. Em livros mais modernos fala-se deste doce como património do receituário do Convento da Esperança de Vila Viçosa.

Uso: Como sobremesa e gulodice. Dada a sua categoria e apresentação, as Tibornas eram presentes de honra quando se desejava homenagear alguém.



Saber fazer: Com o açúcar, um pouco de água e metade das gemas fazem-se fios de ovos que se reservam. Com o açúcar que ficou, as amêndoas, o pão, a canela e as restantes gemas faz-se um massapão. Para armar a Tiborna, forra-se uma tigela com papel vegetal e forra-se depois com uma camada de massapão. Enche-se a cavidade central com doce de gila, que se cobre com o resto do massapão. No dia seguinte desenforma-se sobre um papel de seda recortado, cobre-se com fios de ovos e enfeita-se com pérolas prateadas e/ou frutas cristalizadas. Atam-se as pontas do papel de seda com fios de lã ou de seda de várias cores.

Fonte: Produtos Tradicionais Portugueses, Lisboa, DGDR, 2001.