A Rede Europeia Anti Pobreza (EAPN) estuda as causas que geram situações de pobreza e soluções a implementar a montante. Na perspetiva da EAPN, cada pessoa está na centralidade da luta pela erradicação da pobreza. A IN conversou com o padre Jardim Moreira, fundador da rede em Portugal, e aprendeu mais sobre o assunto.
A EAPN nasceu em Bruxelas pelo então presidente da Comissão Europeia, Jacques Delors, para perceber onde é que há pessoas em situação de pobreza e quais as causas que a geram. Chegou a Portugal um ano mais tarde pela mão do padre Jardim Moreira, em 1991.
Esta rede tem como ponto de partida a consciencialização da pobreza. “Quando comecei o trabalho não se sabia quantos pobres existiam em Portugal. Que país maravilhoso, não há pobres”, ironiza o fundador. A pobreza era um assunto que não se tratava – uma inevitabilidade.
Consciencializando o país, formando agentes-chave e responsabilizando políticos, a rede isoladamente é impotente porque não controla a educação, saúde, habitação e cultura. “Se formos capazes de comunicar ao país que há uma forma diferente de resolver a pobreza já é uma vitória”, explica o atual pároco de São Nicolau e Vitória, no Porto.
As causas da pobreza são estruturais e multidimensionais e só com uma intervenção estrutural é possível retirar alguém de lá. Caso contrário, o número de pobres continuará a variar ao sabor das flutuações económicas.
Em Portugal, só se sai da pobreza na quinta geração – cerca de cem anos. Por outro lado, sabemos que sem as transferências do estado existiriam mais de 40 por cento de pessoas em situação de pobreza, segundo dados do INE – anualmente gasta-se cerca de 330 milhares de euros com o RSI (Rendimento Social de Inserção).
Jardim Moreira conclui que “as políticas atuais não são eficazes para tirar alguém da pobreza. Necessitamos de encontrar uma estratégia que atue nas causas. Em Portugal, não se tira ninguém da pobreza. Impede-se que morram à fome. É hora de considerar a pessoa no seu pleno desenvolvimento de modo a que com auto-estima consiga construir a sua libertação humana.”
Solução passa por três eixos
A EAPN propõe uma estratégia estruturada em três eixos: macro, meso e micro. O eixo macro desenvolve-se a partir da Assembleia da República (AR) e órgãos de poder central. Estipula a criação de leis para que a pessoa seja a centralidade do problema. “Apenas através do desenvolvimento integrado da pessoa humana é possível erradicar a pobreza. É diferente de iludir a pessoa com tostões”, refere o presidente da rede em Portugal.
É fundamental criar um trabalho em rede e surge, então, a zona meso que faz a ponte entre a macro e a micro, promovendo a transferência de poder do central para as autarquias. Estas devem fazer protocolos com empresas, que na opinião de Jardim Moreira, “têm estado arredadas deste assunto”. De acordo com o Eurostat , em 2018 9,7 por cento dos trabalhadores estavam em risco de pobreza. “As empresas devem exercer a sua responsabilidade social”, sublinha.
Em cada autarquia deve-se trabalhar para estabelecer um projeto-piloto onde os técnicos façam o diagnóstico da família, nunca esquecendo o conceito de rede e o trabalho multidisciplinar e articulado. “As câmaras têm um papel fundamental no descentralizar da AR para o terreno que é concretizado na parte micro, ao nível das Juntas”, relata o pároco.
O plano é posto em prática no eixo micro. “Devemos ensinar as pessoas a rever a gestão da casa e dos recursos – o coaching”, detalha Jardim Moreira que acrescenta que “a avaliação deve ser contínua e periódica e liderada pelas pessoas – o ideal é que a pessoa, pelos seu próprios pés, possa sair da situação de pobreza.”
A teoria está relacionada com o estudo das Universidades de Harvard, nos Estados Unidos, e de Utrecht, na Holanda, que associa a pobreza a traumas cerebrais. Um dos pontos centrais da pobreza não é a economia, mas o bloqueio cerebral da parte frontal (decisões) e occipital (auto-estima e emoções).
Além disto a ação da EAPN é também sustentada pelo estudo de Abhijit Banerjee, Esther Duflo e Michael Kremer, laureados com o Nobel da Economia de 2019, “pela abordagem experimental para aliviar a pobreza global”.
Conselho Social Nacional
De modo a reunir esforços dentro da sociedade civil,o padre Jardim Moreira está a impulsionar um novo grupo chamado Conselho Social Nacional. Tudo começou quando “o Presidente da República disse que tínhamos que dar um passo em frente”.
Daí foi um passo até começar a reunir e promover o contacto com pessoas que se mostraram disponíveis: o ex-Reitor da Universidade do Porto, Sebastião Feyo, e o médico e investigador do IPATIMUP Sobrinho Simões, entre outros. “Reunimos representantes da sociedade civil para trabalhar com câmaras e instituições. Além disto, trabalhamos com a Universidade de Aveiro que está na vanguarda relativamente à quarta revolução industrial”, acrescenta.
O objetivo é chamar representantes da sociedade civil que não estejam conotados com nenhum partido e sejam livres na defesa dos direitos humanos e na implementação do seu desenvolvimento integral para reforçar e mobilizar o apoio civil na luta contra a pobreza.
Centro Social e Paroquial de Nossa Senhora da Vitória
O Centro Social e Paroquial de Nossa Senhora da Vitória (CSPNSV) é um associado da EAPN. Com um vasto leque de valências, o centro não se resume ao papel de entidade assistencialista e tenta ir além das políticas sociais do Estado.
O CSPNSV é uma importante resposta social no centro histórico do Porto e tem um variado leque de valências: creche, jardim de infância, casa jovem com Centro de Atividade de Tempos Livres (CATL), lar, centro de dia, centro de convívio, casa da amizade e serviço de apoio domiciliário (SAD).
O presidente é o padre Jardim Moreira e, por isso, a aplicação do modelo da EAPN em escala menor é uma das aspirações do CSPNSV. Contudo, “os protocolos com o Estado são sempre dedicados às políticas sociais do estado e por isso é difícil fazer mais”.
“O dinheiro estatal não cobre 50 por cento das despesas, o que limita qualquer instituição a fazer mais que o simples assistencialismo porque não tem capacidade de ir além do cumprimento das respostas sociais”, sublinha o pároco.
Apesar disto, no CSPNSV o foco do trabalho está nas famílias e não apenas nas crianças. É importante fazer o acompanhamento das mães grávidas desde o primeiro dia e da criança até que tenha três anos. Esta é a etapa mais relevante no desenvolvimento da criança e as carências que se possam experienciar neste período são irreversíveis. “Uma criança que não tenha em casa condições para tomar o seu banho e um espaço para estudar, não vai ter sucesso escolar. Não tem interesse, não se sente motivada”, sublinha o padre Jardim.
O trabalho em parceria com outras entidades é de extrema importância para o CSPNSV. “Temos parceria com a Profitecla e com o Externato do Ribadouro, por exemplo. Os professores vêm cá e trazem alunos para que as crianças possam conviver entre si”, conta o sacerdote, relembrando a atuação dos alunos na CSPNSV na Casa da Música.
Para os idosos há um ambiente familiar, “com distrações para que todos os dias sejam diferentes”. Além disto, não há ninguém que não consiga comprar medicamentos porque o CSPNSV tem protocolos com farmácias. “Toda a gente com capitação inferior a 150 euros tem medicamentos grátis, um esforço que a Instituição faz de forma autónoma sem qualquer apoio excepto o apoio dado pelas farmácias”, reforça Jardim Moreira.
O voluntariado também tem desempenhado um importante papel. “Há dois grupos de estudantes universitários que trabalham connosco em regime voluntariado e temos uma proposta de alunos de Psicologia para trabalharem junto de pessoas com mais idade e apoiá-los com base na componente psicológica”, assegura.