Em Lisboa, a zona do Areeiro guarda um tesouro. Esse tesouro é o restaurante Harmonia, recanto dedicado à comida portuguesa como ela é, servida como deve ser. Inspiração de Marco Costa e Domingos Valente, é paragem obrigatória para quem aprecia comida honesta.
O Harmonia é uma homenagem ao restaurante dos pais de Marco Costa, o Harmonia da Beira, onde Domingos Valente trabalhou desde os 13 anos e que esteve aberto durante 33 anos. Cresceram com o Harmonia da Beira, mas depois de o restaurante ter fechado ganharam asas e embarcaram num projeto onde ganharam a experiência necessária para agora abrir o Harmonia. “Na Harmonia da Beira, o Domingos sempre foi uma pessoa de confiança. Depois do restaurante ter fechado, abrimos o Zé do Cozido, em 2011. O meu pai e a minha mãe orientavam-nos, mas começamos a fugir um bocadinho deles”, explica Marco.
Durante o período em que lideraram o Zé do Cozido, Marco e Domingos foram aperfeiçoando os seus conhecimentos. “Tive três anos de curso de cozinha, mas não é isso que valida o que faço. Aprendi muito com a minha mãe. Tudo o que é típico português aprendi com a minha mãe, não foi na escola”, descreve Marco, responsável pela cozinha.
Domingos, que costumava estar atrás do balcão, saltou para trás da bancada e agora trata das carnes e do peixe. Corta, prepara e além disso seleciona, mas isso vem-lhe com naturalidade porque, como o próprio diz com um sorriso na cara, “gosta de coisas boas”.
No tempo do Zé do Cozido, comentava-se que fazia falta um espaço maior, mas ninguém partia realmente na busca. Marco Costa tomou a iniciativa e convidaram-no para vir conhecer o espaço onde agora se situa o Harmonia, na rua Actor Isidoro no Areeiro. O espaço era um supermercado e quando Marco soube disso, descartou-o logo, mas ainda assim decidiu ir conhecer. Apaixonou-se e daí a idealizar o conceito do Harmonia foi um pulo.
O conceito é único, afinal não estamos a falar de tasca gourmet, nem do típico restaurante familiar de domingo. Estamos perante a perfeita Harmonia entre a cozinha tradicional portuguesa e um espaço acolhedor, moderno, mas não pretensioso, onde o vinho é rei e a vinha rainha.
À entrada damos de caras com uma sala magnífica, com o teto de madeira ondulado um esplêndido balcão sustentado por caixas de vinho. Ao fundo, vemos a cozinha onde se preparam as deliciosas iguarias que aqui se comem. A ninguém escapa que a estrutura que liga as duas divisões cria a ilusão que a equipa se movimenta dentro de uma pipa. Começa o tema do vinho.
No jardim, uma sala do Harmonia com teto panorâmico, o ambiente é mais intimista e dedicado aos casais. O piso é uma homenagem à calçada portuguesa e entre o olhar e o teto em vidro estende-se uma grande estrutura metalizada com recortes de parras que faz lembrar uma ramada, remetendo- nos novamente para o tema dos vinhos.
Na sala vinhateira, e como o próprio nome indica, a temática não é diferente, mas a geometria é mais adequada a grupos. Na parede, vai-se construindo com as rolhas das garrafas de vinho que ali se abrem as encostas do Douro.
Todo o espaço foi minuciosamente decorado e os detalhes levam até o cliente mais distraído a esboçar um sorriso com as referências à cultura vinhateira. Apesar disso, o ambiente é descontraído e informal. “Queremos que as pessoas se sintam à vontade. Se querem falar mais alto, falem mais alto. Queremos que se sintam em casa”, resume Marco Costa.
O que aqui se come é simples e talvez por isso difícil de encontrar. Falamos de cozinha tradicional portuguesa de bem consigo mesma, sem passar por nenhuma crise de identidade. Não há gel, espuma, redução ou qualquer outra nomenclatura moderna que nos deixa inseguros quanto ao que vamos degustar.
“A cozinha tradicional está a ficar esquecida e quem a representa só o sabe fazer em modo gourmet”, refere Marco. “Mas a cozinha que aqui se faz é para a vida toda. Apenas queremos apresentá-la de um modo diferente, num espaço diferente – um espaço em que nos apeteça estar”, resume.
Do peixe, destaca-se a espetada de garoupa com gambas, arroz de lavagante e especialidades à lagareiro como bacalhau ou polvo. Da carne, medalhões com camarão, o Bife à Harmonia, bife do lombo acompanhado com uma mistura de cogumelos com natas e vinho tinto e um camarão grelhado no topo ou o tradicional bife na pedra que não constava na carta, mas ressurgiu motivado pelos pedidos dos clientes.
A carta continua a mudar e a ideia é que isso nunca deixe de acontecer. Afinal a cozinha é também criatividade e inovação. A mais recente novidade é uma tábua de carnes maturadas que incluí uma panóplia de carnes com elevada qualidade.
O que nunca muda é o almoço de quinta-feira, onde o cozido à portuguesa marca garantidamente presença em honra do restaurante onde Marco e Domingos começaram a dar os primeiros passos autonomamente: Zé do Cozido. Domingos garante que “já é um sucesso nesta casa”.
Não menos sucesso têm as tartes confecionadas por Domingos, como por exemplo a tarte de batata doce, de amêndoa e chila ou de abóbora e noz que são o final perfeito para um serão bem passado no Harmonia. Têm inspiração nas receitas da família e nas tartes que já a avó e a tia faziam. Se as tartes não agradam, outras opções não faltarão como o Folhado da Fatinha com creme de ovo e amêndoa, especialidade de Fátima, uma das funcionárias da equipa do Harmonia.
O tema da casa é vinhos e por isso a seleção escolhida para acompanhar o que de melhor aqui se cozinha é vasta, mas rigorosamente selecionada. De norte a sul de Portugal não faltam opções e as ilhas não são esquecidas, com representantes da Madeira, mas também dos Açores. “Todas as semanas a carta é diferente”, sublinha Domingos.
O vinho da casa é o homónimo Harmonia, feito pela Herdade do Rocim. “É um vinho muito bom. E as pessoas até já compram caixas para levar para casa”, conta Marco. Por isso, a ideia passa por fazer um Harmonia Reserva.
Pela comida, pelo vinho, pelo conceito e pela simpatia de quem aqui trabalha, o Harmonia é um local de passagem obrigatória. Depois de por aqui passar o mais certo é apaixonar-se e continuar a vir. O restaurante encontra-se encerrado ao domingo todo o dia e às segundas ao almoço.
Também ponto de visita incontornável é o novo Zé do Cozido. O restaurante não fechou portas por muito tempo e nasce com uma roupagem nova. É a tasca portuguesa com petiscos. Em comum com o Harmonia tem o amor pela cozinha portuguesa de quem lá trabalha.