A cozinha do mundo com uma pitada de portugalidade marca a identidade gastronómica dos dois restaurantes do chefe Júlio Pereira, falamos do Kampo e do Akua. O mote é a partilha da comida num espaço onde se pretende que os clientes se sintam em casa.
Na rua dos Murças, no coração do Funchal, a dinâmica é cosmopolita. A centralidade faz daquela zona uma boa escolha para comer. As ofertas são variadas, mas algumas têm sugestões bastante diferenciadas, bem como as dos restaurantes Kampo e Akua, os dois espaços do Chef Júlio Pereira. A aposta na comida equilibrada e de conforto foi uma das premissas que pretende servir refeições para serem partilhadas.
Aberto desde o final de 2018 a abertura do kampo é o culminar de uma verdadeira vida de aventuras e experiências do Chef Júlio Pereira. Nascido e criado na Carvoeira, aldeia perto da Ericeira, “filho de agricultores e talhantes”, chegou à adolescência “sem saber o que queria, mas com a certeza do que não queria” – ser talhante ou agricultor. Quase “de forma descabida”, acabou por seguir os estudos na escola de hotelaria do Estoril, e foi nesse momento que percebeu o caminho que queria seguir: “porque inocentemente recebi formação desde de criança. Sabia cortar carne, sabia todos os ciclos agrícolas e conhecia o ADN piscatório da Ericeira…”, conta o chef. Este era apenas o início de uma aventura contada através de vários capítulos.
Ao terminar o curso, com 18 anos, “em Lisboa, no t-club, fizemos a inauguração da torre Vasco da Gama e depois de toda a Expo 98, em que percebeu que havia algo mais além da nossa rua, surgiu a hipótese de Itália e acabei por ir para Turim, em 1999, para o hotel Principi di Piemonte. Foi gratificante sair de uma pequena aldeia para um dos melhores hotéis da europa”, refere. Anos mais tarde voltaria para Portugal, para implementar, na Madeira, o seu primeiro projeto empresarial, o qual conta em certo tom de graça: “com 20 anos criei uma empresa de catering, fruto da idade, ao fim de cinco anos acabou por não dar certo”. Voltou para Portugal Continental, para inaugurar, no papel de chefe de banquetes, o Grande Real Villa Itália Hotel & Spa, em Cascais. Dois anos depois viria a “fazer a abertura do Arola, em Sintra, e como fui o Chef que fez a abertura do primeiro espaço do grupo, em Portugal, tive de fazer uma formação em Barcelona. Decidido em arriscar em novos desafios, anos depois viria a mudar-se para Angola, para fazer parte da equipa que abriu o primeiro hotel cinco estrelas na época pós-guerra. Entre todo o percurso foi também formador e também consultor de alguns espaços hoteleiros de vários pontos do globo. Seguiu-se ainda uma experiência em São Tomé e Príncipe, no Hotel Bom Bom Príncipe, e na Madeira, no Choupana Hills Resort & Spa, que viria a ser destruído num incêndio. Foi nessa altura, que decidiu “que deveria dar início a uma nova etapa da minha vida, e decidi criar o meu próprio restaurante”.
Assim viria a surgir o restaurante Kampo, um retrato da história do chef Júlio Pereira. O nome designa as origens da sua cozinha, e também a sua origem “mais campestre”. A aposta foi “em criar algo diferente, e por isso coloquei-me como cliente do meu próprio negócio e fui moldando alguns aspetos”. Atualmente conta já com dois espaços, para além do Kampo, o Akua, situado a poucos metros da casa mãe. “Todos os dias mandava 30 a 40 pessoas para trás e por isso decidi arriscar em criar mais um espaço, o Akua”.
Indo para a cozinha e para os sabores dos restaurantes, destaca-se a cozinha à vista dos clientes, de onde saem pratos para partilhar, criativos, mas descomplicados, como faz questão de acentuar Júlio Pereira. Os sabores servidos são uma fusão das experiências do Chef, uma cozinha internacional com registos nacionais. Mas, para o Chef Júlio, a sua diferenciação vai além de uma cozinha equilibrada: “é o acréscimo de uma coisa que não tem receita, que é acrescentar algo pessoal e sentimental”.
Mais importante que a carta, é o conceito dos dois espaços. Aqui pretende-se uma experiência de partilha: “fomentamos muito a partilha. Este conceito tem algo de lírico, é a questão de dar um pouco de ti à outra pessoa e isso dá mais graça à refeição. É a forma de humanizarmos um produto”, sublinha. No entanto no menu, o realce vai para as carnes maturadas, preparadas no carvão, à semelhança dos legumes na brasa e dos fumados. Nos peixes a sardinha, a mendinha e peixes frescos do mercado. Sem arrependimentos, avance para o momento mais doce que, ao mesmo tempo, confirma a ousadia do chef, como o Gelado de pitanga frito, caramelo e gengibre ou o Chocolate branco, azeitona e maracujá. O recomendável é mesmo visitar o restaurante, até porque há pratos que vão sendo substituídos por novas criações do Chef.
Com o sucesso das duas casas Júlio Pereira tem já bem definido o futuro a designar: “as coisas estão a correr bem e em março contamos abrir um terceiro espaço, o Kôdea será uma cozinha mais acessível em redor daquilo que é o pão. A Madeira tem uma tradição muito engraçada em almoçar uma sandwich de pé, isso perdeu-se e eu acho que é uma tradição que merece ser revivida”, conclui.