Salvar as gravuras de Foz Côa foi um dos momentos mais relevantes da sociedade civil dos anos 90 em Portugal. Um marco cultural de que o país se pode orgulhar, e que está devidamente destacado no interior do Museu. Estas gravuras são vestígios que nos remetem para a preocupação já existente nos nossos antepassados em deixar um relato, gravado nas rochas, das suas vidas. Ninguém fica indiferente à beleza deste local e à do próprio edifício que, embora seja “um dos maiores museus portugueses, assenta graciosamente no topo da colina”, como refere o site da instituição. Uma autêntica celebração do encontro dos dois patrimónios mundiais da região.
Em finais de 1994 foi divulgada a descoberta de um extraordinário conjunto de Arte Rupestre no Vale do Côa. Extraordinário porque a maior parte dessas gravuras eram atribuídas ao Paleolítico Superior, isto é, tinham pelo menos 12 mil anos, tendo sido executadas pelas comunidades de caçadores-recoletores que habitaram na região durante o último período glaciar. Ora, até à descoberta da arte do Côa considerava-se que a generalidade da arte paleolítica se tinha criado no interior de grutas e abrigos, e que os poucos casos de representações atribuídas a este período, que até então se conheciam ao ar livre, não passavam de exceções. Mas no Côa eram já mais de cem as rochas com imagens deste período.
Afinal os nossos antepassados também produziram imagens fora das grutas e, muito provavelmente, até em maior número que no seu interior. Simplesmente, ao ar livre, a arte deteriora-se com muito mais facilidade, a não ser que tenha sido criada nas condições geológicas e climáticas especiais do Vale do Côa. Hoje, conhecem-se mais de 600 rochas com arte paleolítica no Vale do Côa, assim como outras 600 com artes de outros períodos da Pré-história e da História, podendo as mais antigas alcançar os 30 mil anos. É de facto um achado extraordinário com uma importância e valor universal excecional.
Contudo, este património esteve ameaçado pela construção de uma barragem. Foi salvo graças à convocação da sociedade civil (academia, O.N.G., entre outras), impulsionada pelo movimento de salvaguarda das gravuras, encetado pelos alunos da Escola Secundária de Vila Nova de Foz Côa e que contou com o apoio da comunicação social. Este movimento defensivo teve o seu primeiro ponto alto a 3 de fevereiro de 1995, em Vila Nova de Foz Côa, com a realização da primeira manifestação em defesa das gravuras. Entre os cartazes segurados pelos alunos da Escola Secundária, constava a frase: “as gravuras não sabem nadar”, adaptada do refrão do tema “Nadar” da autoria da banda Black Company, um dos mais recorrentes dos alinhamentos das rádios no verão de 1994. Houve uma apropriação coletiva deste singular património rupestre. A luta dos alunos, o forte empenho da comunidade científica nacional e internacional, assim como a pressão popular e política abriu caminho à decisão final, anunciada a 17 de janeiro de 1996. Os trabalhos de construção da barragem de Foz Côa foram suspensos para a realização dos estudos necessários ao esclarecimento da verdadeira dimensão e valia deste património arqueológico, num quadro de seriedade e rigor científico. A 10 de agosto de 1996, foi criado o Parque Arqueológico Vale do Côa (PAVC), o primeiro parque arqueológico do país. Em 1997 esta arte foi classificada como Monumento Nacional (Decreto n.º 32/97, de 2 de julho), seguindo-se, logo depois, a inscrição na Lista do Património Mundial da UNESCO (1998). Conseguiu assim salvar-se a Arte do Côa da sua submersão, bem como garantir as condições para o seu estudo e fruição pública.
A classificação pela UNESCO representou a maior distinção e diferenciação deste Vale, reforçando a sua importância e intensificando o binómio: Património-Turismo. Esta chancela foi axial para potenciar uma estratégia global do reposicionamento do Vale do Côa no competitivo mercado turístico. Volvidas mais de duas décadas, estes valores deram origem a um projeto cultural, turístico e científico extremamente importante para o território, desempenhando um papel decisivo em termos de desenvolvimento da região. Para alavancar o projeto foi inaugurado, em 2010, o Museu do Côa. Trata-se de um museu de sítio da autoria dos arquitetos Camilo Rebelo e Tiago Pimentel que, inspirando-se na “Land art”, integraram este magnífico edifício na paisagem envolvente mediante um jogo de cores e luminosidade. É uma obra exemplar do ponto de vista da arquitetura. Localiza-se no topo da colina que se ergue a partir da confluência do Côa com o Douro, como que celebrando também o encontro da Arte Rupestre com o outro património Mundial da região: o Alto Douro Vinhateiro. A sua visita não substitui a visita ao Parque Arqueológico Vale do Côa, pois o verdadeiro museu é o Vale nas suas diversas dimensões.
Visitar o PAVC e/ou o Museu do Côa significa participar numa experiência autêntica e contextualizada do ponto de vista cultural e científico, um enriquecimento intelectual e o contacto intercultural com as primeiras manifestações artísticas do homem. O Museu marca a agenda de iniciativas culturais de referência Nacional e Internacional com uma programação eclética que aponta para exposições temporárias e uma exposição permanente, com curadoria de conteúdos, mantendo o interesse dos visitantes. O PAVC e o Museu do Côa receberam, ao longo do tempo, cerca de 675 mil visitantes. Um número muito significativo que denota a importância deste projeto com diferentes vocações: cultural, turística, científica e educativa.