Depois de 37 anos na Escola Profissional Agrícola Conde São Bento, dos quais os últimos 27 como Diretor, poucos poderão falar com tanta experiência do Ensino Profissional Agrícola em Portugal como Carlos Frutuosa. Impunha-se um balanço e assim o fizemos, num dia em que fomos muito bem recebidos nas monumentais instalações desta instituição histórica de Santo Tirso.
Até que haja vontade política, aspeto a que já iremos, são os recursos humanos da Escola que vão resolvendo todos os desafios. O ambiente que se sente nos vários espaços das excelentes instalações da Escola Profissional Agrícola Conde de São Bento (EPACSB) é saudável em todos os sentidos. Na manhã que aqui passámos cruzámo-nos com um pequeno grupo de alunos que levava iogurtes, feitos ali mesmo, para a sobremesa do almoço. Pudemos provar e estavam deliciosos, tal como o almoço, ou não tivesse esta cantina uma excelente reputação, lembrada por antigos alunos com saudade. Isto, claro, para além da sua inegável beleza, comum a qualquer recanto do Mosteiro de São Bento. É o caso da capela, uma pérola delicada no meio das grossas paredes de granito do Mosteiro. Pudemos ver ainda uma autêntica relíquia a ser restaurada para exposição – um centenário trator Fordson, produzido pela Henry Ford & Son – com rodas ainda totalmente metálicas.
Em mais de 30 anos “já passámos por muitas fases” na EPACSB, começa por nos contar Carlos Frutuosa. “Há um reconhecimento muito grande pelo trabalho que temos desenvolvido e vemos esse reconhecimento através das empresas que nos procuram”. A qualidade do ensino nesta que é a mais antiga escola agrícola portuguesa é um dos fatores que garante a alta taxa de empregabilidade de quem aqui estuda. Os pedidos das empresas, seja para emprego ou para estágios não param de chegar. No entanto, o Diretor da Escola diz-nos sentir “algum desgosto por não poder satisfazer a maior parte dos pedidos de empregos” que lhes chegam. A razão, diz, está nos jovens que “hoje pensam de uma maneira diferente de há uns anos atrás”. As ofertas de emprego a 20 ou 30 km de casa são encaradas como demasiado longe, e “isso é mau porque andaram aqui três anos, tiraram curso profissional, têm certificado de dupla certificação e depois recusam os empregos por que são longe.”
Carlos Frutuosa dá como exemplo oposto o que fazem muitos licenciados do nosso país, que “estão a ir pela Europa fora”. É um recado que pretende consciencializar os mais jovens para oportunidades que não deveriam desperdiçar sob pena de se arrependerem mais tarde.
A realidade específica das Escolas Agrícolas
É com “uma mágoa muito grande”, que se estende às outras escolas profissionais agrícolas do país, que Carlos Frutuosa encara o facto de estas não terem um estatuto especial adequado à sua realidade. Assim, diz, “não estamos encaixados no sistema de ensino”. As especificidades são óbvias, desde logo, porque a agricultura as diferencia de qualquer outro ensino. Seja por estarem dependentes do clima, da chuva e do frio, que obriga a que os horários tenham de mudar de semana para semana. Ou por terem animais que têm de ser alimentados e tratados todos os dias do ano.
A necessidade de cumprimento da carga horária ficou ainda mais complicada nos últimos dois anos, por causa da pandemia. Mas as reivindicações, essas, já são feitas há muito anos, nomeadamente através da APEPA (Associação Portuguesa de Escolas Profissionais Agrícolas), que Carlos Frutuosa já liderou. “São anos e anos a alertar as entidades e isto é grave”, diz, admitindo que essa é a grande frustração que leva como diretor, “nunca ter conseguido resolver este problema.”
É ao visitarmos cada uma destas escolas, ao conversarmos com diretores, docentes e alunos que ficamos a perceber, ainda melhor, estas palavras: “Nós não queremos privilégios, somos os diretores menos remunerados e os que trabalham mais, até mesmo durante fins de semana e feriados, não temos férias porque os animais precisam de cuidados. É também por estas situações que devíamos ter um estatuto à parte e uma certa autonomia.”
Há ainda outro problema que estrangula estas escolas que é estarem incluídas nos contratos de compras públicas. “Não podermos ultrapassar os cinco mil euros em compras, para nós, é gravíssimo.” As escolas agrícolas necessitam de fazer dezenas de compras diárias, em quantidades que não se enquadram nestes limites impostos burocraticamente.
Por funcionarem neste espaço lindíssimo, Património Nacional desde 1910, os encargos com a sua manutenção são muito avultados. As janelas do rés-do-chão foram agora renovadas, num investimento de 30 mil euros, absolutamente necessário, que não pôde ser canalizado para equipamentos agrícolas, por exemplo. Uma realidade que se agudiza porque “há pelo menos 20 anos que o ministério não cria concursos para as escolas adquirirem equipamentos agrícolas.” Assim, ficam totalmente dependentes de terem um bom ano agrícola que lhes permita investir “ou vamos fazendo com o que temos.”
“Temos estruturas, temos gente capaz.”
E o que têm, se é pouco em recursos financeiros, é compensado com dedicação, empenho e profissionalismo. “Temos um bom grupo de professores que dão muito pela escola”. Os últimos alunos que aqui têm chegado “são um bocadinho mais rebeldes e com menos vontade de estudar”, o que implica mais trabalho pedagógico e paciência para docentes e funcionários. Muito disto deve-se, no entender de Carlos Frutuosa, à orientação vocacional que existe apenas “no papel e não para aquilo que foi criada”, o que faz com que recebam visitas de alunos que vêm “recomendados das outras escolas porque essas não os querem educar. Passa a ser uma situação muito grave para nós e é outra situação que o Ministério vai ter de resolver.”
Uma verdadeira montra da Escola é a loja, que fica logo após o portão principal, onde todos os produtos estão impecavelmente expostos. O famoso licor de rosas, as compotas, frutas, verduras e o vinho verde, com marca própria e rotulagem muito elegante. Tudo fruto de muito trabalho alicerçado no respeito por toda a história da instituição. “Temos trabalhado bem e isso é um orgulho para nós.” Apesar de todos os constrangimentos, o futuro da EPACSB está assegurado até porque, como garante Carlos Frutuosa, “temos estruturas, temos gente capaz. É a vontade desta equipa que permite que a escola ande bem.”