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Pela (nossa) Estrada fora

É, talvez, com demasiada facilidade que se apelida algo de “único”. Mas quando sabemos que não há mais nenhuma estrada que atravesse o país todo, de norte a sul, dificilmente algum adjetivo caberá tão bem na Estrada Nacional 2 (EN2). Se a isso somarmos o facto de atravessar 35 concelhos, de Chaves a Faro, passando por algumas das mais bonitas regiões de Portugal, então podemos dizer com total segurança que ao longo destes 739km estará a percorrer uma estrada única.

É uma estrada mítica e muito acarinhada por todos os que a percorrem. Cheia de contrastes como o país que é ligado por ela, tão curvilínea a norte como espraiada a sul. Para termos uma noção da sua singularidade, a nossa EN2 é apenas comparável à Route 66, que liga Chicago à Califórnia (EUA), e à Ruta 40 que atravessa também longitudinalmente a Argentina. Para representar e promover dignamente o património que esta estrada representa, foi constituída em 2016 a Associação de Municípios da Rota da Estrada Nacional 2 (AMREN2). Aqui estão representados os 35 municípios por ela atravessados, com Santa Marta de Penaguião a assumir a presidência. Para aí chegarmos temos mesmo de fazer alguns quilómetros pela EN2, aproveitando a oportunidade para nos deliciarmos com a sua envolvente. Não há outra forma de o dizer – este troço entre Vila Real e a Régua é imperdível – e o Alto Douro nunca deixa de surpreender por mais vezes que ali se passe. Chegados ao largo em frente ao edifício da Câmara Municipal de Santa Marta de Penaguião, um enorme marco amarelo não deixa dúvidas sobre onde estamos. É uma réplica gigante e perfeita dos antigos marcos das estradas portuguesas, que se tornou o ícone desta EN2.

Quem a desenhou “e a pensou de norte a sul, teve uma ideia tão avançada, que ainda hoje mantém esse diferenciação”, começa por nos dizer o Presidente da Câmara (e da AMREN2), Luís Machado. Na sua génese está uma ideia, um “projeto para um país que a torna única.” A atual designação de Estrada Nacional 2 foi instituída em 1945, sucedendo-se a séculos de história onde, em tempos, foi chamada de Estrada Real. Olhando para o mapa, percebe-se que a EN2 se estende centralmente no país como se fosse a sua coluna dorsal. “Foi uma referência durante muitos anos, talvez como um dos melhores meios de mobilidade de pessoas e mercadorias, que depois com a construção das autoestradas, dos IPs e dos ICs, perdeu essa relevância em termos de mobilidade, mas nunca perdeu a sua identidade.” É com uma notória convicção que Luís Machado defende a sua (e nossa) EN2, lembrando que quem a percorrer e “não conheça o país, fazendo-a devagar, quando sair daqui leva um país no coração. Conhece a sua cultura, a sua gastronomia, os seus produtos endógenos, e principalmente tem aquilo que mais nenhuma tem, que embora seja uma estrada de alcatrão é essencialmente uma estrada de pessoas”. Dificilmente se fazem mais de 30km nesta estrada sem que se vejam casas, povoações, “sem se cruzar com pessoas a pé, de bicicleta e de carro, ou pessoas a trabalhar”.

Unir um país

O Presidente da Associação vai mais longe e afirma mesmo que a EN2 “consegue unir aquilo que nenhum projeto político o consegue, que é unir um país”. Os autarcas que a representam são de áreas políticas diversas, mas valorizam os seus territórios em parceria e cooperação, divulgando e promovendo municípios que não se resignam a ficar esquecidos e isolados no interior. A ideia da criação da Associação nasceu em Santa Marta de Penaguião, e hoje a EN2 é uma verdadeira marca nacional. Uma marca potenciadora dos “seus produtos e das suas pessoas”, que pretende “criar riqueza, fixar os que estão cá e atrair novos”. Em boa hora o Turismo de Portugal viu neste projeto a oportunidade para promover os territórios de uma forma “linear, equitativa, transparente e próxima”. A Nacional 2 convida a essa proximidade, normalmente percorrida e visitada por pequenos grupos. Afirma-se sem ser concorrente do turismo de sol e mar, mas dando mais opções a quem queira visitar o nosso país de uma forma diferente, garantindo uma perspetiva complementar em todos os sentidos. Sintetizando, Luís Machado afirma que “os turistas podem vir cá usufruir das nossas praias e do nosso mar, e simultaneamente, fazer a Nacional 2”.Esta oferta global que um pequeno país como Portugal consegue conciliar, de norte a sul, do litoral ao interior, é um fator que nos distingue no competitivo mercado turístico internacional.

Turismo Responsável

O perfil do turista que procura destinos de estrada, em estilo road trip, afasta-o claramente do turismo de massas. Aqui encaixam os que procuram o turismo de natureza, assim como o turismo gastronómico, ou os motards, por exemplo. Pessoas que têm à sua disposição ao longo desta estrada seis Patrimónios Mundiais reconhecidos pela UNESCO. O respeito por este património está na génese da criação da AMREN2 e, seguramente, também no espírito de quem a visita. Não há aqui registos de qualquer incidente ou ato de vandalismo. Quem procura a EN2 é alguém que “gosta de fazer turismo em segurança, com proximidade, respeitador e amigo do projeto”. O acolhimento dos portugueses é sempre elogiado por qualquer turista que nos visite, naquela que é uma tradição impagável que não se pode realmente perder. Essa é, em todos estes territórios, uma constante.

Marca acarinhada pelos portugueses

“A Nacional 2 valoriza o alicate e o cabo” é uma das imagens mais curiosas e gráficas que nos foi transmitida pelo Presidente da AMREN2. As oficinas que se mantêm ao longo do seu traçado são o garante de assistência e apoio em qualquer situação. O desenrasque profissional que tanto carateriza a melhor tradição nacional. Até nisso este projeto é inclusivo, já perfeitamente integrado na era digital, mas sem perder a autenticidade que carateriza todo este trajeto. Os portugueses acarinham esta marca, “é dos pais, dos filhos, dos netos, dos bisnetos”, diz-nos Luís Machado, projetando um futuro promissor alicerçado no respeito pela memória viva: “aquilo que foram as nossas vivências nos anos 40, 50, 60 na Nacional 2 são a mais-valia no futuro”.

Santa Marta D’Ouro

Não podíamos sair de Santa Marta de Penaguião sem perceber o que está a ser feito pelo atual Executivo na promoção do município, para além deste “mundo” que é a Nacional 2. Passa muito pela recuperação da imagem da Padroeira da Região Demarcada do Douro e de Frei João de Mansilha, o mentor do Douro. Surge assim a marca “Santa Marta D’Ouro”, a partir da qual a Autarquia está a lançar três grandes projetos de promoção turística: o Miradouro D’ouro Vivo, o Espaço Origem D’ouro e o espaço Ligação de História D’ouro. O Miradouro D’ouro Vivo terá espaços dedicados à demonstração viva das castas mais importantes da região. Já o Espaço Origem D’ouro terá um serviço de lazer e de conhecimento, com um auditório 4D que levará os visitantes a uma viagem de 1756 (ano da delimitação da Região Demarcada do Douro) até aos dias de hoje. Contemplará ainda uma cave com uma cápsula do tempo, lugar ideal para vinhos de referência e história, e ainda uma sala de leitura. O terceiro espaço “Ligação de História D’ouro” contará com um espólio de informação aos visitantes sobre Frei João, uma personagem de grande relevância para promover a marca “Santa Marta” e o seu território como destino turístico de eleição.

Destaque ainda, claro, para a Serra do Marão – “O Gigante – Protetor do Douro”, responsável pelo microclima que distingue os vinhos desta região. A riqueza paisagística de toda esta zona tem sido igualmente merecedora de reconhecimento e dinamização por parte do Executivo, tanto na recuperação dos elementos patrimoniais locais como nos elementos paisagísticos e ambientais. Exemplo disso é a Caminhada Noturna, organizada pelo Município, que atrai centenas de caminheiros permitindo dar a conhecer as potencialidades turísticas do Marão. O próximo projeto passa pela construção de um miradouro na Fraga da Ermida, um dos monumentos geológicos mais emblemáticos, que irá promover a Serra do Marão como um dos maiores destinos turísticos do país.