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EDITORIAL | EDIÇÃO 41 | NOVEMBRO 2023

Começar cada texto como se fosse o último que se escreve é depositar nele tudo, e deixar de fora só o que ali não cabe. Esta vertigem constante tem uma força vital tão dramática quanto clara. Como um vidro embaciado que se limpa, um foco de lente que se ajusta, e tudo fica mais claro, num contraste perfeito, na temperatura de cor ideal.

Este equilíbrio entre intensidade e serenidade é, talvez, o mais ténue e belo de todos. Ser capaz, como escreveu Kipling, de forçar “coração, nervos, músculos, tudo, a dar seja o que for que neles ainda existe”, e ainda assim manter-se inteiro. Sorrir sem cinismo, sem ironia, apenas como aqueles que nos amam mais gostariam de nos ver, em qualquer situação da nossa vida.

Novembro é um mês muito inspirador, soturno é certo, mas irresistivelmente sedutor. Daqueles que nos levam a querer depurar cada linha, à procura da palavra certa. Porque sabemos sempre que vale a pena.

Alheios à instabilidade do mundo do lado de fora da nossa janela, fechamos os olhos e escolhemos a banda sonora perfeita – neste caso, a que oiço enquanto escrevo este editorial – “November” (claro), de Max Richter – “visita” obrigatória nesta altura do ano.

É assim que mergulho no outono há já muitos anos. Quem também nasceu num novembro (1919), no Porto, foi Sophia de Mello Breyner:

“A respiração de Novembro verde e fria

Incha os cedros azuis e as trepadeiras

E o vento inquieta com longínquos desastres

A folhagem cerrada das roseiras”

Nascer em novembro é como contrariar a curva do tempo, é entrar num buraco negro e sair décadas à frente, imutável, ignorar calendários enquanto o universo se move em câmara lenta.

É prosa e poesia na mesma frase.