«… e alcançada Vénus sua inimiga, nela [Princesa Peralta] executou maiores crueldades, como autora e causa do todo seu furor. E a converteu em ribeiro de muito caudal, e de muita água (…) dizendo: assim quero que seja castigada tua soberba e altiveza, e formusura para sempre, e percas o nome de alta, e te fique só de Pera (…).»
Na opulenta Colimbriga reinava Arunce. Da deslumbrante beleza da princesa Peralta, de causar a cobiça dos deuses do Olimpo, andavam na terra príncipes e fidalgos de corações quebrantados de amores não correspondidos. Sitiada a cidade por um exército inimigo, mandara El-Rei que a sua formosa filha encontrasse refúgio nos contrafortes das serranias, nas margens do rio Arouce (Lousã), num pequeno castelo que ali mandara construir para guardar o seu tesouro. Ansiosa naquele retiro, sem notícias da frente de batalha, saiu a Princesa encoberta na penumbra da cerrada floresta, atravessando penhascos e desfiladeiros, em direção à distante Sertago (Sertã). Seria castigo, talvez por malvadez de incontidos ciúmes e inveja. Quedou-se a bela princesa nos encantos do feitiço tecido nas tramas e urdiduras de Vénus. Disperso o seu séquito, transformado em pedras dos montes e vales, Peralta sumir-se-ia nos prantos das águas da ribeira, que levando no seu nome «Pera», perderia na ira da deusa a altivez da distinta pose da realeza. Conta ainda a lenda, das belas sardas no rosto da Princesa, que “muitas graças lhe acrescentavam”, por delas escarnecer a deusa, as pôs nos peixes “que nesta ribeira se criam, [e se] chamam trutas”. Deste “fim triste e desventurado, daquela tão formosa e excelente Princesa Peralta, causado por pura inveja”, escreveu Miguel Leitão de Andrade, na sua obra «Miscellanea» (1629), a versão mais antiga da lenda.
«E dizem mais, que algumas vezes se ouve ainda hoje gemer, e suspirar esta Peralta, indo assim desfeita em águas ao entrar no rio Zacor, ou Ozecaro (agora este nosso Zêzere)».
Mergulhar nas águas da Ribeira de Pera é imergir no conto desta terra de encantos e viçosas paisagens – literalmente, de despertar a cobiça e causar inveja!
Nasce o manancial na Selada de Pera, acima do Coentral. No branco da invernada, subiam os neveiros daquele povoado ao Cabeço do Pereiro (Santo António da Neve) no labor da recolha da neve, compactada e armazenada em grandes poços. Gelo refrescante e de bons remédios servido em tempos idos na mesa da realeza e nos botequins de Lisboa. Com sabor a Mel Serra da Lousã (DOP) vestem-se as encostas escarpadas das ribeiras das Quelhas e do Cavalete nos tons primaveris amarelo-rosáceos das urzes e das carquejas. Diz-se sentir-se o bater do coração da Princesa no sítio de Entre-as-águas, onde as correntes fluviais se abraçam e geminam.
Uma velha calçada de pedras roliças, desgastadas nas memórias das carroças transportando o gelo, segue o encaixe do vale até se alcançar a Ponte das Cabras. Estamos nas Sarnadas, lugarejo outrora afamado pela longa tradição no fabrico de barretes – o verde do campino, o preto do pescador e do trajar do folclore – como ainda hoje continuam a ser produzidos em Castanheira de Pera.
Mais a jusante, chegamos aos Pisões. Do primitivo engenho hidráulico (o pisão) empregue no apisoamento dos grosseiros tecidos de lã – os buréis, os surrobecos e as samarras – saídos dos teares das oficinas artesanais, apenas ficou o topónimo. O açude represa no espelho de água as virtudes revigorantes ao corpo e à mente. As águas são naturalmente frias! Dizem os entendidos que reforçam o sistema imunitário e melhoram a circulação sanguínea.
Exaurida na perigosa e extenuante travessia da serra, pesando o esforço na já avançada idade, adianta a lenda ter aqui falecido a fiel aia, de nome Antígona. Num raio furioso fez Vénus estilhaçar a pedra tumular. Apagado o epitáfio «Antígona de Peralta aqui foi da vida falta», restou na vaga memória do lugar, na oralidade das estórias de um tempo sem história, os enigmáticos dizeres «Antig…a de Pera…». Pelos trilhos da «Rota Terras de Peralta» (PR4 CRP), saindo da capela antiga de Pera, na levada do regadio que conduz ao moinho, alcançamos as águas límpidas do verdejante retiro do Poço dos Amaros.
Chegados à renovada Praia Fluvial do Poço Corga, o veraneante encontra as comodidades das infraestruturas de apoio requeridas à excelência do bem-estar dos lazeres turísticos e da segurança das atividades balneares. Parqueamento, passeios, rampas e sanitários aptos a utilizadores com mobilidade reduzida cumprem os critérios de Praia Acessível. O centenário carvalhal monumental compõe a moldura natural envolvente ao parque de merendas. Brevemente, o Parque de Arborismo (em construção) proporcionará novas experiências de aventura ao ar livre. Para uma estadia prolongada no esplendor da natureza, o Parque de Campismo e o Resort Villa Rio próximos da praia são a opção certeira. No restaurante-bar Poço Corga, o visitante poderá degustar o melhor da gastronomia local e regional, temperada com um fio de azeite. Mesmo ao lado, o Núcleo Museológico Lagar do Corga expõe os maquinismos movidos pela força motriz da antiga roda hidráulica, empregues nas diversas etapas de transformação da azeitona no ouro líquido: moagem nas galgas, enseiramento nos capachos, prensas, tarefas. Para os festivaleiros a «Feira da Juventude» regressa ao Poço Corga entre os dias 22 e 24 de agosto.
Quase a chegar à Vila, o Poço Veras é outro aprazível recanto contemplativo da queda de água do velho açude.
É na Praia das Rocas que fica a maior piscina com ondas do país. O ensolarado complexo balnear espraia-se nos quase 10.000 m2 do espelho de águas límpidas e temperadas da ribeira. Slide, rapel, gaivotas, canoagem, barcos a remos, standup paddle – é diverso o programa de atividades de lazer e de desporto aventura desenvolvido pela empresa municipal Prazilândia, em modalidades singulares, em família ou na dinâmica de grupo (teambuilding). Onde dormir? Com vista para o lago, os bungalows da Villa Praia oferece alojamento a bom preço, todo o ano.
Na roca girando o fuso e, no pedal, a roda de fiar, laborava a fiandeira o estirar dos fios de linho e de lã, enquanto sonha o desnovelo dos urdumes da vida.