Confessa-se uma mulher de paixões e sente-se muito grata pela profissão que escolheu. Falamos de Thaysa Viegas, psicoterapeuta e Diretora Clínica da Maria Vinagre, em Palmela. Com um doutoramento em Psicologia da Família, onde explorou as múltiplas facetas da infidelidade, e uma experiência pessoal que a aproximou de realidades como a adoção e o luto, construiu um percurso que alia conhecimento, escuta ativa e transformação. Nesta entrevista, dá-nos a sua visão sobre relações, saúde mental e os desafios de um mundo em mudança, revelando como a sua própria história se entrelaça com a missão da clínica que fundou.
A sua trajetória profissional é marcada por uma sólida formação acadêmica, incluindo um doutoramento em Psicologia da Família pela Universidade de Lisboa, com uma tese sobre infidelidade. Como é que esta especialização influenciou a sua abordagem clínica na Maria Vinagre, especialmente no que toca ao aconselhamento de casais que enfrentam desafios relacionados com envolvimentos extra-relacionais?
Foi a minha atividade clínica, como Terapeuta de Casal, que me levou a querer conhecer melhor a conceção de Infidelidade e as suas diversas tipologias, dado o impacto na relação e o facto de ser recorrente receber pedidos de intervenção nesta situação. A investigação realizada revelou uma maior penalização de um envolvimento sexual continuado e deliberado, com os adultos jovens e os mais idosos, mais religiosos e com posicionamento mais conservador a fazerem julgamentos mais severos. Por outro lado, verificou-se uma forte influência do estilo de vinculação no significado da infidelidade, reforçando a importância de se avaliar em terapia de casal, as caraterísticas e os objetivos relacionais da mesma.

A Maria Vinagre é descrita como uma “Clínica de Empoderamento no Agridoce da Vida”. A expressão parece apontar-nos uma posição muito lúcida sobre a vida, onde é necessário estar igualmente preparado para a dor e o sofrimento, como para receber o amor e as melhores coisas da vida. Pode então explicar-nos o significado desta expressão para si e como é que ela se reflete na filosofia e nas práticas da clínica?
É isso mesmo! A vida é agridoce! Importará saber abraçar toda a panóplia de cores da vida! Ninguém é sempre feliz! Saber viver a dor, a zanga e a frustração é fundamental para a nossa saúde mental. Na Maria Vinagre, apostamos em empoderar as pessoas para melhor viverem a vida, descobrindo, dentro de si, as ferramentas para enfrentar o quotidiano e os desafios dos vários sistemas em que existimos! Não existem fórmulas mágicas!
A sua experiência pessoal inclui a adoção de duas filhas, em 2010 e 2018, e o enfrentamento do estigma associado às famílias formadas por via da adoção e também ao racismo. De que forma estas vivências pessoais moldaram a criação e a implementação da “Consulta de Apoio à Adoção” na Maria Vinagre?
Escolhi ser mãe, por via da adoção. Foi a minha primeira e única escolha, nunca desejei engravidar. Foi a minha maternidade que influenciou todo um percurso profissional na área da adoção. Na Maria Vinagre, sou responsável por esta consulta. Recebo pessoas que estão no processo de tomada de decisão, candidatos a aguardar pelo seu filho e famílias, ainda no período de pré-adoção e outras já com a adoção decretada.
A sua participação em projetos como “Quando a Adoção vai à Escola” e a co-autoria do “Manual para o Curso de Formação para a Parentalidade por Via da Adoção” demonstram o seu compromisso com a educação e a formação. Qual tem sido o impacto destas iniciativas na perceção pública sobre a adoção e quais os resultados que tem observado até agora?
Ambos os projetos que refere, aconteceram enquanto membro da Associação Meninos do Mundo. Refletem a nossa preocupação com o estigma negativo da adoção e o preconceito que as crianças sofriam e sofrem na escola. Infelizmente, para muitos, o amor vem inscrito nos genes e há uma valorização exacerbada da biologia e um menosprezo do amor enquanto construção e de uma vinculação que surge da qualidade da relação. Acredito no poder da educação e na importância destas iniciativas, mas o caminho ainda é longo.
A sua trajetória pessoal e profissional é marcada por momentos de superação, incluindo a perda do seu marido em 2020 e, 20 anos antes, do seu pai, também ainda muito jovem. Como é que estas vivências influenciam a sua prática clínica e a forma como acompanha pacientes que enfrentam situações de luto, quando tantas vezes é necessário “reaprender” a viver?
A mulher e a psicoterapeuta são indissociáveis. Ter ficado viúva aos 43 anos, com duas crianças e uma clínica para gerir, foi a vida a acontecer. E esta, mesmo nos momentos de maior dor, nunca deixou de ser mágica! Há sempre algo, de positivo, para viver e sentir! Tento transmitir isto aos meus pacientes, nomeadamente em situação de luto.

A clínica oferece uma gama diversificada de serviços, desde Psicologia Clínica e Educacional até Terapia de Casal e Familiar, Nutrição e Terapia da Fala. Como é que a integração desta equipa multidisciplinar contribui para uma abordagem holística no tratamento dos pacientes?
Somos um todo! Mente, corpo e alma! Na Maria Vinagre não tratamos sintomas! Temos uma visão holística e multidisciplinar e a abordagem do pedido, envolve muitas vezes a intervenção de mais do que uma especialidade. Imagine, um pedido de consulta de Nutrição, pode vir a tornar-se uma intervenção também em psicoterapia, se estivermos perante uma situação de fome emocional, associada, por exemplo, a um quadro de ansiedade.
Na sua prática clínica, sublinha a importância do bem-estar emocional e relacional. Num mundo onde o ritmo acelerado e as exigências profissionais muitas vezes deixam as relações para segundo plano, que reflexões considera essenciais sobre a importância de investir no vínculo emocional e na intimidade como parte do equilíbrio e da saúde global?
Vivemos o prazer imediato. Uma relação implica tempo, é uma construção. Colorida de avanços e recuos, de riscos e investimento de tempo. A comunicação no casal, nomeadamente sobre objetivos individuais e de planos para o “Nós” é fundamental para uma relação gratificante e que contribua para a saúde mental. Como terapeuta de casal, observo dificuldades na construção de verdadeira intimidade e verifico um fenómeno crescente e muito preocupante de relações pautadas por comportamentos obsessivos, agressivos e controladores, nomeadamente nas gerações mais jovens.
Ao longo do seu percurso, certamente cruzou-se com pessoas, ideias ou experiências que a marcaram profundamente. Há alguém ou algo que tenha sido uma fonte especial de inspiração para si, tanto a nível pessoal como profissional?
Recordo verdadeiros mestres, que me guiaram neste apaixonamento pela Psicologia. Sou muito grata pela profissão que escolhi. Sou tão feliz como psicoterapeuta! Enquanto mulher, tenho na minha família de origem, nomeadamente na mãe que me empodera e educou para acreditar em mim e que consigo o impossível e no pai que foi colo e alegria, os meus pilares. Como mãe, descobri o amor superação e o maior desafio da minha vida. Sou uma mulher de paixões, afetos, ideias e lutas. Que acredita no amor próprio como cura e guia no caminho para a escolha de relações saudáveis e felizes.
Olhando para o futuro da Maria Vinagre, que planos e projetos estão em perspetiva, especialmente no que toca à expansão dos serviços e ao fortalecimento da vertente social da clínica? De que forma imagina a evolução da clínica nos próximos anos?
Imagino uma Maria Vinagre, ainda mais, inclusiva, com a expansão da clínica social para a qual precisamos de apoios financeiros. Iremos também apostar na realização de momentos de debate e de formação, enquanto espaços de partilha e de educação, fundamentais para a verdadeira mudança. Acredito que iremos crescer, também num âmbito internacional, e contribuir, cada vez mais, para um mundo mais justo e igualitário.
Agradecimentos:
Rui David Fotografia
Rafaela Melo Hair Studio
Chay Santos Maquilhagem
O nosso agradecimento especial ao local: Casa Mãe da Rota de Vinhos, Palmela