Desde 2016, a Clay tem sido um autêntico farol na arqueologia portuguesa, unindo ciência, tecnologia e um compromisso inabalável com a preservação da História. Com mais de 500 projetos concluídos e uma equipa multidisciplinar altamente especializada, a empresa equilibra a exigência dos prazos com a sensibilidade da salvaguarda patrimonial. Em entrevista à IN Corporate Magazine, a fundadora Ana Penisga revela como a Clay não apenas descobre objetos, mas também resgata ecos de vidas passadas – e como esta missão pode redefinir o futuro do património em Portugal.

Desde a fundação da empresa, em 2016, como tem sido este caminho de quase uma década a construir uma marca de confiança num setor tão exigente e apaixonante como o da arqueologia?
O início de qualquer empresa é, invariavelmente, um desafio. No nosso caso, a gênese da empresa foi diretamente impulsionada pela demanda de um cliente que, ao desejar adjudicar-nos um projeto de grande envergadura, impôs como requisito a existência de uma estrutura empresarial formalizada. Desde então, os projetos têm surgido, principalmente, por meio de recomendações, o que nos enche de orgulho, pois a confiança é a base do nosso trabalho. O nosso percurso tem sido guiado por uma paixão genuína pela arqueologia e pelo desejo constante de fazer mais e melhor pelo património, sempre alinhados com os objetivos dos nossos clientes. No futuro, queremos continuar a consolidar essa confiança, mantendo o compromisso com a qualidade, a ética e o rigor que nos tem definido.
Como conseguem conjugar soluções rápidas, garantindo o cumprimento de prazos exigentes, com a tão sensível proteção do património histórico-cultural? E qual é o papel da tecnologia nesse campo?
Esse é, sem dúvida, um dos maiores desafios que enfrentamos. Trabalhamos frequentemente com prazos exigentes, impostos pelo desenvolvimento dos projetos. Deste modo, procuramos adotar uma abordagem equilibrada, baseada num planeamento rigoroso, equipas especializadas e uma comunicação transparente com clientes e entidades responsáveis. A tecnologia desempenha um papel crucial nesse processo. Ferramentas como drones, laser scanner e fotogrametria, entre outras, permitem-nos documentar e estudar os vestígios arqueológicos com maior rapidez e precisão, otimizando o tempo sem sacrificar a qualidade científica, aliás, elevando-a. O nosso compromisso é encontrar soluções que conciliem a salvaguarda do passado com as exigências do presente.

Com mais de 500 projetos realizados e uma equipa multidisciplinar especializada, quais foram os desafios mais marcantes enfrentados pela Clay até agora?
Ao longo desses mais de 500 projetos, enfrentámos diversos desafios, desde a gestão de prazos apertados até à complexidade científica de algumas intervenções. O maior desafio tem sido equilibrar as exigências dos projetos com a necessidade de proteger e estudar adequadamente o património arqueológico. Cada obra apresenta particularidades, exigindo uma adaptação contínua a contextos, imprevistos e exigências legais.
A coordenação de equipas multidisciplinares é um desafio significativo na Arqueologia, que envolve a colaboração de arqueólogos, geoarqueólogos, bioantropólogos, conservadores-restauradores, historiadores, historiadores de arte, especialistas em novas tecnologias, como desenhadores, topógrafos, programadores, fotógrafos e especialistas em registo de vídeo. Garantir que todos trabalhem de forma integrada e eficiente, mantendo a qualidade científica, exige constante gestão e comunicação. Salientar aqui projetos especialmente desafiantes do ponto de vista técnico e logístico, como as intervenções no Convento do Beato, Convento do Corpus Christi, Quarteirão da Suíça (atual Zara) e o sítio de Santa Marinha de Melides.
Grande parte dos vestígios arqueológicos são frágeis e sujeitos à degradação, sobretudo quando expostos. Como gerem a conservação desses elementos para garantir que futuras gerações os possam estudar e admirar?
A conservação dos vestígios arqueológicos é uma das nossas grandes preocupações, sobretudo porque muitos são realmente frágeis e vulneráveis à degradação. Para garantir que futuras gerações os possam estudar, adotamos uma abordagem multidisciplinar que combina técnicas de preservação in situ, registo científico detalhado e, quando necessário, conservação e restauro. Sempre que possível, privilegiamos a conservação in situ, preservando os vestígios no seu contexto original. No entanto, quando tal não é viável, optamos por métodos alternativos, como a remoção para futura musealização ou a utilização de tecnologia, nomeadamente fotogrametria, laser scanning e modelação 3D, que permite a criação de registos digitais altamente precisos que asseguram a preservação das informações. A nossa missão não termina na escavação; procuramos assegurar que o património arqueológico seja preservado para gerações futuras, em benefício da ciência, cultura e sociedade.

A Clay tem experiência em áreas como levantamento patrimonial, museologia, sondagens arqueológicas ou bioantropologia, por exemplo. Há algum serviço que considere mais procurado ou que se destaque pela sua relevância?
A diversidade de serviços que oferecemos reflete a complexidade da arqueologia e do património cultural. Entre os serviços mais procurados estão as sondagens arqueológicas, os acompanhamentos, as prospeções, os relatórios prévios e os levantamentos patrimoniais. Estas intervenções são exigidas por lei para garantir a proteção do património arqueológico antes do início das obras. Áreas como a bioantropologia, especialmente em contextos funerários, têm-se destacado, proporcionando valiosas informações sobre as populações passadas. A museologia e a valorização do património também desempenham um papel crucial, com projetos voltados para a criação de conteúdos para museus e roteiros culturais, refletindo o crescente interesse pela divulgação do património. No fundo, cada serviço é essencial no ciclo da arqueologia e da gestão do património, com o objetivo de garantir a salvaguarda e valorização da nossa herança histórica.
“A nossa missão não termina na escavação; procuramos assegurar que o património arqueológico seja
preservado para gerações futuras, em benefício da ciência, cultura e sociedade”.
A interpretação turística é outro dos vossos serviços. Como é que este tipo atividade ajuda a fortalecer a ligação das comunidades com o património local?
A apropriação turística é fundamental para valorizar o património, tornando-o acessível e significativo para as comunidades e os visitantes. Num país com grande potencial turístico, é importante que os promotores reconheçam a relevância de preservar e valorizar os vestígios arqueológicos, que reforçam a identidade local e criam uma vantagem competitiva no mercado. Embora, muitas vezes, o desenvolvimento prevaleça sobre a valorização do património, acreditamos que é possível equilibrar ambos os aspetos. Ao fortalecer a conexão das comunidades com o seu património, promovemos identidade e cidadania, garantindo a sua valorização pelas gerações futuras.
Como referem, no vosso site, numa frase particularmente bonita, ao escavarem não descobrem “apenas objetos, mas também ecos de vozes, vidas e experiências humanas”. Há alguma descoberta da Clay que, para si, tenha tido um significado pessoal especial?
Embora todas as descobertas tenham um significado especial, o “pote da Clay”, representado no nosso logotipo, é o mais marcante. Encontrado na nossa primeira escavação, simboliza o início de nossa história. Embora outros achados, como os vidros romanos do Convento do Beato, também me fascinem, o pote é o ícone da nossa jornada e representa a missão e identidade da Clay.

Qual a importância de participar em encontros como o dos 50 anos de Arqueologia em Grândola (no passado mês de dezembro), por exemplo, e de partilhar com a comunidade o trabalho que desenvolvem?
Participar em encontros como os 50 anos de Arqueologia em Grândola é uma oportunidade valiosa para compartilhar o nosso trabalho e aprender com outros colegas. A arqueologia é um campo em constante evolução, e estes eventos são ideais para discutir descobertas, refletir sobre desafios e trocar experiências que enriquecem a nossa prática. Além disso, partilhar o nosso trabalho com a comunidade tem um impacto significativo na forma como os cidadãos se relacionam com a arqueologia e o património. Ao tornar os projetos mais acessíveis e compreensíveis, promovemos maior respeito e valorização pelo património local, sensibilizando o público para a importância de preservar o nosso legado histórico e incentivando a um maior envolvimento e responsabilidade coletiva na sua preservação.
Esta é uma das formas de tentar aproximar mais a população da preservação do nosso património? A este respeito, que tipo de iniciativas defende que deveriam ser criadas para valorizar a Arqueologia e a nossa História?
Além dos encontros, colóquios e congressos, acredito que outras iniciativas são essenciais para aproximar a população da preservação do património, especialmente a educação das crianças. Devemos incutir desde cedo o respeito pelo património, de forma semelhante ao respeito que as crianças têm pela casa dos avós. Os vestígios arqueológicos são, de certa forma, como a ‘casa dos avós’ mais longínqua — um legado valioso que devemos preservar. Iniciativas educativas nas escolas, visitas guiadas interativas e centros de interpretação são formas eficazes de aproximar as pessoas da história local e fazê-las sentir-se responsáveis pela sua preservação. Além disso, um programa televisivo regular sobre arqueologia nacional seria uma excelente forma de sensibilizar um vasto público e fortalecer o vínculo entre os cidadãos e o seu património.
Portugal é um país com um património arqueológico rico, mas, muitas vezes, subvalorizado ou até negligenciado. Como vê o futuro da arqueologia no país e qual o papel que a Clay pode desempenhar para reforçar esta valorização?
Embora muitas vezes subvalorizado, acredito que o património pode ser melhor aproveitado se for tornado acessível e rentável. Dado que a preservação de sítios arqueológicos nem sempre é uma prioridade no país, as parcerias público-privadas são essenciais, como mostram exemplos bem-sucedidos. Além disso, ampliar a oferta de visitas gratuitas a sítios arqueológicos e museus, especialmente para a comunidade escolar, é fundamental para incentivar o respeito e o interesse pela história. A Clay pode desempenhar um papel importante ao contribuir para a criação dessas parcerias e iniciativas, tornando o património mais acessível e educativo.

A Arqueologia é, também, uma fonte inesgotável de histórias de ficção, povoando o nosso imaginário com personagens icónicas como Indiana Jones ou até Lara Croft. Na sua opinião, como é que estas representações influenciam a perceção do público sobre o trabalho real dos arqueólogos e o que mais gostária que fosse conhecido sobre esta profissão?
Em boa verdade, estes filmes fomentam uma distorção da realidade da Arqueologia, retratando os arqueólogos como aventureiros em busca de tesouros. Na realidade, a Arqueologia é uma ciência rigorosa, focada na investigação e interpretação de vestígios históricos. O verdadeiro valor da Arqueologia reside na sua capacidade de entender o passado e usá-lo como base para preparar um futuro mais consciente e sustentável. Se os nossos políticos fossem mais historiadores e arqueólogos, em vez de gestores e economistas, o país poderia evitar os erros repetidos da história e tomar decisões mais refletidas sobre as suas escolhas.
Como líder, como é que a Ana inspira a sua equipa a manter a motivação e o entusiasmo em cada etapa do processo do vosso trabalho?
Acredito, essencialmente, que a motivação da equipa vem da atitude positiva e focada. Procuro ser exemplo, mantendo uma visão construtiva em cada desafio. Criámos ainda o “Departamento da Felicidade” para promover o bem-estar e reconhecer o esforço de todos, valorizando a meritocracia. Acredito profundamente que o reconhecimento é essencial para manter o entusiasmo e a dedicação.
Para quem ainda não teve contacto com a arqueologia ou com o trabalho da Clay, que mensagem gostaria de deixar? E como podemos, cada um de nós, ser mais proativos na preservação do nosso passado coletivo?
A minha mensagem é simples: confiem em nós. Vamos cumprir a lei e trabalhar com o máximo de empenho para garantir o sucesso do seu projeto. Quanto à preservação do nosso passado, é essencial educar as novas gerações. Levar as crianças a sítios arqueológicos e museus e ensiná-las sobre a história do nosso país é fundamental para formar cidadãos informados e capazes de pensar criticamente.
“A minha mensagem é simples: confiem em nós. Vamos cumprir a lei e trabalhar
com o máximo de empenho para garantir o sucesso do seu projeto”