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As Velas Ardem Até ao Fim, de Sándor Márai, na coleção de 60 anos da Dom Quixote

As Velas Ardem Até ao Fim, de Sándor Márai, uma das obras centrais da literatura centro-europeia do século XX, passou a integrar a coleção especial lançada para celebrar os 60 anos da editora. O autor húngaro junta-se assim a nomes como Gabriel García Márquez e Mario Vargas Llosa.

Publicado originalmente em 1942, As Velas Ardem Até ao Fim desenvolve-se no cenário de um antigo castelo de caça húngaro, espaço que encarna simbolicamente o fim de uma era: dos saraus refinados, da aristocracia outrora dominante, das certezas sociais abalada pelas convulsões da História. É neste ambiente carregado de memória e silencio que dois homens, amigos próximos na juventude, se reencontram depois de 41 anos separados. A longa noite do reencontro torna-se, progressivamente, num embate psicológico e moral, onde se revela um segredo oculto que desestabiliza o passado comum e muda para sempre a perceção que cada um tem do outro.

Este encontro, aparentemente simples na sua estrutura externa, é um mecanismo narrativo de complexidade invulgar, por onde se inscrevem não apenas as tensões pessoais, mas os dilemas de uma Europa que se desfaz sob o peso das guerras, regimes totalitários e exílios forçados.

Sándor Márai nasceu em 1900 em Kassa (hoje Košice, na Eslováquia), então parte do Império Austro-Húngaro, cuja dissolução marca o início das grandes transformações geopolíticas retratadas implicitamente no romance. Márai pertencia à burguesia cultural húngara e acompanhou de perto o périplo difícil da Europa Central do século XX: da Primeira Guerra Mundial à instabilidade entre guerras, da ascensão do fascismo e regimes autoritários até a consolidação do comunismo nos seus vários países. Esta experiência política e cultural está inscrita no próprio corpo da obra: o silêncio, a ausência, a suspensão do tempo são símbolos de um mundo desmantelado.

Na sequência da vitória dos comunistas e da opressão política na Hungria, Márai partiu para o exílio em 1948, vivendo primeiro na Alemanha e na França, e mais tarde nos Estados Unidos, onde acabaria por falecer em 1989, meses antes da queda do Muro de Berlim. Durante décadas o seu trabalho foi proibido no seu país natal. Apenas com o desmoronamento do regime comunista foi possível a redescoberta e reconhecimento do seu percurso literário, que hoje é considerado fundamental para a compreensão da literatura e da história centro-europeia.

A presente edição da Dom Quixote, na tradução de Mária Magdolna Demeter, prima pela fidelidade e pela sensibilidade para com o texto original, oferecendo aos leitores portugueses acesso à escrita elegante, precisa e rigorosa de Márai, cujas qualidades literárias combinam um rigor psicológico contundente com uma sobriedade formal que envolve e desafia o leitor.