Corporate Insights

“A partir de” quase nada e “até” quase tudo

Há palavras que parecem valer ouro, mas não passam de pirite, são “escorregadias” e aparentemente inofensivas. “A partir de” e “até” são duas dessas pérolas do léxico publicitário, capazes de transformar o banal em miraculoso e o miraculoso em quase nada.

Comecemos pelo clássico “a partir de X euros”. Um número redondo, apetecível, quase sempre acompanhado de um tímido asterisco. O preço é baixo, tão baixo que parece mentira – e, na maioria das vezes, é. O “a partir de” serve para abrir a porta, mas raramente deixa entrar. O consumidor, embalado pela promessa, descobre tarde (e a más horas) que o valor anunciado corresponde a uma versão minimalista do produto, a um plano que só existe naquele anúncio e em mais lado nenhum ou, no limite do absurdo, a um serviço que custa zero… mas cuja utilização implica taxas, fidelizações, ou a compra obrigatória de acessórios tão essenciais quanto invisíveis.

No extremo oposto, temos o “até”. “Até 600km de autonomia”, “até 50% de desconto”, “até 1Gbps”. O “até” é generoso, democrático, promete tudo a todos. É o teto máximo, o jackpot, o prémio que só sai a quem não precisa. O cliente, seduzido pelo potencial, acaba invariavelmente com o plano mais baixo, o desconto mais magro, a autonomia real que dificilmente ultrapassa os 350km fora das condições ideais de laboratório — sobretudo se ligar o ar condicionado ou circular na autoestrada. O “até” é, muitas vezes, a cenoura que está já ali, mas que nunca se alcança.

No fundo, estamos perante uma economia do quase: quase grátis, quase ilimitado, quase verdade. Poder-se-ia argumentar que tudo isto é legal, e é. A lei portuguesa permite estas práticas, desde que a informação esteja disponível, ainda que em rodapé, com letra de receita médica e asteriscos a perder de vista. Mas será ético? Ou será apenas mais uma forma de empurrar o consumidor para a armadilha da expectativa defraudada?

E a empresa que se recuse a alinhar neste jogo, como será percecionada pelos potenciais clientes face à concorrência? Arrisca-se a parecer menos competitiva, menos ousada, quase antiquada. O paradoxo é este: a honestidade pode custar vendas no imediato, mas constrói uma confiança que, a longo prazo, vale mais do que qualquer promessa inflacionada. O problema é convencer o conselho de administração de que a reputação ainda é um ativo com retorno.

O resultado? Desconfiança, saturação, indiferença. O consumidor já lê estes anúncios com reservas, consciente de que o prometido raramente se confirma. No fim, ninguém ganha, e o que falta, afinal, é criatividade (e vontade) para comunicar de forma honesta e relevante.