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“Honestidade, ética, exigência e humanidade não são meros epítetos, são forças vivas que inspiram confiança”

Inspirado pelo nascimento do primeiro filho, João Paiva dos Santos transformou uma lacuna no mercado pediátrico num projeto de vida que hoje se alicerça nestes valores. Da transição do negócio familiar para a fundação da Neosanté, passando pelos desafios de construir uma reputação de raiz e pela influência determinante da sua formação em Direito, esta é a história de como a resiliência e a aposta na inovação podem desenhar o sucesso de uma PME portuguesa no competitivo setor da saúde.

Qual considera ter sido o momento-chave no seu percurso enquanto empreendedor, aquele que marcou a diferença entre uma ideia e um projeto de vida?

O momento definidor emergiu quando, inspirado pelo nascimento do meu primeiro filho, percebi que não devia apenas observar as lacunas existentes no mercado pediátrico, mas preenchê- las. Essa epifania não foi um mero impulso ideológico, mas o germinar concreto da linha Milkid, bem como do ColiPrev e Infacalm — produtos que se tornaram símbolos da nossa essência inovadora.

A transição do contexto familiar da FARMA-APS para a fundação da Neosanté implicou seguramente riscos e novas abordagens. Quais foram as maiores aprendizagens e que erros se revelaram mais produtivos?

O spin-off não foi uma libertação imediata — foi um labor de edificação reputacional de raiz, sobretudo devido à cláusula de não concorrência que me impediu de usar a solidez simbólica do grupo anterior. Aprendi que o êxito não se impõe pela  ancestralidade, mas se conquista pela consolidação paciente de credibilidade e pela evidência de conformidade rigorosa. Aprendi a crescer sozinho, do zero. O erro mais produtivo foi implementar na nova empresa a estratégia da anterior. Sendo empresas diferentes em fases diferentes, percebi logo que, por exemplo, na criação de equipas de delegados de informação médica e na sua gestão muita coisa teria de ser feita de forma diferente.

O seu percurso em Direito continua a influenciar a forma como gere e lidera? Em que aspetos sente que foi mais determinante, olhando hoje para trás?

Sim, sobremaneira. O Direito impeliu-me a fundar a compliance como alicerce inviolável da empresa, conferindo coesão entre legalidade e negócio. Esse ethos continua a delinear cada processo jurídico, contratual e ético que abraçamos. Ajudou-nos a criar uma excelente reputação e relações de confiança com os nossos parceiros.

Sendo o setor da saúde dinâmico e global, que oportunidades identifica realmente para empresas portuguesas independentes, para lá dos discursos institucionais?

A oportunidade reside em conjugar o engenho científico com uma personalização sensível e estratégica. Temos ao nosso dispor talento capaz de conceber soluções ultrapráticas e eficientes, como as que desenvolvemos de raiz. Contudo, urge abandonar a timidez estratégica e apostar num portefólio audaz, internacionalmente orientado e culturalmente relevante. No nosso país existe capacidade de apresentar soluções flexíveis como a criação/desenvolvimento e produção de produtos em lotes pequenos para empresas start-up, bem como o desenvolvimento de produtos para o mercado internacional em larga escala.

A internacionalização foi um desafio assumido desde cedo. O que aprendeu nos mercados externos e que conselhos daria a quem ambiciona transformar uma PME num projeto global?

A nossa expansão decorreu de um duplo pilar: um portefólio robusto, com produtos inovadores e customizados, e uma estrutura organizacional dotada de equipas de vendas, marketing e apoio regulamentar. Estratégia, capacidade de escuta e adaptação foram e são fundamentais.

Liderar equipas é, para si, antes de mais, um dever ou um privilégio? Que valores considera inegociáveis e como se mantém uma cultura organizacional saudável e eficaz num contexto tão competitivo?

É um enorme privilégio, sem dúvida. Contudo, está investido de deveres profundos. Valores como honestidade, ética, exigência e humanidade não são meros epítetos, são forças vivas que inspiram confiança. Lidero com coerência — pratico o que prego, e isso cristaliza um ambiente meritocrático e coeso. Gerir pessoas, egos, frustrações é a parte mais complicada, mas igualmente a mais importante e a que mais gosto.

“Portugal tem talento e tradição, mas precisamos de ambição estratégica, coragem para investir em portefólios inovadores e persistência disciplinada”

Conciliar inovação, regulação e responsabilidade social raramente é uma equação simples. Em que pontos sente que vale (ou não) a pena ir além do recomendado? Pode partilhar connosco um momento em que arriscou por acreditar numa ideia, num valor ou num propósito maior?

Vale sempre ir além quando o propósito excede o lucro. Apostámos na personalização com padrões internacionais de qualidade, mesmo quando a prudência alheia recomendaria retração. Esse risco foi determinante para consolidar a reputação e impactar vidas. No caso do Milkid, decidimos apostar num leite com um custo muito mais caro e, por consequência, uma margem muito menor, numa fase muito delicada da empresa, mas acreditámos que só assim poderíamos fazer honra ao nosso lema que era desde o início “Fazemos a diferença”.

Se tivesse oportunidade de eliminar uma dúvida ou incerteza que possa ter marcado os seus primeiros anos de percurso, qual escolheria? E que orientação prática considera hoje fundamental para quem começa na mesma área?

Eliminaria a incerteza em delegar e confiar. Hoje, creio que a construção de uma estrutura de gestão capaz e leal é decisiva para qualquer trajetória sustentável e escalável.

Fora do contexto empresarial, há experiências ou interesses, como a gastronomia, as viagens ou aventuras em 4×4, que continuam a inspirar o seu olhar e influenciam a forma como lidera? O que faz questão de preservar à margem da rotina profissional?

Sou apaixonado pela gastronomia e pelos passeios 4×4 — práticas que reconstroem o espírito, revelam o mundo natural e revelam dimensões humanas profundas. Estar no deserto, gerir os nossos recursos como o combustível, a água, os alimentos, entre outros, estarmos mais de um mês a conviver com as mesmas pessoas, que em certos casos não conhecemos e que têm feitios e hábitos diferentes dos nossos, vivermos alguns problemas e estarmos sempre prontos para ajudar e ser ajudados, tudo isto revela-se muito útil na forma de gerir as minhas empresas.

Do seu ponto de vista, que caminhos precisa o empreendedorismo português de traçar para projetar empresas de referência no contexto internacional?

Portugal tem talento e tradição, mas precisamos de ambição estratégica, coragem para investir em portefólios inovadores e persistência disciplinada. O sucesso global exige visão, resiliência e a ousadia de posicionar o que de melhor temos no palco internacional com confiança e propósito. Para tal, é fundamental o nosso país saber reter talentos e mão-de-obra técnica. Acresce que incentivos a sério ao investimento são fundamentais, bem como aposta na divulgação da marca Portugal e aposta em ações empresariais.

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