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“A saúde íntima feminina não deve ser vista como um tema à parte”

Michelle Campagnoli é médica e anestesiologista há 20 anos. Atualmente, tem-se focado no objetivo de proporcionar saúde íntima e bem-estar feminino, através da medicina estética e regenerativa, na Clínica Luxmed.

Para começarmos, gostaria que nos falasse sobre o seu percurso profissional de mais de duas décadas de experiência.

Sou médica desde 2002 e anestesiologista desde 2005. Durante vários anos da minha carreira atuei na medicina privada, integrando equipas de cirurgia plástica reconstrutiva, bucomaxilofacial e gineco-obstétrica. Essa vivência em bloco operatório, em contacto direto com diferentes especialidades cirúrgicas, foi mais do que uma influência: ensinou-me a valorizar cada detalhe da anatomia e a compreender a importância do cuidado silencioso, preciso e respeitoso com o corpo do paciente.

Iniciei os primeiros procedimentos no âmbito da medicina estética ainda no Brasil, onde se deu grande parte da minha formação. Há cinco anos mudei-me para Portugal e, além de me estabelecer como médica anestesista, processo que incluiu toda a exigente etapa de revalidação do diploma médico e da especialidade, decidi aprofundar a minha formação em medicina estética e regenerativa, concluindo uma pós-graduação nesta área, em Madrid. Hoje, consigo unir estas duas vertentes da medicina, a precisão da anestesia e a visão regenerativa e funcional da estética, oferecendo um cuidado integral que respeita a naturalidade e a identidade de cada pessoa.

O que sempre me fascinou na medicina estética não é a transformação radical, mas sim a capacidade de preservar a identidade, aquela beleza que permanece fiel a quem somos, apenas com mais conforto, harmonia e vitalidade. Acredito profundamente que cuidar da estética é também cuidar da saúde e do bem- estar, desde que seja feito com propósito, conhecimento e respeito à individualidade. Na qualidade de médica, o que posso oferecer aos meus pacientes é uma abordagem terapêutica completa, para que se possam sentir bem de dentro para fora.

Embora não seja do conhecimento da maioria das pessoas, a alimentação influencia o equilíbrio hormonal e a saúde da região íntima. De que forma o faz? Que alimentos podem ser vistos como aliados do bem-estar feminino?

Sim, a alimentação é o início de tudo. A nossa saúde não depende apenas de procedimentos ou intervenções médicas, ela é construída diariamente através de um conjunto de bons hábitos e a alimentação é, sem dúvida, um dos pilares mais poderosos. Quando falamos de saúde íntima feminina, é essencial compreender que não se trata de uma área isolada do corpo, mas sim de um reflexo do equilíbrio interno como um todo.

A mucosa vaginal, tal como outros tecidos do nosso corpo, responde diretamente ao estado nutricional, ao equilíbrio da flora intestinal e à estabilidade dos níveis hormonais. Alimentos ricos em antioxidantes ajudam a reduzir processos inflamatórios silenciosos, enquanto fontes naturais de fitoestrogénios, como a linhaça, a soja fermentada (miso e o tempeh), o grão-de-bico, as sementes de sésamo e as leguminosas, podem auxiliar na modulação hormonal de forma suave e fisiológica, especialmente em fases como o climatério.

Além disso, probióticos naturais presentes em alimentos, como kefir, iogurte natural sem açúcar, kombucha e vegetais fermentados contribuem para a saúde da microbiota intestinal e, por consequência, ajudam a equilibrar também a flora vaginal, reduzindo infeções recorrentes e o desconforto local. Já alimentos ricos em ómega-3, como salmão, sardinha, sementes de chia e nozes, auxiliam no aperfeiçoamento da elasticidade tecidual, melhoram a lubrificação natural e contribuem para a reparação celular.

Por outro lado, há alimentos com efeito negativo para a saúde, como o consumo excessivo de açúcar refinado e alimentos ultraprocessados, que favorecem processos inflamatórios e alteram a microbiota, podendo aumentar a predisposição para candidíase e desequilíbrios vaginais.

Os cuidados que ofereço às minhas pacientes, mesmo quando falamos de tecnologias avançadas como o laser íntimo ou terapias regenerativas, tornam-se muito mais eficazes quando o corpo está nutrido, com boa vascularização, tecido responsivo e equilíbrio hormonal. Tratamentos regenerativos respondem melhor quando o corpo tem matéria-prima para se regenerar. E isso, é facto: começa no prato.

“Cuidar da região íntima não é vaidade e nem futilidade, é saúde e dignidade”

O laser fracionado é um tratamento que disponibiliza para quem procura os seus serviços. Quais são as particularidades e os benefícios desta tecnologia?

O laser de CO₂ fracionado para a região íntima é uma tecnologia que promove a regeneração dos tecidos de forma natural e bem tolerada, estimulando a produção de colagénio e melhorando a vascularização local. Como resultado, há um ganho progressivo de elasticidade, firmeza, lubrificação e conforto, o que contribui diretamente para a saúde sexual e para a qualidade de vida da mulher e do casal.

Para além das melhorias visíveis nos tecidos, este tratamento tem um impacto direto na funcionalidade da região íntima. Muitas mulheres relatam pequenos escapes de urina ao tossir, rir ou praticar atividade física. E é aqui que eu acredito numa abordagem combinada como sendo essencial. A fisioterapia pélvica atua de forma consistente sobre a musculatura do assoalho pélvico, reforçando o controlo muscular e a consciência corporal, enquanto o laser de CO₂ atua nos tecidos de suporte periuretral, melhorando a resistência e a sustentação da uretra. Juntos, estes dois recursos potencializam os resultados, oferecendo uma resposta mais rápida, eficaz e consistente no controlo da incontinência leve, o que se traduz em maior confiança e liberdade nas atividades do dia a dia.

É importante dizer que o laser íntimo não é indicado apenas para mulheres no climatério. O ressecamento e a perda de sensibilidade podem surgir em várias fases da vida, como no pós-parto, especialmente em mulheres que amamentam, devido à queda fisiológica dos estrogénios, ou ainda em utilizadoras de contracetivos hormonais que podem inibir parcialmente a lubrificação natural. Nestes casos, o laser atua como um estímulo regenerativo, devolvendo conforto e função, mesmo em mulheres jovens.

Com o avanço da idade, ou durante a transição menopausal, a mucosa vaginal torna-se mais fina e frágil, podendo provocar dor nas relações, ardor e sensação de secura constante. O laser ajuda a restaurar a espessura e a qualidade da mucosa, devolvendo vitalidade ao tecido e favorecendo a produção natural de lubrificação.

Para além dos efeitos físicos, existe um impacto emocional profundo. Quando uma mulher volta a sentir-se confortável, com menos dor, mais sensibilidade e maior controlo sobre o próprio corpo, há um reflexo direto na autoestima e na forma como vive a sua intimidade.

Costumo dizer que somos muito mais exigentes connosco do que com os outros, e cuidar da saúde íntima é também libertar-se de desconfortos que muitas vezes são silenciados por vergonha ou por achar que são normais. Cuidar da região íntima não é vaidade e nem futilidade, é saúde e dignidade.

“Ofereço um cuidado integral que respeita a naturalidade e a identidade de cada pessoa”

Com o avançar da idade, tal como outras zonas do corpo, a região íntima feminina vai envelhecendo. Quais são os sinais de alerta de que algo não está bem e é preciso recorrer aos cuidados da medicina estética e integrativa?

Quando falamos de saúde íntima feminina, é importante compreender que o envelhecimento da região genital não se resume apenas à aparência. Tal como acontece com a pele do rosto ou do corpo, os tecidos íntimos também perdem colagénio, elasticidade e capacidade de regeneração ao longo do tempo. Esta alteração pode ocorrer em diferentes fases da vida, não apenas na menopausa. O pós-parto, o uso prolongado de contracetivos hormonais ou mesmo períodos de stress e queda hormonal já podem desencadear sinais de alerta.

Entre estes sinais, destacam-se a secura vaginal, o desconforto ou a dor nas relações sexuais, sensação de ardor, pequenas fissuras, que surgem com facilidade, infeções de repetição, perda de lubrificação natural, pequenas perdas de urina e a sensação de flacidez ou diminuição do tónus, tanto vaginal como vulvar.

Em alguns casos, as mulheres relatam também desconforto ao usar roupa justa ou uma sensação de fragilidade do tecido local, como se a pele estivesse mais fina ou sensível do que antes.

Nenhum destes sintomas deve ser encarado como “normal” ou inevitável. São sinais de que os tecidos estão a perder vitalidade e que precisam de estímulo regenerativo e suporte hormonal ou funcional. Procurar ajuda especializada nestes momentos não tem relação com vaidade, mas sim com qualidade de vida e prevenção. Hoje dispomos de abordagens minimamente invasivas que restauram a função, reforçam o tecido e reduzem o desconforto, permitindo que a mulher se sinta novamente conectada ao seu corpo, com mais segurança, prazer e bem-estar.

Que procedimentos regenerativos podem ser realizados para devolver a saúde íntima à mulher, o mais rápido e com a maior eficácia possível?

A medicina íntima evoluiu para uma abordagem regenerativa, que vai além da estética e foca-se sobretudo na função, no conforto e na qualidade do tecido. Dispomos de protocolos combinados que integram tecnologia e biologia celular, com o objetivo de restaurar elasticidade, lubrificação, tónus e vitalidade da mucosa. Entre os recursos disponíveis, o laser de CO₂ fracionado e a radiofrequências destacam-se por estimular a produção de colagénio e melhorar a espessura e vascularização dos tecidos, preparando o terreno para outras terapias.

Em paralelo, podemos também associar ou usar isoladamente uma outra opção regenerativa que é o PRP (plasma rico em plaquetas), obtido a partir do sangue da própria paciente, rico em fatores de crescimento, que aceleram a reparação celular e aumentam a sensibilidade e a lubrificação natural. Em protocolos mais avançados, os exossomas, derivados da biotecnologia, oferecem uma ação ainda mais refinada, com alta capacidade de comunicação celular e regeneração tecidual acelerada.

Em casos de flacidez vulvar ou perda de suporte da região, podemos utilizar bioestimuladores de colagénio injetáveis, que atuam nas camadas mais profundas, promovendo firmeza e densidade tecidual, ácido hialurónico e fios de PDO, contribuindo para a melhoria da estrutura externa dos lábios e da zona periuretral. O segredo para alcançar resultados mais eficazes está na personalização, porque nem todas as mulheres precisam de tudo e o excesso também é uma forma de agressão ao tecido.

É preciso avaliar a idade da paciente, a fase hormonal, o grau de atrofia ou flacidez e a intensidade dos sintomas, para então criar um plano que pode combinar tecnologias, injetáveis e fisioterapia pélvica, sempre com o objetivo de regenerar o que já existe, melhorar a função, respeitando a anatomia e a expressão natural do corpo. A medicina estética íntima não deve sobretratar, deve devolver função e bem-estar, com leveza, respeitando a fisiologia natural do corpo.

“Quando uma mulher se sente bem no seu corpo, caminha com mais segurança, orienta melhor as suas escolhas e irradia equilíbrio”

O laser íntimo é uma tecnologia regenerativa e uma das suas especialidades. Do que se trata este procedimento e de que forma pode ser um veículo de transformação para a mulher?

O laser íntimo de CO₂ é uma tecnologia regenerativa que atua de forma precisa sobre a mucosa vaginal e os tecidos de suporte, através de microfeixes de energia que atingem camadas controladas da pele e submucosa. Quando essa microestimulação acontece, o organismo interpreta como um estímulo de reparação e inicia um processo natural de regeneração, com aumento da produção de colagénio, elastina e ácido hialurónico — os elementos responsáveis pela espessura, elasticidade e lubrificação dos tecidos.

Ao recuperar essa matriz tecidual, o laser melhora não apenas o conforto local, mas devolve função, uma vez que aumenta a lubrificação natural, reforça a vascularização, melhora a sensibilidade e reduz a fragilidade dos tecidos que, com o tempo ou alterações hormonais, ficam mais finos, secos e suscetíveis a fissuras e desconforto. A mesma regeneração que melhora a qualidade da mucosa também atua nos tecidos de suporte da uretra, o que explica a melhoria em casos de perdas urinárias leves, especialmente aquelas que se manifestam ao rir, tossir ou praticar atividade física.

O impacto, no entanto, vai além da parte clínica. Muitas mulheres relatam que, ao recuperar a sensação de vitalidade da região íntima, voltam a sentir confiança, prazer, reconexão com o próprio corpo, melhora na autoestima e dignidade, algo que se perde silenciosamente ao longo do tempo, muitas vezes por vergonha ou por acreditar que é “normal da idade”. O laser, quando bem indicado e associado a uma abordagem funcional e individualizada, transforma não só o tecido, mas também a perceção que a mulher tem de si mesma.

Que conselho gostaria de deixar a cada uma das mulheres que leia o seu testemunho?

Mais do que um conselho, deixo um convite: escute o corpo com gentileza e não normalize o desconforto. Secura, dor, perda de sensibilidade ou pequenos escapes de urina não são apenas “coisas da idade”, nem um preço a pagar pela maternidade ou pelo passar do tempo. São sinais claros de que o corpo está a pedir cuidado, e cuidar de si não é vaidade, é um ato de responsabilidade, consciência e amor-próprio.

Cuidar da região íntima é cuidar da identidade, da dignidade e da liberdade de sentir prazer e conforto no próprio corpo. É reconectar- se com sensações que talvez tenham sido esquecidas ou caladas, é recuperar presença, vitalidade e bem-estar. Esta atenção íntima é uma forma profunda e silenciosa de autocuidado, um caminho de reconciliação connosco mesmas, de uma forma muito bonita, transformadora e cheia de significado. A saúde íntima feminina não deve ser vista como um tema à parte, mas sim como uma dimensão essencial da saúde integral, pois está diretamente ligada à nossa energia vital, ao modo como nos relacionamos com o mundo e ao lugar que escolhemos ocupar.

Quando uma mulher se sente bem no seu corpo, caminha com mais segurança, orienta melhor as suas escolhas e irradia equilíbrio para quem está à sua volta. Isso acontece porque, muitas vezes, a mulher é o centro emocional da família e da sociedade, e quando se fortalece, tudo à sua volta também se transforma.