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EDITORIAL | EDIÇÃO 58 | OUTUBRO 2025

Há quem reconheça na beleza uma dimensão mais profunda do que aquela que se procura no espelho e que nos remete para a identidade. Cuidar de si é, antes de mais, um gesto de respeito, não pela impossível imutabilidade da imagem face à passagem do tempo, mas pela serenidade que sustenta a autoestima.

A beleza, por definição, é uma questão de simetria, de harmonia entre formas, ou até de proporção matemática. Mas há uma beleza que escapa a qualquer medida: a que nasce do amor. Amor recebido, amor dado, amor reconhecido. É aí, nesse reflexo íntimo e às vezes imperfeito, que se forma a identidade. Desde o primeiro olhar, o da mãe, também o do pai, ou de quem nos acolhe, aprendemos a existir porque alguém nos vê. A infância precisa desse amor incondicional para se erguer segura, para acreditar que o mundo é um lugar habitável.

Mais tarde, é entre amigos que o afeto ganha novas formas. O riso partilhado, a lealdade, a pertença a um grupo. Na idade adulta, o amor atinge outro patamar, na dualidade eterna entre espelho e confronto, num exercício de liberdade que nos devolve a consciência do que somos capazes de dar e de receber. É essa construção de amor e reconhecimento que molda a autoestima, muitas vezes reduzida a um cliché de autoajuda, mas que tem na verdade uma arquitetura muito delicada. Não se constrói de um dia para o outro, nem se alimenta de comparações ou da aprovação alheia. É feita de lucidez e afeto, de saber cuidar de si sem ferir, de elogiar com vontade e reconhecer qualidades no outro sem diminuir o próprio valor.

Vivemos, contudo, tempos em que a infelicidade se tornou contagiosa. Há quem, sem intenção ou consciência, tente apagar os outros para ofuscar a própria sombra. É um gesto humano, demasiado humano, mas perigoso. Combater essa tendência é um ato de amor-próprio e maturidade. Aprender a defender-se sem se fechar, a manter a serenidade, a saber proteger-se e a quem nos quer bem. O verdadeiro exercício de lucidez exige uma implacável autocrítica antes de qualquer julgamento alheio. O rigor começa na introspeção, questionando motivações e sanando preconceitos. Só quem enfrenta as próprias falhas adquire a legitimidade moral para se posicionar perante os outros com verticalidade. A autodefesa transcende assim o instinto reativo e torna-se disciplina ética, não na construção de muros, mas na demarcação de fronteiras que protegem a identidade laboriosamente construída.

É esse compromisso que assegura integridade, paz pessoal e a tranquilidade daqueles que nos amam, dos que estão sempre connosco e daqueles que acreditamos que nunca deixaram de estar. Ser esse porto seguro é um dever para com quem dá sentido a tudo o que fazemos. A vida pulsa nas suas diversas expressões, da natureza à beleza da arte, ao calor dos afetos mais profundos, e cultivar a capacidade de elogiar com autenticidade o que é belo, reconhecendo a harmonia das formas e atitudes, é o mais subtil e poderoso ato de autoafirmação.