As recentes eleições legislativas parecem ser um ponto de viragem no mapa político português, possível reflexo de um país que se sente órfão de representação e que, perante o ruído, procura desesperadamente alguém que o escute.
Já há muito se diz que muitos portugueses se afastaram da política porque a política se afastou deles. Mas se antes esse afastamento resultava apenas em números elevados de abstenção, agora traduz-se no crescimento de um partido extremista e antissistema. Tivemos narrativas completamente alheadas da realidade das pessoas, mas isso também não foi novidade nesta campanha. O que parece existir cada vez mais é um confronto de enorme antagonismo e de procura “no outro” da causa de todos os males. De um lado, o “inimigo” é o estranho, o imigrante, e desconfia-se de tudo e todos. Do outro, os “culpados” são os ricos, os proprietários e os empresários. Uns e outros falam para a sua “bolha” numa cacofonia comparável às das redes sociais atuais, onde todos querem falar, e ninguém parece ouvir.
E, no entanto, insisto, há outro país. Um país real que não aparece nos alinhamentos televisivos, mas que existe e resiste. Está nos profissionais que mantêm os serviços a funcionar, mesmo quando há entropia e uma burocracia crónica no Estado. Está em aldeias que voltam a ter futuro porque alguém decidiu lá ficar. Está nas escolas onde se ensina mais do que se impõe. E nas empresas que nasceram sem capital de risco, mas com risco de sobra. Nos rios que voltaram a ter praias, nos trilhos que voltaram a ser caminhos, nas mãos que constroem o que o Estado central, muitas vezes, parece esquecer.
Este país não precisa de narrativas heroicas, nem de salvadores. Precisa de atenção, de estabilidade, e, sobretudo, que o deixem trabalhar. Porque uma nação que se organiza em torno do constante improviso e da espuma dos dias não pode ambicionar mais do que sobreviver à próxima crise.
Precisamos tanto de moderação e bom senso, de “adultos” com capacidade de conversar, estabelecer pontes e negociar, de fazer concessões e tomar decisões difíceis. Porque a instabilidade legislativa, a incerteza sobre políticas de imigração, habitação e investimento, assim como a polarização crescente, são obstáculos reais ao crescimento e à coesão social. O país real, esse, não parou e continua a trabalhar, a investir e a procurar soluções. Mas cada vez mais longe das bolhas políticas e mediáticas. O desafio para quem governa, e para quem faz opinião, é voltar a ouvir, a representar e a respeitar. Porque, sem respeito e sem escuta, sobra apenas ruído. E o ruído, como se viu nestas eleições, é terreno fértil para o pior da política.
Nesta edição, como sempre, tentamos escutar um pouco desse país. Não o das intenções, mas o das ações. Porque há lições que só se aprendem fora da “bolha” de cada um. E há um país inteiro à espera de ser levado a sério.