Quando o relógio marcar 23 horas em Londres e Lisboa, 24 horas em Bruxelas, o Reino Unido abandona formalmente a União Europeia. No entanto, as leis europeias vigoram até ao final do ano, data limite para o período de transição e para as negociações sobre a relação das duas entidades no futuro.
Oficialmente, o Reino Unido deixa a União Europeia esta sexta-feira, mais de três anos e meio depois do referendo que teve lugar a 23 de junho de 2016 ter sido favorável ao Brexit. Contudo, durante os restantes 11 meses de 2020, as duas partes ainda terão um período de transição, em que vários detalhes do seu relacionamento serão colocados em cima da mesa para negociação. Entre os mais importantes, a IN Corporate Magazine destaca:
– Circulação de cidadãos europeus e britânicos entre o Reino Unido e a União Europeia
– Permissão de residência e trabalho para europeus no Reino Unido e britânicos na União Europeia
– Relações comerciais entre Reino Unido e União Europeia, tarifas de importação e livre circulação de mercadorias
– Questões de segurança e partilha de dados de segurança
– Licenciamento e regulamentação de medicamentos
– Circulação de alimentos
Já esta sexta-feira, o Reino Unido deixou automaticamente de fazer parte das instituições políticas europeias, como o Parlamento Europeu e a Comissão Europeia, não tendo mais direito a voto. No entanto, durante o período de transição, continua a contribuir para o orçamento da União Europeia, estando sujeito ao Tribunal de Justiça da União Europeia em caso de disputas legais.
Irlanda e Irlanda do Norte
Uma das questões mais delicadas do Brexit esteve sempre relacionada com a Irlanda e a Irlanda do Norte. A primeira, um país independente, permanece na União Europeia, mas já a Irlanda do Norte, que faz parte do Reino Unido, deixa também a União.
O acordo de Paz de 1999, que pôs fim a três décadas de conflitos sangrentos entre os dois países, contempla a ausência de barreiras físicas entre os dois lados. Desde esse ano que é possível cruzar a fronteira sem nenhum controlo físico, além de que a venda de bens e serviços ocorre com poucas restrições, já que ambos os lados fazem parte do mercado comum europeu e da União Aduaneira. Mas, a partir de hoje, a fronteira entre as duas Irlandas passará a ser, na prática, a fronteira física entre a União Europeia e o Reino Unido.
As negociações sobre como a questão irlandesa seria abordada no Brexit foram justamente o que inviabilisou os planos apresentados pela anterior primeira-ministra britânica, Theresa May, e o motivo pelo qual os mesmos foram rejeitados. O plano que o atual primeiro-ministro, Boris Johnon conseguiu acordar com a União Europeia e aprovar no Parlamento britânico prevê que não haverá novos controlos de mercadorias que cruzem a fronteira entre as duas Irlandas. Para isso, a Irlanda do Norte será uma exceção: continuará a seguir as regras da União Europeia em relação a produtos manufaturados e de agricultura, diferente do restante Reino Unido.
Além disso, o restante Reino Unido deixará a União Aduaneira da União Europeia, mas a Irlanda do Norte continuará a aplicar o código alfandegário nos seus portos. Com isto, produtos e processos terão novos controlos não ao circular entre a Irlanda e a Irlanda do Norte mas sim entre a Irlanda do Norte e os restantes países do Reino Unido: Inglaterra, País de Gales e Escócia.
O que o Reino Unido e a União Europeia ainda têm a discutir são a natureza e a extensão desses controlos e processos, uma operação que será conduzida por um comité conjunto, liderado por um membro da União Europeia e um ministro britânico.
Durante o período de transição, que vai até dezembro de 2020, haverá ainda um comité exclusivo para discutir questões relativas à Irlanda do Norte.
Existe igualmente um compromisso de que, caso não se chegue a um acordo ao final da transição, a Irlanda do Norte não será afetada pelas mesmas tarifas e barreiras comerciais que poderão ser impostas ao restante Reino Unido pela União Europeia.
Adiamentos
Inicialmente, o Brexit deveria ter acontecido a 29 de março de 2019, mas foi adiado três vezes, já que Theresa May não conseguiu que o Parlamento Britânico aprovasse o acordo de retirada que havia negociado com a União Europeia.
O desgaste causado pelas rejeições custou-lhe o cargo de primeira-ministra, e Theresa May renunciou, sendo substituída por Boris Johnson em junho do ano passado. Na sua primeira tentativa, o atual primeiro-ministro também fracassou e não conseguiu aprovar um acordo. Tudo mudou, contudo, quando foi reconduzido ao cargo depois do Partido Conservador ter ganho as eleições de dezembro de 2019. Já com a maioria parlamentar garantida, conseguiu aprovar, com facilidade, o seu plano no início deste ano e dar seguimento ao Brexit, cumprindo a data de 31 de janeiro.
Saída ao som de gaita de foles
Os eurodeputados do partido do Brexit do Reino Unido, favoráveis, portanto, a esta separação, deixaram hoje o Parlamento Europeu com destino a Londres, numa encenação cuidade com brandeira britânica e gaita de foles incluídas.
“Adeus! Não voltaremos”, gritou a deputada Ann Widdecombe, antes da pequena delegação entrar nos táxis em direção à estação de comboios. Já Rupert Lowe diz-se “feliz por voltar. Se acreditam na democracia, sigam o nosso exemplo. Levamos a nossa soberania para casa. É o que povo britânico quer”. O presidente do partido, Nigel Farage, já havia deixado o Parlamento na quarta-feira, após a histórica ratificação pelo Parlamento Europeu do acordo de ‘divórcio’ que encerra 47 anos de adesão do Reino Unido à União Europeia.