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A CIÊNCIA DA ÁGUA NO ICBAS AO SERVIÇO DA SAÚDE DA BIOSFERA

Por Professor Doutor Adriano A. Bordalo e Sá, diretor da licenciatura em Ciências do Meio Aquático e Professor Doutor Paulo Vaz-Pires, diretor do Departamento de Produção Aquática, ambos do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto.

Água há muita no Planeta. Mas sendo ela 97% salgada, não pode ser directamente utilizada pela maioria dos seres terrestres, aéreos e aquáticos de água doce. Se há 2000 anos tínhamos a mesma quantidade de água disponível de hoje, na altura para o consumo de 72 milhões de habitantes, os 8 mil milhões de pessoas actuais têm que a repartir pelos usos quotidianos, como os domésticos, os industriais e os agrícolas, requerendo quantidades cada vez maiores. A pressão sobre o recurso água nunca foi tão elevada mas, com as alterações climáticas em curso, há que tomar medidas eficazes de aplicação global, destinadas a proteger a hidrosfera.

Em 2010, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou uma resolução histórica ao considerar o acesso à água potável como um Direito do Homem, a par dos outros direitos já consagrados. Parte da água retorna ao meio aquático, mas com características químicas, físicas e mesmo microbiológicas diferentes. Por outras palavras, poluída. Água contaminada significa um ambiente doente e, no limite, conduz à degradação da saúde da Biosfera, a fina camada da Terra onde os seres vivos se distribuem.

Ambiente na abordagem One Health

O conceito One Health estabelece a ponte entre a saúde humana, animal e dos ecossistemas. Na história recente, uma série de eventos associados a zoonoses, como HIV/Sida, Covid, Gripe das Aves, Ébola e Zica, chamaram a atenção para o papel do Ambiente na saúde humana e animal. Esta componente tem sido pouco compreendida mas, sem ela, as políticas de protecção da saúde humana e animal não têm futuro.

Com as alterações climáticas em marcha, ocorrem modificações cada vez mais evidentes no comportamento de agentes patogénicos, nos vectores de transmissão e nos reservatórios de inúmeras doenças, cujas consequências estão longe de serem compreendidas.

As aulas práticas no terreno são uma componente muito importante para a formação de estudantes da licenciatura em CMA. Neste caso, processamento de truta salmonada numa aquacultura no Gerês.

O já referido aumento exponencial da população humana, com a crescente urbanização, a alteração dos padrões agropecuários, o cada vez maior contacto entre animais domésticos e selvagens à medida que as florestas vão desaparecendo, para além da globalização acelerada de pessoas, animais e plantas, favorecem a emergência e re-emergência de doenças infeciosas.

No entanto, a pobreza que atinge parte da população mundial, as deficientes condições de acesso à água potável e saneamento, a falta de controlo veterinário efectivo e de prestação de cuidados de saúde às pessoas, promovem, inevitavelmente, a disseminação da doença com impacto transfronteiriço.

Desigualdades no acesso à água

Nem todos dispõem de uma torneira para terem água. Ir à fonte não é uma actividade lúdica, mas sim uma necessidade quotidiana para dezenas de milhões de pessoas. Tarefa quase exclusiva de mulheres e meninas, as idas diárias ao poço, à bomba manual, ao riacho retiram-nas da escola, contribuindo o analfabetismo infantil para eternizar a pobreza em que essas populações vivem.

Os recursos para os usos de que necessitamos são finitos. Até 2030 os gastos irão aumentar mais 25%. Hoje mesmo, 30% da população mundial em 50 países debate-se com falta crónica de água. No Porto e em Lisboa cada pessoa consome entre 125 a 135 litros diariamente. No entanto, em muitas partes da África subsariana, os volumes reduzem-se a 10-15 litros pois não há mais água disponível. Assim, não é de estranhar ter o 6º Objectivo para o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas proclamado a cobertura total da população mundial com acesso à água e saneamento até 2030.

Se por um lado a quantidade é problemática, a disponível pode matar a sede, mas também quem a bebe. No imaginário de milhões de crianças, a água é um líquido acastanhado, ou leitoso consoante o local e os solos onde é captada. No mundo em desenvolvimento, cerca de 80% das doenças são relacionadas com a água, fruto da má qualidade e falta de saneamento. Sem o acesso à água potável em quantidade adequada, o desenvolvimento não passa de um mito.

A água invisível

De todos os usos que fazemos da água, aquele que a consome mais é, sem dúvida, a agricultura e a pecuária, da ordem de 75 a 80%. Com o incremento progressivo da população mundial, e se o paradigma não for alterado, a necessidade em água para a produção também aumentará.

Todos os alimentos, materiais, roupas e equipamentos necessitam de quantidades ocultas de água para a sua obtenção. Uma fatia de pão requer 45 litros, 100 gramas de carne 1500 litros, um par de jeans 8 mil litros. O chocolate, desde a árvore até à tablete de que tanto gostamos, tem por quilo incorporados 24 toneladas de água. Mesmo os biocombustíveis são vorazes. Se um litro de bioetanol produzido a partir da cana do açúcar requer 2500 litros, o biodiesel de colza carece de 14 mil litros. Fruto da globalização, a água invisível é transferida de um lado para o outro, com frequência de países já hoje carentes no precioso líquido. E o mundo mais desenvolvido, para conservar os seus próprios recursos hídricos, tem vido a apostar na importação de alimentos e produtos sedentos dessa água oculta, sem qualquer regulamentação. A sustentabilidade passa, também, pelo uso eficiente da água que não se vê.

O ICBAS e o meio aquático

A Universidade tem um papel fundamental na formação de jovens altamente qualificados. No Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto, há mais de 40 anos que é feita a disseminação do conhecimento na área da Biologia e Ambiente aquáticos.

A influência do Homem nos cursos de água doce, no ambiente estuarino e nas zonas costeiras tem sido estudada com continuidade e profundidade, através da identificação e estudo das principais actividades aquáticas ou com consequências para o meio aquático, passando pela gestão, aquacultura e pescas.

A oferta formativa e a investigação na área do ambiente aquático, inicialmente através da licenciatura em Ciências do Meio Aquático, foram reforçadas, a nível da pós-graduação, em 1995, com a criação do Mestrado em Ciências do Mar – Recursos Marinhos, e em 2017, ano de lançamento do Programa Doutoral em Ciências do Meio Aquático – Biologia e Ecologia, entre outros cursos de 2º e 3º ciclos com temas da área aquática.

O ICBAS desenvolve uma importante actividade no âmbito da formação de técnicos no terreno sobre os diversos aspectos da água, como a quantidade, qualidade e gestão (Projecto Aqua4Health, Moçambique)

Os estudantes têm obtido formação prática e aplicada, possibilitado a sua inserção muito bem sucedida no mercado de trabalho, em todos os tipos de instituições e empresas que têm no ambiente aquático algum tipo de actividade, como os aquários e parques públicos e privados, as empresas municipais de gestão de águas e seu tratamento, de análises de águas e ambiente nas praias e outros ambientes naturais, e ainda as empresas alimentares e de outros sectores que, de uma forma geral, produzem efeitos no ambiente. O ICBAS é assim uma entidade onde a investigação aplicada tem tradição em todas as vertentes aquáticas tão relevantes num país como Portugal, onde existem 943 km de costa em Portugal continental, 667 km nos Açores e 250 km na Madeira, e uma zona económica exclusiva que é a 3ª maior da União Europeia, a 5ª maior da Europa e a 20ª maior do mundo. Por isso, o ICBAS aposta fortemente na formação de especialistas do meio aquático, contribuindo para que a Biosfera seja mais saudável e gerida de forma sustentável.

*Os autores escrevem de acordo com a antiga ortografia