Justiça

“A atualidade continua a mostrar um fosso de desigualdades”

Após 50 anos de Democracia em Portugal, e apesar dos muitos direitos conquistados, há ainda um longo caminho a fazer rumo à igualdade. É disso que nos fala a advogada Diana Reis, nesta entrevista, exemplificando com situações concretas e com a sua própria experiência profissional. Deixa-nos ainda as suas expectativas relativamente à próxima legislatura, e um apelo à Ordem dos Advogados.

Como é que a Diana Reis olha para o a evolução do papel das mulheres, particularmente na advocacia, desde o 25 de abril de 1974? Quais considera terem sido os principais desafios enfrentados e os progressos alcançados nestes 50 anos?

A revisão do código civil de 1978 foi o primeiro grande progresso para as mulheres no pós 25 de abril: a mulher casada deixou de ter estatuto de dependência do marido, desapareceu a figura do “chefe de família” bem como as disposições que atribuíam aos homens a administração dos bens do casal. Em 84 com a lei da maternidade deu-se um novo e significativo avanço. Todavia a atualidade continua a mostrar um fosso de desigualdades. O principal desafio continua a ser a conciliação da vida profissional e familiar e aí é necessário educar para a igualdade, o que não tem sucedido. Há ainda uma pesada herança social que é preciso desmistificar.

Na advocacia em particular necessitamos de um sistema previdencial adequado à mulher e à maternidade, o que não se coaduna com o sistema atual pensado quase exclusivamente para a reforma, para quem lá chegar. É ainda necessário que esse mesmo sistema previdencial garanta direitos básicos como licença de maternidade e assistência à família, o que atualmente não acontece e que tem reflexos inexoráveis na vida de milhares de mulheres advogadas.

Ainda que se tenham conquistado muitas liberdades e direitos sociais e individuais desde a implementação da democracia em Portugal, este é um caminho ainda a ser feito, sobretudo quando falamos da igualdade de direitos entre mulheres e homens. Como está esse equilíbrio na sua área em concreto? O que lhe diz a sua experiência pessoal?

Não vislumbro que haja equilíbrio na minha área em concreto, mantendo-se uma ideia predominantemente masculina na advocacia, não obstante o crescente número de mulheres advogadas. Começamos com coisas básicas como meritocracia, conciliação de vida profissional e pessoal/familiar e o papel que as mulheres ainda têm de desempenhar sobretudo familiarmente na assistência aos filhos e cuidados do lar (a “dupla jornada”).
Não beneficiando sequer de licença de maternidade, sendo mãe e tendo diligências agendadas, ou invoco justo impedimento apelando à cortesia e colaboração do tribunal (que pode não aceitar, até porque não há base legal que o obrigue), ou não terei qualquer dispensa do ato. Acrescidamente, os prazos para prática dos atos também não se suspendem, o que igualmente sucede em caso de doença, pelo que o melhor mesmo é nem ser sujeita a internamento. Roçamos em aspetos básicos de humanidade e dignidade que nunca foram acautelados para as mulheres advogadas e que fazem muita diferença quer no acesso à profissão, quer no seu exercício.

Neste ano em que teremos dois atos eleitorais, com as legislativas já em março, quais são as suas expectativas relativamente a um novo governo? Particularmente, o que espera que possa trazer de novo o(a) próximo(a) ministro(a) da Justiça?

Seria importante que conseguisse encontrar consensos nas classes judiciárias, pudesse efetuar recrutamentos e agilizasse processos que estão há demasiado tempo à espera de movimentação, sobretudo por falta de recursos humanos para o efeito. Espero ainda, no que à minha Ordem concerne, que possa concretizar a expressão que deixámos no referendo de junho de 2021, pelo qual ficou expresso (por um número superior à maioria dos votos) que desejamos escolher qual o sistema previdencial pelo qual nos queremos reger. Quase três anos volvidos sem que se tenham tomados as providências administrativas e legislativas nesse sentido é desrespeitar uma vontade legal, legítima e expressa. Gostava ainda de acreditar que a legislação vai deixar de ser feita para o momento, tomando por base os princípios que deveriam presidir a sua redação (geral e abstrata) e não os casos concretos.