Em 2024 assinalam-se os 50 anos do 25 de Abril, pretexto ideal para abordarmos temas fundamentais da nossa Democracia. Começamos pela Justiça, e desde logo com esta entrevista à Bastonária da Ordem dos Advogados, Fernanda de Almeida Pinheiro, que nos lembra que “não há Estado de Direito sem Justiça e é função do Governo da Nação garantir que a justiça e os seus operadores dispõem de meios para servir as populações e as empresas”.
50 anos após o 25 de Abril, com a conquista e consolidação da Democracia e de liberdades fundamentais, quais foram, no seu entender, as mudanças mais relevantes na Justiça, em Portugal?
As mudanças mais significativas foram a possibilidade de maior acesso, por parte das populações, à mesma. Efetivamente, pese embora exista ainda muito que fazer nesta matéria, no sentido de garantir na sua plenitude o que preceituado pelo artigo 20ª da CRP, (tendo em conta que muitas pessoas são completamente arredadas da justiça, por via dos seus enormes custos), não temos como negar que foi feito um longo e consistente caminho, ao longo destes 50 anos de democracia, no sentido de dar cumprimento às promessas de abril.
Muitas das mudanças de que falamos tiveram impacto em toda a população, mas este terá sido ainda maior nas mulheres, uma vez que tínhamos leis que limitavam particularmente as suas liberdades e direitos, antes de 1974. Apesar de tudo, neste campo, 50 anos volvidos, ainda há muito para evoluir?
Muito. Na realidade em termos de legislação (que é o menos complicado), até por via das imposições europeias, foram corrigidas muitas verdadeiras aberrações, como a impossibilidade de acesso das mulheres às magistraturas judiciais e do MP, ou a necessidade de autorização dos seus maridos para poderem sair do país. Ainda assim, ao contrário do que muitos acreditam, o género é ainda uma das principais formas de discriminação no nosso país. Conseguimos ver isso a nível da gestão política do país, na gestão empresarial e institucional, na forma como educamos as nossas crianças, nas responsabilidades domésticas e parentais, nos salários e em muitas outras questões que parecem invisíveis para quem não as sente na primeira pessoa. E na advocacia, por exemplo, as mulheres ainda não conseguem exercer os mais básicos direitos sociais, como seja o direito à proteção na maternidade.
Disse recentemente que a Justiça nunca foi uma prioridade política no nosso país. Em vésperas de eleições legislativas, tem esperança de que este tema seja debatido, durante a campanha, com seriedade?
Disse e mantenho. No entanto, a questão aqui é mais que uma simples esperança, é um imperativo que essa discussão seja feita. Os operadores judiciários têm o dever que exigir que esse debate seja feito e, mais que isso, têm que exigir a concretização de políticas e meios para a justiça. É preciso não esquecer que não há Estado de Direito sem Justiça e é função do Governo da Nação garantir que a justiça e os seus operadores dispõem de meios para servir as populações e as empresas pacificando a sociedade e fazendo cumprir a lei a todos/as. A Ordem dos Advogados vai promover esse debate e pugnar para que seja respeitado um caderno de encargos para a Justiça por parte daqueles que nos irão governar no futuro.
Qual deveria ser, para si, a principal prioridade do país neste momento, particularmente na Justiça?
A principal prioridade é a de garantir recursos humanos, meios logísticos e de investigação, sem nunca esquecer um acesso à justiça digno desse nome às populações e empresas, assegurando a sua segurança jurídica e aconselhamento qualificado, garantido por profissionais certificados, porque só através do acesso ao serviço dos Advogados e advogadas portugueses se cumpre abril e a constituição.