No mês em que se assinala o Dia do Advogado e também o Dia da Mãe, faz todo o sentido refletir sobre os avanços e desafios enfrentados pelas mulheres ao longo dos últimos 50 anos, particularmente no que diz respeito à conciliação entre carreira profissional e a vida familiar. É esse o exercício que Claudete Teixeira faz neste artigo, sublinhando as condições precárias enfrentadas pelas mulheres advogadas, sobretudo quando acumulam o exercício da profissão com a maternidade.
Em maio celebra-se o dia da Mãe e também o dia do advogado. No passado dia 25 de abril celebrámos os 50 anos da revolução de Abril e de todas as conquistas conseguidas após esse dia, o que me leva a pensar no que nós, mulheres, ganhámos, mas também no que perdemos.
Ao longo dos últimos 50 anos as mulheres assumiram uma relevância na vida profissional portuguesa, nas mais diversas áreas, inimaginável há 50 anos. As mulheres assumem hoje cargos de liderança em áreas onde nem lhes era permitido o acesso e provaram ser profissionais de excelência.
A situação alterou-se de tal maneira que a anterior normalidade associada ao fato de a mulher ser “dona de casa” hoje é vista como um desprestigio ou um luxo acessível apenas a uma minoria afortunada.
Mas será que a opção pela vida doméstica, e em particular a vida dedicada aos filhos, não deveria ser uma opção acessível a todas as mulheres que não querem prescindir de ser mães a tempo inteiro?
Não estou a falar de mim, pois desde muito nova senti um desejo em ser advogada tão forte quanto o desejo de ser mãe. Portanto, muito possivelmente, não teria conseguido sentir-me plenamente feliz e realizada se não tivesse alcançado algum destes objetivos. Mas, precisamente porque sou mãe de três filhos, tenho o meu próprio escritório de advogados, trabalho desde os dezasseis anos de idade, sinto-me à vontade para dizer que trabalhar em dedicação exclusiva ao acompanhamento dos filhos não é desprestigio algum. Se não há nada mais importante na nossa vida do que os nossos filhos, como é que dedicar-lhes a vida pode ser uma atividade menor?
“Cada um pensa o que quiser e o lugar das mulheres é onde cada uma delas decida que deve estar”
Se eu ouvir alguém dizer que o lugar das mulheres é em casa a tomar conta dos filhos não me sinto minimamente afrontada com essa observação. Para mim essa alegação tem o mesmo valor do que dizer que o lugar das mulheres é na política, na magistratura ou a gerir empresas. Cada um pensa o que quiser e o lugar das mulheres é onde cada uma delas decida que deve estar. O que nos deveria afrontar é que não existam no nosso país condições suficientes para que as mães possam verdadeiramente ter essa opção, nem mesmo durante os primeiros anos de vida das crianças. O que me afronta é que, não tendo eu prescindido da minha carreira, tivesse de passar por três gravidezes a trabalhar até ao momento de ter a rutura da bolsa no escritório, passando dali para a maternidade, e nunca ter tido direito a nada parecido com uma licença de maternidade, porque as advogadas não têm acesso a direitos sociais básicos como proteção na maternidade, assistência à família, proteção na doença, ou outros.
Para todas aquelas que, como eu, não estiveram dispostas a escolher entre ter filhos e a carreira a vida tornou-se num desafio diário. Ser mãe, por si só, já é desafiante o suficiente para nos ocupar o dia todo. Quando acrescentamos a esta tarefa uma ocupação profissional exigente, e que não se consome das nove às cinco, não há alternativa que não seja praticar atletismo diário de saltos altos e golpes de malabarismo para tentar chegar a todo o lado. Ainda assim, é incontornável o sentimento, de tempos a tempos, de que somos insuficientes ou que alguma coisa ficou para trás. O desejo constante de que o dia tivesse, pelo menos, mais um par de horas, e promessa diária, feita a nós mesmas, de que “amanhã chego mais cedo”, ou que vamos terminar o livro que está por acabar de ler há dois anos, são lugares-comuns.
“Porque sou mãe de três filhos, tenho o meu próprio escritório de advogados, trabalho desde os dezasseis anos de idade, sinto-me à vontade para dizer que trabalhar em dedicação exclusiva ao acompanhamento dos filhos não é desprestigio algum”
Eu acho, sinceramente, que todas as mulheres que conseguem cumular a sua vida profissional, com a vida familiar e os filhos, são uma espécie de supermulheres, que acabam por continuar a ser as “donas de casa” do pré 25 de Abril e ainda assumir uma profissão como se essa fosse a sua única atividade na vida. Mas, francamente, no caso das advogadas, é cruel e aberrante que tenhamos de estar a amamentar filhos recém nascidos, de dia e de noite, e ter de estar a cumprir prazos enquanto o bebé dorme ao invés de poder descansar também. É aberrante ter de levar o computador portátil para a maternidade porque, como vamos fazer uma cesariana e teremos de lá ficar três dias, entre um agrafo e o outro temos de cumprir um prazo. Portanto, a não ser que haja uma política social em condições, e para todos, que a gestão do erário público se faça de forma honesta e em prol da causa pública e que existam retribuições dignas e condicentes com o valor do trabalho produzido, as aquisições de Abril no que diz respeito à vida profissional das mulheres, serão uma espécie de presente envenenado em que nos dão a vida profissional por um lado, mas nos tiram a capacidade de ser mães pelo outro. Ou uma espécie de “Picture of Dorian Gray” em que nos querem fazer crer que temos tudo, mas deixamos de nos ter a nós mesmas.
Nós não precisamos de reconhecimento por aquilo que conseguimos fazer enquanto mães, mulheres e profissionais, acho que isso é por demais evidente, o que nós precisamos é de políticas sociais em condições que permitam realmente conciliar a vida pessoal com a vida profissional, e no caso das advogadas, precisamos que o Estado Português nos permita sair do século XIX porque condições desumanas como as nossas, já nem no século XX.
Claudete Teixeira, Advogada