Justiça

“Liberalizar não é desregular!”

Nuno Gonçalves e Vera Valente, sócios fundadores da Gonçalves, Valente & Associados, Sociedade de Advogados SP RL, respondem-nos a uma série de questões acerca do estado da advocacia em Portugal.

No final do mês de março, entraram em vigor as alterações ao Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovadas pelo Governo cessante, no ano passado. Qual a vossa opinião a respeito deste assunto que tem gerado alguma controvérsia?

As alterações ao Estatuto da Ordem dos Advogados inserem-se num contexto mais vasto de enfraquecimento da justiça como pilar do estado de direito democrático, que começou no Conselho Superior da Magistratura, hoje dominado pelo poder político e acabará no ataque ao Ministério Publico, já em curso. Paralelamente, o desinvestimento do sistema judiciário e a desjudicialização crescente dos litígios coloca-nos perante um quadro negro. Liberalizar não é desregular! A ética subjacente ao exercício da advocacia é uma garantia para os cidadãos, que desaparecerá com a proliferação de toda a sorte de “estaminés”, sujeitos apenas à selvajaria das leis de mercado.

O que perspetivam para o futuro da advocacia com estas regras implementadas e que, para já, se mantêm em vigor?

A advocacia sobreviverá, mas tornar-se-á cada vez mais inacessível ao cidadão comum e às PME’s que são quem mais sentirá os efeitos nefastos destas alterações. Outro desafio é o da introdução da inteligência artificial no processo de decisão judicial, já hoje refém das estatísticas.

Enquanto advogados experientes, o que consideram necessário para ser um bom profissional na área em que exercem?

Na advocacia de hoje, de ontem e de amanhã, a resistência física e mental ao desgaste, a empatia e uma ética humanista irrepreensível são essenciais.

Segundo dados recentes, o número de mulheres na advocacia é superior ao de homens. De que forma olham para este avanço na vossa profissão?

O aumento de mulheres em áreas como a da Advocacia, tidas há décadas como masculinas, deve-se à luta das muitas Mulheres que se bateram pela queda desses estereótipos, que ousaram desafiar o status quo para que a nossa geração já pudesse estudar e trabalhar nas áreas que bem entendesse, colhendo os frutos do seu esforço. Assim, o maior número de mulheres na Advocacia, é sinónimo de um significativo avanço civilizacional, embora ainda muito haja a fazer para mudar verdadeiramente mentalidades nesta matéria, ao contrário do que muitos de nós tomávamos por adquirido.

Que medidas devem ser adotadas para uma melhor conciliação da vida pessoal e profissional na advocacia?

A valorização da componente familiar como aspeto relevante de equilíbrio global, quer do individuo, quer da sociedade, é um fator chave. Na Advocacia falta ainda o sistema judiciário reconhecer aos Advogados os mesmos direitos dos restantes operadores judiciais, o que não implica qualquer alteração legislativa, apenas bom senso. Por exemplo, se um Magistrado for Mãe ou Pai, o processo para (princípio do Juiz Natural). Se for um Advogado ou Advogada, estes são ainda pressionados a substabelecerem noutros colegas o Patrocínio do cliente, o que é incompatível com a relação de confiança subjacente ao Mandato Forense. Aqui valorizamos o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional como fator potenciador do desenvolvimento global da nossa equipa.