“Diário Incontínuo” é o novo livro de Mário Cláudio, que se estreia assim no género diarístico. Numa demonstração de coragem e generosidade, o conceituado autor português partilha com os leitores muito da sua vida pessoal, desde 1958, altura em que iniciou o seu diário, com apenas 16 anos.
Mantido de forma intermitente até aos dias de hoje – daí o título da obra – este diário transporta-nos para almoços em família, idas ao supermercado, obras em casa, visitas a exposições, leituras, períodos de intensa escrita, viagens e encontros com personalidades que marcaram a vida nacional, como Agustina Bessa-Luís, António Lobo Antunes, Eugénio de Andrade, Vasco Graça Moura, Manoel de Oliveira e Gonçalo M. Tavares.
Além disso, o diário revela-nos amizades duradouras, relacionamentos amorosos e a beleza
dos momentos compartilhados com seus animais de estimação.
Porto, Sexta-feira, 3 de janeiro de 1958
“Deu-se hoje um incidente assaz desagradável – perdi o guarda- chuva! O exemplar fora comprado há pouco tempo e embora tivesse reunido todos os esforços para o reencontrar, e tivesse ouvido longuíssimo sermão, a verdade é que se tornou invisível. Felizmente para mim que almocei em casa da Avó donde comuniquei pelo telefone ao Pai tudo o que sucedera. Se assim não tivesse sido certamente que o problema ainda se complicaria mais. Após o almoço fui humildemente com o tio Armando pedir desculpa ao Pai, que já se encontrava no escritório.”
Porto, Sexta-feira, 12 de fevereiro de 1999
“Manifestados os primeiros sintomas da frequência da Internet: a página mediática em que se transforma cada pensamento, aparecendo e desaparecendo em obediência a um clique, arrastando para a ameaça da visita obsessiva ao computador. O tempero que representa entretanto a leitura de O Significado da Alma, de Thomas Moore: a frescura que se sente ao contacto com a brisa que se sabe estar lá.”
Azurara, Casa dos Pais, Sábado, 30 de agosto de 2014
“Na velha Rua da Junqueira, Póvoa de Varzim, um desconhecido vem felicitar-me pelo meu trabalho, tecendo encómios e agradecimentos. E registo aqui a ocorrência, imitando o José Saramago que fez algo de idêntico, ao anotar no seu diário o júbilo por se ver reconhecido por uma hospedeira do ar. Que inseguros que somos todos nós, os da escrita, com ou sem Nobel à vista!”
Mário Cláudio nasceu no Porto. Ficcionista, poeta, dramaturgo e ensaísta, é autor de uma vasta e multifacetada obra que abarca a ficção, a crónica, a poesia, a dramaturgia, o ensaio e a literatura infantojuvenil, traduzida em várias línguas. Em 2019 foi-lhe atribuído o título de Doutor Honoris Causa pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto e a Sociedade Portuguesa de Autores apresentou-o recentemente como candidato ao Prémio Nobel da Literatura.