Começo este editorial por onde acabei o do mês passado. Corremos facilmente o risco de não parar para pensar quando embrenhados numa rotina constante. A rotina tem uma capacidade silenciosa de nos absorver. Ainda que a repetição seja fundamental para treinar a destreza manual ou um qualquer músculo do corpo, esta é claramente inimiga da criatividade e do pensamento disruptivo. A criatividade precisa de campo fértil, horizonte largo, confronto com a diversidade, com o desconhecido, e de liberdade de movimentos.
Parar, por vezes, é mesmo a melhor forma de continuar. Não significa desistir, mas criar condições para que a criatividade possa emergir, em vez de ser engolida pela urgência ou pela pressão de gerar quantidade em vez de qualidade. É importante que se perceba que a criatividade não é um flash espontâneo e caótico, mas fruto de muito trabalho, tantas vezes invisível. E que exige tempo, espaço, confiança…
Há um paradoxo habitual que passa por exigir soluções criativas, quando, ao mesmo tempo, se impõem rotinas extenuantes, reuniões sem fim e sobrecarga de tarefas. Aí, a criatividade morre na exaustão. Se queremos ideias novas, temos de respeitar os ritmos mentais e emocionais de quem as gera. Isso inclui dar autonomia, permitir o erro, fomentar ambientes de partilha e, sobretudo, não reduzir os criativos a “meros” executantes.
Permitam-me este meu habitual exercício de “sair” um pouco do escritório e navegar pela literatura. No seu primeiro romance, “Perto do Coração Selvagem”, Clarice Lispector, ainda muito nova, escrevia:
“Liberdade é pouco. O que desejo ainda não tem nome.”
Algo que ainda não foi nomeado, nem inventado sequer. Claro que falamos de uma sensação impossível de ser corrompida ou mercadejada. Mas se a verdadeira inspiração criativa, ainda que em ambiente empresarial, não se for procurar à arte, vai procurar-se onde? No mesmo texto, a escritora explicava:
“E talvez meu desejo de outra fonte, essa ânsia que me dá ao rosto um ar de quem caça para se alimentar, talvez essa ânsia seja uma ideia – e nada mais.”
O que pode ser mais poderoso do que uma ideia? A criatividade é, também, uma forma de resistência humana ao automatismo. Cabe-nos, enquanto criadores, produtores de conteúdos, gestores de empresas, enquanto profissionais e cidadãos atentos, garantir que esse espaço para pensar continua a existir. E a ser respeitado.
É profundamente incoerente promover de forma sistemática a importância das qualificações académicas e profissionais como pilar do desenvolvimento, e simultaneamente desvalorizar ou ignorar o saber e a experiência acumulada por aqueles que as detêm. A criatividade não nasce do vazio, exige cultura, referências. É esse lastro que permite ir mais longe. Inovar, afinal, é também saber escutar o que já foi dito e, a partir daí, dizer o que ainda falta. Porque pensar o futuro e antecipá-lo talvez comece por escutar e dar voz a quem se atreve a imaginá-lo.