Por Maria João Fernandes, Vice-Presidente da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens
Em 1989, Bonnie Finney amarrou uma fita azul na antena do seu carro.
Esta avó americana quis assim homenagear o seu neto, que tinha sido vítima mortal de maus-tratos. A história que Bonnie Finney contou na altura, para além de trágica, não deixou ninguém indiferente: o seu neto tinha morrido de forma brutal, por ter sido espancado pela mãe e pelo seu companheiro.
A repercussão desta iniciativa foi de tal ordem, que abril passou a ser o Mês Internacional da Prevenção dos Maus-Tratos na Infância. Com este gesto, quis “fazer com que as pessoas se questionassem” sobre situações de violência contra os mais novos.
A escolha da cor azul teve um propósito: Bonnie Finney não queria esquecer o corpo cheio de nódoas. O azul, que simboliza a cor dessas lesões, servir-lhe-ia por isso como uma imagem constante na sua luta contra os maus-tratos infligidos às crianças.
Esta campanha, que começou como uma homenagem desta avó aos netos, cresceu de tal forma que, atualmente, muitos países usam laços e fitas azuis durante o mês de abril, em memória das crianças que morreram, foram ou são vítimas de todos os tipos de abuso infantil. É também uma forma de apoiar as famílias e fortalecer as comunidades, nos esforços necessários para prevenir todas as formas de violência e de negligência.
O nosso país é dos que maior dimensão atribui a este mês internacional: por impulso da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens, sobretudos as CPCJ, mas também municípios, entidades com competência em matéria da infância e juventude, associações, clubes desportivos, estabelecimentos comercias, etc., promovem ações de sensibilização da mais variada natureza, iluminam espaços e edifícios icónicos, criando uma verdadeira mancha azul de sensibilização.
Esta e outras campanhas – como é o caso da campanha “Não se aceita, ponto!” – são instrumentos de alerta e tentativas de interrupção dos ciclos (também intergeracionais) de violência. Tudo começa na infância, mas, como todos sabemos, não fica só na infância. Os efeitos e consequências da violência são duradouros e, ainda que possam ser invisíveis aos olhos do outro, regulam a forma de estar, de ser e de conviver, muitas vezes alimentando os comportamentos violentos.
O frenesim do dia a dia, a crescente falta de empatia e identificação para com o outro e muitos outros fatores, potenciam a indiferença, o olhar para quem rodeia como o “outro” e, em última análise a normalização de comportamentos violentos.
A mensagem que é necessário transmitir sobre a inaceitabilidade da violência em qualquer contexto ou idade tem, portanto, que ser clara e direta.
Urge provocar uma reflexão e consciencialização social sobre todas as formas de que se reveste e sobre as suas consequências na sociedade, mas, acima de tudo, contribuir para a mudança de comportamentos, individuais e coletivos.
A violência no ciclo de vida é uma realidade transversal a toda a sociedade e a todas as faixas etárias e à qual ninguém pode ficar indiferente. Todos temos que fazer parte da sensibilização e alertar para a importância da adoção de comportamentos não violentos, com vista a gerar um sentimento global de intolerância à violência. A violência pode e deve ser prevenida!
Em primeiro lugar, o objetivo é chegar a toda a população. A prevenção tem como objetivos informar, sensibilizar, capacitar e desenvolver competências, pelo que assumem particular relevância as campanhas nacionais, regionais e locais que são desenvolvidas por todos os tipos de atores.
O reconhecimento universal, transversal e constante dos direitos das crianças deverá levar à desnecessidade de assinalar, comemorar ou chamar à atenção num dia ou mês específico. Mas, proteger é também prevenir. Até que todos os direitos das crianças sejam plenamente respeitados e garantidos em todas as sociedades, esta campanha e outras ações de sensibilização traduzem-se num momento importante para pugnar por um futuro melhor para todas as crianças.
Ainda que se pretenda concretização dos direitos das crianças através da prevenção, enquanto isso não acontece, sejamos todos a sua voz. Que a nossa atenção esteja sempre aguçada e que, perante qualquer situação de violação dos direitos das crianças, estejamos presentes para acompanhar, comunicando as situações às autoridades, para que possam obter a ajuda certa e necessária.
A campanha do laço azul mostra-nos como é possível uma pessoa, uma ação, um motivo, conseguir interromper ciclos e chegar onde é preciso para mudar mentalidades.
Para que nenhuma criança fique para trás e para que o azul volte a ser o símbolo do mar e do céu…
