O que faz uma mulher deixar para trás a segurança do convencional para seguir um sonho? No caso de Sónia Melo, a resposta está no sabor das emoções que coloca em cada prato. Mais do que uma chef premiada, é uma empreendedora nata, uma contadora de histórias à mesa e uma inspiração para quem acredita que o sucesso nasce da paixão, do trabalho e da coragem. A IN Corporate Magazine desvenda, nesta edição especial, a mulher por detrás da marca Chez Sónia.
Percurso Profissional e Formação
Como é que tudo começou? Como surgiu o seu interesse pela culinária e quais foram os primeiros passos que deu nesta área?
A minha paixão pela cozinha nasceu há 17 anos, como foodblogger e por necessidade. Na altura, não tinha qualquer formação na área, nem gosto pela cozinha, mas sempre fui curiosa e determinada. Comecei por explorar receitas, experimentar combinações e aprender com a prática. Com o tempo, essa necessidade transformou-se em algo maior. Os primeiros passos profissionais surgiram quando percebi que poderia oferecer algo diferente, reunindo técnica, criatividade e hospitalidade.
Como referiu, começou como foodblogger e autodidata, isto numa altura em que os blogues tinham outra relevância, que se foi perdendo para as redes sociais. O que a motivou a seguir este caminho e como foi a transição para uma formação mais formal e para a profissionalização?
É verdade. Comecei como foodblosser numa época em que os blogues eram um espaço de partilha genuína, onde se trocavam experiências, receitas e conhecimento sem a pressão dos algoritmos das redes sociais. Para mim, foi um meio natural de expressão, onde podia documentar as minhas descobertas na cozinha e interagir com uma comunidade interessada em gastronomia.

Sendo autodidata, a minha formação passou muito pela prática, pela experimentação e pelo estudo constante. A transição para a profissionalização deu-se gradualmente, de uma forma muito natural à medida que comecei a trabalhar como private, chef. Mais para a frente, senti a necessidade de tirar um curso profissional para aprofundar os meus conhecimentos e as minhas técnicas.
Quais foram os maiores desafios que enfrentou ao iniciar a sua carreira como Private Chef nos Açores?
Posso dizer que trouxe desafios significativos, especialmente porque o conceito ainda não era amplamente conhecido por cá.
Um dos principais obstáculos foi desmistificar a ideia de que um private chef é apenas um serviço de luxo inacessível, quando, na realidade, é uma experiência gastronómica personalizada, que pode ser adaptada a diferentes ocasiões e necessidades.
Outro desafio foi conquistar a confiança do público-alvo. Para isso, apostei na qualidade, na autenticidade da experiência e no boca-em-boca dos clientes satisfeitos, o que foi essencial para consolidar o meu nome nesta área.
O que significa, para si, ser mulher, empreendedora, e assumir o risco de acreditar no seu trabalho para criar uma marca própria vencedora?
Implica, muitas vezes, enfrentar desafios adicionais, e também significa trazer uma abordagem única ao negócio. No meu caso, foi um passo fundamental para criar uma marca própria que reflete não apenas a minha identidade, mas também os valores em que acredito: autenticidade, dedicação e excelência.
Empreender nos Açores, numa área tão exigente como a gastronomia, exigiu resiliência e determinação. Criar a nossa marca foi mais do que construir um serviço; foi afirmar um conceito, educar o mercado e provar que era possível oferecer uma experiência de private chef de alto nível num destino como este.
Hoje, olhar para o reconhecimento que a minha marca conquistou, tanto a nível nacional como internacional, é uma validação do esforço e da paixão que coloco em cada detalhe do meu trabalho. Acredito que ser empreendedora é isto: confiar no nosso talento, superar obstáculos e criar algo que realmente faça a diferença.

Criação e Evolução da marca
Como já referimos, o “Chez Sónia” começou como um simples blogue de culinária. Como foi o processo de transformação deste projeto inicial numa marca registada e reconhecida?
Na altura, nunca imaginei que este pequeno projeto se tornaria uma marca registada e reconhecida. A transformação deu-se de forma natural, à medida que fui aprofundando os meus conhecimentos e ganhando experiência prática. Com o tempo, percebi que queria ir mais além e criar um conceito que permitisse levar a minha visão gastronómica diretamente às pessoas. Foi assim que surgiu o serviço de private chef, que se tornou o coração do Chez Sónia. O processo exigiu estrutura, investimento e estratégia. Registar a marca foi um passo essencial para proteger a identidade do projeto e garantir a sua credibilidade.
O que a inspirou a criar o serviço “Azores Private Chef ” e como descreve a evolução da sua marca ao longo dos anos?
A evolução da minha marca tem sido um reflexo do meu crescimento profissional e da aceitação deste conceito por parte do público. O reconhecimento veio de forma orgânica, através do feedback positivo dos clientes, das recomendações e das distinções nacionais e internacionais. Posso dizer que nos tornámos sinónimos de excelência e autenticidade, sempre com um foco na valorização dos produtos locais e na criação de experiências memoráveis.
Quando olha para trás, quais foram os momentos que mais a marcaram ao longo desta trajetória de quase 20 anos?
Houve vários momentos marcantes que moldaram o meu caminho e reforçaram a minha paixão pelo que faço. A transição do blogue para a profissionalização foi um deles. Outro momento inesquecível foi o lançamento do meu serviço de Private Chef, que trouxe consigo o desafio de educar o mercado e demonstrar o valor desta experiência gastronómica. As distinções e prémios que fui recebendo ao longo dos anos também foram marcos importantes. São reconhecimentos que validam o trabalho árduo e a dedicação que coloco no que faço. Por fim, não posso deixar de mencionar a rubrica de culinária da RTP Açores – Cozinha em Casa, – que já conta com mais de seis anos e mais de 100 episódios. Saber que inspiro pessoas a cozinharem melhor e a valorizarem os sabores genuínos é uma das maiores recompensas desta trajetória.

O empreendedorismo na gastronomia está em constante evolução. Na sua opinião, quais são hoje os maiores desafios e oportunidades para quem quer criar um negócio próprio neste setor?
Penso que um dos maiores desafios para quem quer criar um negócio próprio nesta área é, sem dúvida, a gestão dos custos. O aumento do preço dos ingredientes, a instabilidade económica e as exigências logísticas, tornam essencial um planeamento rigoroso para garantir a sustentabilidade do negócio. Além disso, a diferenciação é um fator crítico. O mercado gastronómico está cada vez mais saturado, e destacar- se exige não apenas qualidade, mas também inovação e um conceito bem definido. A fidelização do cliente também se tornou mais desafiadora, pois as redes sociais e as plataformas de avaliação podem influenciar drasticamente a perceção sobre um serviço ou restaurante.
O turismo gastronómico continua a crescer, e serviços como este ou experiências personalizadas ganham cada vez mais adeptos. Em resumo, quem quiser empreender na gastronomia precisa de ser estratégico, flexível e criativo.
“A nossa relação formativa foi pautada pela distância, mas nunca foi um entrave. A Sónia tem uma capacidade fantástica de adaptação, humildade e vontade de mais. Os grandes chefes cozinham bem, os melhores movem multidões – a Sónia tem essa força.”
Chef David Marques (Formador)
Culinária e Influências
A cozinha açoriana tem, naturalmente, uma forte presença no seu trabalho. De que forma as tradições e ingredientes locais influenciam as suas criações?
Sem dúvida que a cozinha açoriana é uma fonte inesgotável de inspiração. Os Açores têm uma riqueza gastronómica única, assente em produtos de qualidade excecional e em tradições culinárias que atravessam gerações. Os ingredientes locais são a base das minhas criações. Tento realçar os produtos de forma autêntica, mas sem os limitar às receitas tradicionais. Gosto de reinterpretar pratos, respeitando os sabores originais, mas apresentando-os de forma inovadora e adaptada a diferentes públicos.

Como consegue equilibrar a inovação gastronómica com o respeito pelas tradições culinárias dos Açores?
Acredito que a gastronomia deve evoluir sem perder a sua identidade, e é exatamente isso que procuro fazer: honrar os sabores e os produtos, trazendo-lhes uma abordagem contemporânea. Para mim, o ponto de partida é sempre o ingrediente. Temos que os respeitar sem os descaracterizar. Acredito que inovar não significa substituir, mas sim acrescentar. É possível preservar as raízes gastronómicas e, ao mesmo tempo, dar-lhes um novo fôlego, sem comprometer a sua autenticidade. Esse é o meu compromisso e a minha paixão.
Há algum chef ou movimento culinário que a tenha influenciado particularmente na sua carreira?
Uma pergunta complicada de responder… inspiro-me em cozinheiros que tenham sempre um ponto em comum: a valorização do produto, a simplicidade, a autenticidade e do respeito pelos ingredientes.
Internacionalmente, a Ina Garten e a Maria Lawton são duas referências que admiro muito. A forma descomplicada como abordam a cozinha e as técnicas acessíveis que utilizam, reflete a minha própria filosofia. Para mim, não tenho como objetivo culinário criar pratos elaborados. Eu sempre acreditei que a boa cozinha está na capacidade de transformar produtos simples em algo extraordinário. Além disso, gosto da maneira como olham para a vida e para a comida com genuína alegria e prazer, algo que tento trazer para o meu próprio trabalho.
Tenho também um enorme respeito por grandes nomes portugueses, que moldaram a nossa gastronomia e que fizeram tanto pela sua divulgação. O Chef Silva, a Maria de Lourdes Modesto e a Filipa Vacondeus são exemplos de profissionais que deixaram um legado importante, quer através dos seus programas e livros, quer pela forma como trouxeram a cozinha tradicional para o grande público.

Desafios e oportunidades nos Açores
Quais são os principais desafios logísticos que enfrenta ao operar nos Açores, especialmente no que diz respeito ao fornecimento de ingredientes específicos?
Apesar de termos produtos locais de excelente qualidade, a insularidade e a dependência de transportes marítimos e aéreos fazem com que o acesso a certos ingredientes seja mais limitado e, por vezes, imprevisível. Um dos maiores desafios é a irregularidade no abastecimento. Há produtos que podem chegar com atraso ou em quantidades reduzidas, o que exige uma grande capacidade de adaptação. Além disso, alguns ingredientes internacionais, nem sempre estão disponíveis ou chegam com um custo significativamente mais elevado. A logística de frescos também é uma questão sensível. O clima instável pode afetar a produção agrícola e a pesca, limitando a oferta de alguns produtos sazonais. Para contornar isso, ajusto os menus conforme a disponibilidade do mercado.
Como é que a sazonalidade dos produtos locais afeta o planeamento dos seus menus e serviços?
A sazonalidade dos produtos locais é um fator determinante no planeamento dos meus menus e serviços. Nos Açores, os ingredientes seguem o ritmo da natureza, e isso exige uma abordagem flexível e criativa na cozinha. Este ciclo natural influencia não só a escolha dos ingredientes, mas também a estruturação dos menus e até a experiência gastronómica que proporciono aos meus clientes. Estar atenta ao que está disponível permite-me planear com antecedência, garantindo que consigo oferecer menus equilibrados e ajustados à realidade do momento.

Qual a influência que o turismo nos Açores tem na sua atividade e como se adapta às naturais variações deste setor ao longo do ano?
O turismo nos Açores tem um impacto direto na minha atividade, uma vez que a grande maioria dos meus clientes são visitantes que procuram experiências gastronómicas diferenciadoras. Como Private Chef, trabalho frequentemente com turistas que valorizam a exclusividade, a ligação à cultura local e o conforto de uma refeição privada num ambiente único.
A sazonalidade do turismo exige uma adaptação constante. Durante os meses de maior afluência, entre a primavera e o verão, a procura por serviços de private chef aumenta significativamente, o que implica uma gestão rigorosa da agenda e dos recursos. Já nos meses de menor movimento, outono e inverno, aproveito para diversificar a atividade, explorando novas oportunidades, como a participação em eventos, workshops e também é sempre uma boa altura para fazer balanços da nossa empresa.
Serviços oferecidos e experiência do Cliente
Além dos serviços de Private Chef, oferece workshops, showcookings, e organiza eventos. Como é a resposta do público a estas iniciativas?
Tem sido muito positiva. Os workshops e showcookings que organizo são formas de levar a gastronomia a diferentes públicos e de criar experiências interativas e envolventes. Nos workshops, noto sempre um grande interesse do público e são sempre muito bem recebidos, especialmente em eventos que promovem a cultura e os produtos regionais. Estes momentos permitem-me partilhar a minha paixão pela cozinha de forma dinâmica e acessível, demonstrando como a tradição pode coexistir com a inovação.

Como é um dia habitual da Sónia Melo, na preparação e execução de um serviço de Private Chef?
Cada serviço de Private Chef é único, e isso reflete-se também no meu dia a dia. A preparação começa muito antes do momento em que os pratos chegam à mesa, pois envolve um planeamento rigoroso para garantir que cada experiência seja memorável. Começa dois dias antes, com a organização logística: revejo os menus escolhidos e faço uma última verificação dos ingredientes necessários. Depois, sigo para a seleção e compra dos ingredientes, garantindo a máxima qualidade e frescura. A fase de mise en place é essencial.
Dependendo do menu e da complexidade dos pratos, algumas preparações podem ser feitas antecipadamente, como caldos, marinadas ou sobremesas que necessitam de tempo de repouso. A organização é fundamental para que, no local do evento, tudo decorra de forma fluída e sem imprevistos. Ao chegar ao local onde o serviço será realizado, a prioridade é adaptar-me à cozinha disponível. Cada espaço tem as suas particularidades, e é importante ter flexibilidade para trabalhar com diferentes condições. O serviço em si é um equilíbrio entre técnica, atenção ao detalhe e interação com os clientes, garantindo que cada prato seja servido no momento ideal e com a apresentação cuidada.
Por fim, depois de um serviço bem-sucedido, há sempre tempo para um momento de partilha com os clientes, que muitas vezes demonstram curiosidade sobre os ingredientes e técnicas utilizadas. Este contacto direto é uma das partes mais gratificantes do meu trabalho. Por último, temos que arrumar e limpar a cozinha. Só assim o meu serviço ficará completo!
Como personaliza as experiências gastronómicas para atender às preferências e necessidades de cada cliente?
Cada cliente tem preferências, expectativas e até restrições alimentares específicas, e o meu objetivo é garantir que cada refeição não seja apenas deliciosa, mas também verdadeiramente memorável. O processo começa logo no primeiro contacto, onde procuro perceber não só os gostos do cliente, mas também o contexto do evento. Perguntas-chave são essenciais para que cada detalhe torne a experiência mais especial.

Depois, crio um menu totalmente personalizado. O meu foco é equilibrar os sabores tradicionais com um toque de criatividade, respeitando as preferências do cliente sem comprometer a autenticidade dos pratos. Durante o serviço, também procuro adaptar a experiência ao ritmo dos convidados. Se for uma refeição intimista, mantenho um ambiente mais acolhedor e interativo. Se for um evento mais formal, a atenção recai na sofisticação da apresentação. Em todos os casos, o objetivo é que cada detalhe contribua para uma experiência única.
“Se tivesse de preparar um menu especial para alguém que nunca provou a cozinha açoriana, que pratos não poderiam faltar? Escolheria pratos que captam a autenticidade dos sabores do arquipélago e a riqueza dos seus ingredientes locais.” Entrada: / Tábua de queijos açorianos – Uma seleção de queijos artesanais, acompanhado de pão de milho, bolo lêvedo, fruta, mel de incenso e compota de figo. / Salada de polvo à moda dos Açores Prato Principal: / Lapas grelhadas com molho de manteiga e alho, Peixe grelhado, Carne guisada Sobremesa: / Ananás dos Açores caramelizado – Ananás fatiado e ligeiramente caramelizado, servido com um toque de hortelã, marinado em rum e uma bola de gelado açoriano artesanal. / Queijada da Vila Bebida: / Para acompanhar tudo, um belíssimo vinho do Pico. |
Prémios e Reconhecimentos
Os prémios que tem recebido ao longo dos últimos tempos vão-se sucedendo a um ritmo impressionante. Algo que fomos acompanhando aqui na IN Corporate Magazine. Acaba de receber o Prémio 5 Estrelas pelo segundo ano consecutivo. Qual o significado que tem para si mais este reconhecimento?
Receber este novo reconhecimento é, sem dúvida, um momento muito especial. Cada prémio representa não apenas o meu esforço e dedicação, mas também o reconhecimento do impacto que o meu trabalho tem tido na gastronomia e na experiência dos meus clientes. O facto de estes prémios se sucederem num ritmo tão intenso é algo que me enche de orgulho e, ao mesmo tempo, de responsabilidade. Vejo cada distinção como um incentivo para continuar a inovar, a elevar a experiência gastronómica e a promover os sabores dos Açores.

Estes prémios têm tido impacto na sua visibilidade e no crescimento do seu negócio? De que forma?
Sem dúvida, estes prémios têm tido um impacto muito positivo. Cada reconhecimento traz uma maior projeção, não só a nível nacional, mas também internacional, ajudando a consolidar a minha marca e a reforçar a confiança dos clientes nos meus serviços. Os prémios funcionam como uma validação do meu trabalho e são muitas vezes o fator que desperta a curiosidade de novos clientes, especialmente entre aqueles que procuram uma experiência gastronómica diferenciada.
Como vê o papel dos prémios na valorização dos profissionais de gastronomia em Portugal?
Este tipo de reconhecimentos desempenham um papel fundamental na valorização dos profissionais de cozinha. Para além do reconhecimento individual, ajudam a dar visibilidade ao setor, destacando o talento, a inovação e o compromisso com a qualidade que existe no nosso país. Nos Açores, por exemplo, onde o mercado é mais pequeno e os desafios logísticos são uma realidade constante, estas distinções são ainda mais importantes. Trazem projeção a um território que tem uma riqueza gastronómica incrível, mas que muitas vezes não tem a mesma visibilidade que outras regiões de Portugal continental. Um reconhecimento pode ser um fator decisivo para que mais pessoas descubram e valorizem a nossa cozinha e os nossos produtos locais.
A nível nacional, também contribuem para que a gastronomia portuguesa continue a afirmar-se no panorama internacional. Portugal tem uma herança culinária riquíssima e uma nova geração de cozinheiros que estão a elevar ainda mais essa tradição.
Alguma vez sentiu que um prémio mudou a sua forma de encarar a profissão?
Cada reconhecimento que recebo reforça o meu compromisso com a gastronomia e com o serviço que presto, mas há momentos que realmente fazem repensar a forma como encaro a minha profissão. Alguns fazem-me perceber o verdadeiro impacto do meu trabalho na experiência das pessoas. Dão-me ainda mais confiança e motivação para continuar a apostar na personalização do serviço e na qualidade das experiências gastronómicas que ofereço. Outros fazem-me ver que o meu trabalho não tem fronteiras e que a cozinha açoriana pode ser reconhecida num palco internacional. No fundo, os reconhecimentos não mudam a essência do que faço, mas reforçam a minha paixão e mostram que vale a pena continuar a acreditar no meu percurso.

Há algum prémio específico que sonhe conquistar no futuro?
Os prémios que já recebi foram inesperados e cada um trouxe um significado especial, mas é natural que haja distinções que qualquer profissional na área gastronómica sonha alcançar. Embora não trabalhe focada em prémios, mas sim na qualidade do que faço, confesso que seria um grande orgulho ver a gastronomia açoriana e o conceito de Private Chef reconhecidos em prémios de maior projeção internacional. Distinções como os Michelin, ou prémios ligados à valorização de experiências gastronómicas exclusivas, seriam marcos importantes, não apenas para mim, mas para a afirmação do setor. No entanto, o maior reconhecimento que procuro é continuar a conquistar a confiança dos clientes e a criar experiências memoráveis. Se um dia isso me levar a mais um reconhecimento de prestígio, será um reflexo natural do trabalho que tenho vindo a desenvolver.
“A Sónia tornou o nosso fim de semana nos Açores ainda mais especial! Foi tão fácil trabalhar com ela para planear o melhor jantar surpresa! A comida estava deliciosa! A apresentação foi perfeita! E a sua equipa, tão amável, fez com que a noite fosse verdadeiramente inesquecível! Voltaria aos Açores só para ter outra refeição preparada por ela!”
Whitney Griffin – EUA (cliente)
Vida pessoal e paixões além da cozinha
Como concilia a sua vida profissional intensa com a vida pessoal?
Esta profissão envolve muitas horas de dedicação, planeamento e execução, o que significa que há momentos em que o trabalho acaba por ocupar uma grande parte do meu tempo. No entanto, com o tempo aprendi a impor limites e a valorizar os momentos de pausa. Sempre que possível, faço questão de reservar tempo para mim, para estar com a família e amigos, e para recarregar energias. Pequenos gestos, como um passeio tranquilo com os cães, fazem a diferença. Outra estratégia importante tem sido a organização e a antecipação. Quanto melhor planear os serviços, mais fácil se torna encontrar um equilíbrio. Claro que nem sempre é perfeito, mas aprendi que cuidar do meu bem-estar também é essencial para continuar a dar o melhor de mim no trabalho. A chave está em encontrar esse equilíbrio – respeitar a paixão pela profissão, mas sem esquecer que o descanso e os momentos pessoais também fazem parte do sucesso.

Quando não está na cozinha, o que mais gosta de fazer para relaxar?
Apesar da cozinha ser uma grande paixão e estar relaxada, é essencial ter momentos para desligar e recarregar energias. Quando não estou a trabalhar, gosto de me dedicar a atividades que me tragam tranquilidade e inspiração. Adoro as coisas banais do comum dos mortais: ler, escrever, pintar, caminhar ao ar livre, brincar com os meus animais, bordar, exercitar a mente com palavras cruzadas… tudo isto ajuda a ganhar novas perspetivas. Além disso, sempre que posso, gosto de viajar e descobrir novos sabores e culturas. Mesmo que seja uma escapadinha curta, esses momentos fora da rotina são essenciais para renovar a energia e trazer novas ideias para o meu trabalho. E, claro, não há nada como um bom serão entre amigos ou família, à mesa, sem pressas, a saborear uma boa conversa e um copo de vinho.
Que conselho daria a jovens aspirantes a chefs que desejam seguir uma carreira semelhante à sua?
O meu principal conselho para quem deseja seguir esta carreira é ter paixão, resiliência e autenticidade. A gastronomia é um caminho exigente, com muitos desafios, mas também com enormes recompensas para quem realmente ama o que faz. Primeiro, nunca parem de aprender e acreditar. Sejam autodidatas, façam formações, experimentem novos ingredientes, estudem a história da nossa gastronomia e procurem referências. A cozinha não se resume a receitas – é cultura, tradição e inovação ao mesmo tempo.
Depois, tenham paciência e persistência. O sucesso não acontece de um dia para o outro. Construir um percurso sólido exige trabalho árduo, muitas horas de dedicação e, muitas vezes, lidar com frustrações. Mas cada obstáculo superado torna- nos melhores. Por fim, não tenham medo de ser diferentes. Hoje, mais do que nunca, o mercado valoriza a autenticidade. Encontrem a vossa identidade culinária, respeitem as raízes, mas inovem, e nunca percam o entusiasmo que vos trouxe até aqui. E sejam sempre genuínos! E lembrem-se: cozinhar é, acima de tudo, contar histórias e proporcionar momentos inesquecíveis. Se conseguirem tocar as pessoas através da vossa comida, então estão no caminho certo.

Há algum destino de viagem que a tenha marcado ou que a inspire na cozinha?
Cada viagem é uma oportunidade de aprender e de trazer novas inspirações para a cozinha, mas há destinos que me marcaram de forma especial. Um dos lugares que mais me fascinou foi Itália, pelo respeito que têm pelos ingredientes e pela simplicidade da cozinha. A forma como valorizam cada produto, inspira-me a aplicar o mesmo princípio na minha cozinha – deixar os ingredientes falarem por si. Outra experiência inesquecível foram várias regiões de Espanha, onde tive a oportunidade de contactar com diferentes culturas gastronómicas. Viajar é uma forma de expandir horizontes e, muitas vezes, pequenos detalhes de uma viagem – um cheiro, um sabor, uma conversa – acabam por influenciar a minha forma de cozinhar.
“Tivemos a sorte de contar com a Sónia para preparar uma refeição de cinco pratos para a minha família alargada durante a nossa visita a São Miguel. Foi simplesmente incrível, com sabores maravilhosos e distintos, tudo apresentado de forma perfeita e acompanhado de histórias fantásticas. Ela preparou tudo no local, incluindo uma excelente sobremesa. A refeição foi um ponto alto desta viagem.”
Bob Pereira – EUA (cliente)
Sustentabilidade e responsabilidade social
De que forma incorpora práticas sustentáveis no seu trabalho diário?
Dou prioridade aos ingredientes locais e sazonais. Trabalhar com produtores regionais não só garante frescura e qualidade, como também reduz a pegada ecológica associada ao transporte de alimentos. Além disso, permite-me valorizar os produtos dos Açores e apoiar a economia local. Outro aspeto fundamental é a redução do desperdício alimentar. Sempre que possível, aproveito ao máximo os ingredientes – desde caldos feitos com aparas de vegetais até novas formas de reutilizar sobras de cozinha. A criatividade também passa por transformar o que muitas vezes é desperdiçado em algo surpreendente. No serviço de Private Chef, procuro ainda minimizar o uso de plásticos descartáveis e recorrer a materiais reutilizáveis ou biodegradáveis sempre que possível. Acredito que a gastronomia tem um papel importante na promoção de práticas mais conscientes, e tento transmitir essa mensagem através do meu trabalho. Sustentabilidade não é apenas uma tendência, mas sim um compromisso com o futuro.
Como vê o papel dos chefs na promoção de hábitos alimentares saudáveis e sustentáveis?
Mais do que criar pratos saborosos, temos a responsabilidade de educar e inspirar as pessoas a fazerem escolhas mais conscientes. Através do nosso trabalho, podemos mostrar que uma alimentação equilibrada e nutritiva não tem de ser aborrecida ou complicada. Utilizar ingredientes frescos, respeitar a sazonalidade e reduzir o uso de produtos altamente processados são passos essenciais para uma cozinha mais saudável.

Além disso, a sustentabilidade deve estar presente em todas as decisões – desde a escolha dos fornecedores até à redução do desperdício alimentar. Os chefs têm a capacidade de valorizar produtos menos convencionais, incentivar o consumo responsável e criar abordagens para evitar excessos na cozinha. Acredito que a gastronomia tem o poder de mudar mentalidades. Se conseguirmos influenciar as pessoas a olharem para a comida de forma mais consciente, estaremos a dar um contributo real para a saúde e para o futuro do planeta.
Descobrir os Açores
Para quem visita os Açores pela primeira vez, que experiências gastronómicas recomendaria sem hesitar?
Temos um sem-fim de experiências gastronómicas, mas considero algumas mesmo essenciais, pois representam bem a identidade e os sabores do arquipélago. Em São Miguel, o Cozido das Furnas é uma paragem obrigatória. Cozinhado debaixo da terra, com o calor das fumarolas, é um prato único e uma verdadeira demonstração da ligação dos Açores à natureza.
Os queijos das ilhas também merecem destaque. Cada ilha tem a sua especialidade, mas o Queijo de São Jorge DOP, com a sua intensidade e maturação, é um dos mais emblemáticos. Recomendo sempre uma prova de queijos acompanhada por um bom vinho açoriano.
Falando em vinhos, a paisagem das vinhas no Pico, classificada como Património Mundial da UNESCO, oferece uma experiência incrível. Provar um Verdelho do Pico enquanto se aprende sobre as vinhas cultivadas em solo de lava é algo inesquecível. Para algo mais doce, os bolos lêvedos das Furnas e a queijada da Vila, em Vila Franca do Campo, são clássicos que encantam qualquer visitante. E claro, não posso deixar de recomendar o ananás dos Açores, um fruto cultivado em estufas com um processo artesanal único, que se reflete no seu sabor doce e intenso.

Mais do que provar pratos típicos, recomendo que os visitantes se deixem envolver pela experiência gastronómica açoriana – seja num mercado, num restaurante familiar ou num jantar ao ar livre com vista para o Atlântico.
Além da comida, há algum lugar ou experiência especial que considere imperdível para quem quer sentir a essência açoriana?
Sim é verdade. Há experiências que vão muito além da gastronomia. Os Açores são um arquipélago de natureza exuberante, tradições enraizadas e uma ligação profunda ao mar.
Uma das experiências mais marcantes é a observação de cetáceos. Os Açores são um dos melhores lugares do mundo para ver baleias e golfinhos no seu habitat natural, e esta conexão com o oceano faz parte da identidade açoriana.
Para quem gosta de caminhadas, recomendo trilhos como a Lagoa do Fogo, na ilha de São Miguel, ou a Montanha do Pico, para os mais aventureiros. Subir ao ponto mais alto de Portugal e ver o nascer do sol lá do topo é uma experiência inesquecível. A nível cultural, uma visita às Furnas, para conhecer as caldeiras e fumarolas, ou um passeio pela Ilha Terceira, com o seu centro histórico classificado pela UNESCO, são experiências que mostram bem a história e o caráter único dos Açores. E claro, um dos momentos mais especiais é simplesmente sentar-se à beira-mar, num final de tarde, e ouvir o som das ondas. Nos Açores, a beleza está muitas vezes nos pequenos detalhes e na forma como a natureza nos envolve.
A essência de uma chef não está apenas nos pratos que cria, mas também nas pequenas coisas que a definem. Entre sabores de infância, refúgios açorianos e um lema de vida inspirador, desvendamos um pouco mais sobre Sónia Melo. Um sabor que a transporta para a infância: Bolachas Maria com margarina! O prato que melhor a define: Tantos… Mas algo que leve massa! Um ingrediente indispensável: Ovos. Se não fosse Chef, seria…. Secretária/Administrativa. Ou, como dizia quando era pequena, advogada. O seu refúgio nos Açores: As Sete Cidades. Uma cozinha do mundo que adora: A cozinha mediterrânica, pela simplicidade e respeito pelos ingredientes. O seu maior prazer gastronómico: Uma refeição bem acompanhada, com boa conversa e bons ingredientes. E um copo de vinho! Um Chef que admira: Tantos… Mas escolho a Ina Garten, pela sua abordagem descomplicada e inspiradora à cozinha. Um momento perfeito tem de incluir… Boa comida, boa bebida, boa companhia e uma vista incrível do pôr do sol. Um livro ou filme que a marcou: Todos os filmes que toquem no assunto da doença mental. São temas muito delicados. O seu lema de vida: “Nada acontece por acaso.” |