A vontade de conviver de perto com o mundo da doçaria fez com que Sílvia Baptista se debruçasse sobre a área e, mais tarde, fundasse a Doce Lourinhã. Para além de ter este espaço, que lhe permite criar e recriar, usando produtos endógenos, a chef é também formadora e está a tirar um mestrado em Ciências Gastronómicas.
A Chef Sílvia Baptista é reconhecida pela sua mestria na criação de produtos de pastelaria, graças a uma abordagem única e inovadora. Pode destacar-nos os pontos cruciais do seu percurso profissional até hoje?
A minha ligação à pastelaria começou por uma razão simples: sempre fui gulosa. Apesar de ter começado mais tarde, o fascínio pelos doces esteve sempre presente. Quando decidi seguir esta paixão, mergulhei de corpo e alma na área, com vontade de aprender e construir algo com identidade própria. Desde o início, criei o meu espaço — a Doce Lourinhã — como forma de dar vida às minhas ideias e desenvolver uma pastelaria com identidade. Ao longo dos anos, fui investindo também na formação contínua e abracei o papel de formadora, o que me tem permitido crescer e partilhar o que sei com os outros.

Que motivações estão por trás da criação da Doce Lourinhã?
A Doce Lourinhã nasceu da vontade de criar um projeto com alma — onde a criatividade pudesse ter espaço e os sabores contassem histórias. Mais do que um negócio, sempre a vi como um prolongamento da minha forma de estar: atenta ao território, às pessoas e às tradições, mas com liberdade para experimentar e inovar. Queria construir um espaço onde fosse possível honrar os ingredientes locais e, ao mesmo tempo, reinterpretar a pastelaria de forma pessoal. A inspiração vem do que me rodeia — das memórias, da paisagem, da identidade da Lourinhã — e é isso que tento transformar em cada criação: algo que diga “somos daqui” e, ao mesmo tempo, surpreenda.
É detentora de várias Marcas Nacionais de renome, registadas no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). Que produtos destacaria e qual a importância desse registo?
Cada produto registado é especial para mim. Destaco a Tarte D. Isabel, feita com abóbora e pevides — símbolo da identidade agrícola da região e homenagem a Isabel Mateus, fundadora do Museu da Lourinhã, que rapidamente se tornou o rosto da Doce Lourinhã.

Os Bombons de Aguardente DOC Lourinhã combinam a aguardente da região — a única com Denominação de Origem Controlada em Portugal — com chocolate Valrhona, reconhecido mundialmente como um dos melhores. Aguardente essa que, felizmente, tem vindo a ser cada vez mais valorizada fora do universo vínico, ganhando espaço noutras áreas — como a pastelaria, a gastronomia criativa e até a cocktailaria.
O Pedro & Inês com ló, inspirado na célebre história de amor, junta chocolate e aguardente numa combinação que evoca memória e emoção. O registo no INPI foi uma decisão natural. Cada criação tem uma identidade própria, e protegê-las é uma forma de respeitar o meu trabalho e valorizar o património imaterial que estou a construir. É uma forma de honrar a região que me inspira e de lhe devolver, em forma de doce, um pouco daquilo que me dá.

A Tarte D. Isabel é um dos ex-líbris da Doce Lourinhã. Porquê? Porque é uma criação que se destacou desde o início — pelo sabor único, pela textura que desafia o paladar e pela identidade que transmite. Não segue modas nem receitas comuns e, talvez, por isso tenha despertado tanta curiosidade. Tem personalidade, memória e presença. Quem a prova, reconhece-lhe algo especial, mesmo sem saber a sua história. É uma tarte que marcou um ponto de viragem no meu percurso e que continua a ser uma das expressões mais autênticas daquilo que quero fazer com a Doce Lourinhã: criar doces com alma.
A sua presença no mundo da pastelaria vai além dos produtos que confeciona. O que lhe acrescenta a vertente de formadora?
Ser formadora é, para mim, uma extensão natural daquilo que faço. Partilhar conhecimento, inspirar outros e acompanhar o crescimento dos alunos é algo profundamente gratificante. Nas aulas, transmito que a pastelaria exige técnica, mas também criatividade e paixão. Dou aulas em escolas profissionais e contextos mais especializados, e encontro sempre energia, curiosidade e talento nos formandos. Essa troca constante motiva-me a continuar a evoluir, a estudar e a refletir sobre o meu papel no setor.

Foi essa inquietação que me levou ao Mestrado em Ciências Gastronómicas, onde cruzo a pastelaria com a educação, a cultura e a ciência. A minha dissertação focar-se-á num projeto educativo interdisciplinar que promove a aprendizagem através da culinária e pastelaria. A ideia é ligar a gastronomia a disciplinas como História, Geografia, Matemática, Ciências, Português ou Cidadania, mostrando que cozinhar pode — e deve — ser também uma ferramenta de ensino e de empatia. Porque ao cozinhar juntos, partilhamos saberes, escutamos o outro, compreendemos diferentes realidades e criamos memórias afetivas. E isso, no fundo, também é formar — com as mãos, com o coração e com respeito pelo outro. Vejo este projeto como uma semente lançada à terra: com potencial para crescer, transformar e inspirar.


Que balanço faz de toda esta jornada da sua vida?
O balanço é muito positivo. Nem sempre foi fácil, mas tudo foi vivido com paixão e sentido. Desde a criação da Doce Lourinhã, tenho tido a oportunidade de fazer o que mais gosto: contar histórias através da pastelaria. Mais do que fazer doces, procuro deixar uma marca — na região, nas pessoas, nos alunos. Sinto que construo um percurso com identidade, onde tradição e inovação andam de mãos dadas. Ainda há muito por fazer, mas sigo com gratidão e com a certeza de que vale a pena continuar, com autenticidade, criatividade e coração.