Etimologicamente, o vocábulo filigrana advém de dois termos latinos: filum e granum que significam, respetivamente, fio de metal e grão ou conta. Nos primórdios, a filigrana era feita exatamente com a mesma técnica de hoje, mas com filas de grânulos (pequenos grãos), de ouro ou prata, todos calibrados ao mesmo tamanho e ao mesmo peso e encaixados em filas, posteriormente soldados, criando um fino fio, advindo daí a palavra filigrana: filas de grânulos.
A presença da exploração mineira em Portugal vem de povos pré-romanos, tendo-se fortalecido durante a presença romana com a exploração de minas nas serras de Pias e Banjas.
Devido à riqueza do solo desta região, e a partir da segunda metade do século XVIII, Gondomar começa a afirmar-se como um dos principais núcleos de desenvolvimento da ourivesaria, sendo hoje a Capital da Ourivesaria e berço da Rota da Filigrana.
Diversos são os locais de produção de filigrana em Portugal, concentrando-se a maioria na região de Entre-Douro-e-Minho. Mas a técnica milenar e artesanal ganhou, nos últimos anos, um novo estatuto no concelho de Gondomar, muito devido à incansável dedicação dos seus artífices e à perseverança da autarquia e entidades locais.
A modernização da indústria da ourivesaria trouxe consigo renovados processos, design contemporâneo e sangue novo, mas a arte respira ainda muita tradição escondida nas recuperadas oficinas artesanais, não fossem elas o que melhor define o próprio setor.
A Rota da Filigrana, criada em 2016, dinamiza e dá a conhecer as oficinas e a arte ancestral aos visitantes portugueses e estrangeiros. que a visitam. A valorização da herança filigraneira chegou, em meados de 2018, com a certificação da produção artesanal, conferindo-lhe o título de Filigrana de Portugal.
Hoje, a filigrana está contida naquele que é o Maior Coração em Filigrana do Mundo e, paralelamente, concorre a Património Imaterial da Humanidade, na esperança de enaltecer mundialmente esta propriedade de alma puramente lusitana.
Fomos ao encontro daqueles que são alguns dos atores principais desta jornada, à descoberta da Rota da Filigrana, que se descreve e testemunha nas páginas que se seguem.
Rota da Filigrana traz ganhos ao setor e à região Montra dinâmica faz luzir setor da ourivesaria
A espécie de rendilhado a metal precioso já cá anda a luzir por entre a mais pura joalharia lusitana, há muito tempo. Mas só em 2014, e por conta da visibilidade dada pela estrela de Hollywood Sharon Stone, ao usar um fio com o famoso coração de Viana, é que a filigrana voltou à ribalta após anos de desinteresse e desvalorização. Antes tarde que nunca. Que o diga Carlos Brás, vereador do Desenvolvimento Económico da Câmara Municipal de Gondomar e responsável pela criação e dinamização da Rota da Filigrana: “A rota é um produto de turismo industrial. Olhando para o património e para esta alta especialização que temos dentro das oficinas tradicionais, e um bocadinho inspirados pelo caso de São João da Madeira, criamos um conceito que permite que os visitantes e os turistas entrem nas oficinas e conheçam o processo produtivo, porque quando conhecem este processo, valorizam-no e olham para as peças como sendo obras de arte”, explica.
Com o objetivo de dar visibilidade ao produto mais identitário da região, a autarquia lançou este trilho, em 2016, que contém cerca de 360 pontos de interesse no território, abrindo literalmente as portas das oficinas familiares e tradicionais (e não só) e mostrando os segredos por traz do processo criativo da arte filigraneira: “A rota da filigrana é muito versátil, porque permite diferenciadas tipologias de visita. Pode-se andar o dia inteiro na rota que não se vê duas vezes a mesma coisa. A rota começa, normalmente, no CINDOR (Centro de Formação Profissional da Indústria de Ourivesaria e Relojoaria), onde se dá uma perspetiva do que é a formação no setor. Depois, é possível visitar oficinas onde, para além de ver, pode-se aprender algumas das principais técnicas inerentes à criação da filigrana. Nestas oficinas, os ourives têm a oportunidade de mostrar e mesmo vender os seus produtos aos turistas”, explica Carlos Brás.
Desde a sua criação que a Rota da Filigrana conta com um número crescente de operadores turísticos, nomeadamente, empresas de cruzeiro que operam no Douro e que apostam neste produto autêntico, diferenciador e complementar à oferta existente na Área Metropolitana do Porto. Visitantes curiosos chegam de todo o país, mas também de todo o mundo: França, Alemanha, EUA, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, são alguns dos mercados que têm particularmente dinamizado o turismo da rota.
Às oficinas, em 2018, chegaram mais de 6300 visitantes e cerca de 6000 passaram pelo Welcome Center Rota da Filigrana, situado na Casa Branca de Gramido, às margens do rio Douro, local onde habitualmente termina o roteiro.
Historicamente, Gondomar e Póvoa de Lanhoso são os dois principais núcleos de produção da filigrana em Portugal, respetivamente, São Cosme e Travassos. A garantia da herança filigraneira era necessária e os dois municípios viram chegar a certificação da Filigrana Portuguesa, em julho do ano passado, numa espécie de afirmação do processo artesanal face aos métodos mecanizados (filigrana injetada), responsáveis pela desvalorização e banalização da técnica.
Hoje, o Caderno de Especificações, documento base que serviu para o processo de certificação é onde constam as regras a cumprir na tipologia tradicional da filigrana portuguesa, bem como os utensílios e ferramentas a utilizar: “A criação da marca Filigrana de Portugal é uma questão de autenticidade. Alguns dos filigraneiros que não aderiram na primeira fase, hoje estão a querer aderir, porque já perceberam os benefícios desta certificação. Nomeadamente, o poderem comprovar, dar a garantia ao cliente de que compram uma peça produzida de forma artesanal, uma peça única. Porque, sendo feitas à mão, não há duas peças iguais”, atesta Carlos Brás.
Para elevar a filigrana a um novo patamar surge, agora, a candidatura a Património Imaterial da Humanidade. Num projeto conjunto com a autarquia da Póvoa de Lanhoso, o trabalho de investigação encontra-se já numa reta final para que, logo que concluído, seja submetida a proposta: “Estamos a fazer um trabalho de investigação minucioso, porque o que existe até agora é um conjunto de conhecimentos e informações dispersas e de base empírica. A memória foi-se perdendo e o que estamos a fazer é recuperá-la através de uma busca antropológica, sociológica e histórica. Já temos identificadas árvores genealógicas inteiras de famílias de ourives, já temos objetos reconhecidos que nos ligam a muito antes do séc. XVIII que é a data mais remota de memória da indústria em Gondomar”, acentua Carlos Brás que acredita que a distinção “criaria um projeto de salvaguarda e nunca mais se perdia a arte da filigrana. Ficaria indelevelmente registada”.
2018 foi um ano excecionalmente ativo na dinamização do setor da ourivesaria gondomarense, nomeadamente da Rota da Filigrana, com várias ações promocionais externas levadas a cabo pela autarquia, maioritariamente na Europa e na Ásia.
2019 centrar-se-á, sobretudo, no retorno desse esforço, fazendo, agora, o acolhimento das empresas e entidades contactadas nas atividades desenvolvidas no ano anterior.
Além disso, o camarário gondomaranse dará continuidade ao processo de acrescento de valor e reconhecimento da ourivesaria e da Filigrana de Portugal, através da promoção e participação em eventos, da dinamização do GoldPark e de outros projetos paralelos com parceiros ligados ao setor.