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Eficácia da quarentena comprovada com um texto português do século XVI

Foi descoberto por um cientista australiano um texto português, que data do século XVI, comprovando que o isolamento pode impedir a globalização de uma doença, como aconteceu este ano, com o surto do novo coronavírus.

Sanjaya Senanayake, professor de doenças infecciosas na Universidade Nacional da Austrália, em Camberra, descobriu um texto português que se revela muito interessante e que pode ser comparado à situação que o mundo atualmente atravessa. Segundo o professor e em declarações à agência Lusa, o texto “é um registo antigo de uma doença que passa de animais para humanos, e mostra que a quarentena pode ser eficaz para a travar”.

O texto em questão é uma passagem do “Tratado das ilhas Maluco e dos costumes índios e de tudo o mais”, cujo autor é desconhecido, sendo-lhe atribuído o nome de António Galvão, o governador descrito nesse texto. O manuscrito em questão foi encontrado no Arquivo Geral das Índias, em Sevilha e publicado em inglês em 1971 e em português em 1989. Nessa peça, é narrado um surto de uma doença no final de abril de 1539, que numa primeira fase matou galinhas e depois vitimou homens.

No texto pode-se ler “”com os ventos sul, veio esta enfermidade a Bachão [Bacan]; logo se espalhou por todas as ilhas, começando nas galinhas (…), que de António Galvão se acharam mais de cinquenta ou sessenta mortas, que se empolavam sãs e gordas; e depois lhe adoeceram passante de cento e dez pessoas, entre criados e escravos, que só um não ficou e a mor parte lhe faleceu, afora os portugueses e filhos deles”. O autor continua indicando que “por toda a terra era este mal tão geral que os não podiam enterrar e o mar era coalhado dos mortos e muitos lugares despovoados; andavam os homens e mulheres como pasmados, dizendo que nunca tal viram nem ouviram aos antepassados”.

Em 2007, quando o mundo enfrentava a pandemia da gripe suína ou gripe A, Sanjaya Senanayake e o historiador Brett Baker já tinham publicado o artigo na revista cientifica, The Medical Journal of Australia. Na altura, os investigadores concluíram que “a epidemia do século XVI provavelmente não se espalhou devido ao isolamento das ilhas do resto do mundo por causa de padrões comerciais determinados pelo clima [monção]. Isto reforça o valor da quarentena (mesmo não intencional) ou do isolamento como medida de saúde pública. Dada a facilidade de circulação global de pessoas, animais e cargas na era moderna, a sua aplicação será agora um desafio muito maior”.

13 anos depois e em declarações à Lusa, o australiano admite que o texto “não ajudou necessariamente a combater a gripe suína”, mas que mostrou que o isolamento intencional das ilhas próximas de Ternate, por não haver navegação do comércio das especiarias, devido à ausência de vento, terá evitado o contágio da doença de animais para os homens.

Senanayake não tem duvidas em concluir que a quarentena é a melhor medida de combate à COVID-19, uma doença que beneficiou com a globalização. “As três coisas que usamos para combater a pandemia são quarentena, vacinas e medicamentos. São as três grandes ferramentas que temos para a COVID-19”, reitera.

O especialista conclui ainda que a quarentena é uma boa maneira de parar ou, pelo menos, de retardar um surto. E foi o que vimos neste texto português: “a quarentena não intencional por causa das estações climáticas e a difícil acessibilidade mostram que a mesma pode ser eficaz”, numa altura em que a vacina poderá demorar ainda “10 ou 12 meses” e não se sabe se haverá medicação eficaz em quantidades suficientes para tratar de “milhões, dezenas de milhões ou centenas de milhões de pessoas”.

Sobre o final da crise da COVID-19, o australiano não consegue dar garantias do seu desaparecimento, relembrando a gripe espanhola de 1918, que matou 50 milhões de pessoas, onde “houve uma primeira onda que não foi tão má e, pouco tempo depois, houve uma segunda onda que foi muito, muito má”.