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“Cada uma de nós tem que fazer a sua parte para uma sociedade cada vez mais inclusiva.”

Carla Monteiro

Aos dez anos já dizia que queria ser advogada e o sonho concretizou-se, com um sólido e meritório percurso académico, iniciado em Portugal e que prosseguiu em Cabo Verde. É a partir desse belo arquipélago atlântico, onde nasceu, que Carla Monteiro trabalha atualmente com clientes de vários países unidos pela língua portuguesa. Um percurso de grande sucesso para conhecermos nesta entrevista em que a Advogada não se esquece de nos desejar a todos “um Feliz 2022 com muita saúde!”

Comece por nos falar de si, Carla Monteiro. Sempre quis ser advogada?
Nasci e cresci em Cabo Verde. Desde os dez anos já dizia que queria ser advogada. Sempre fui muito dedicada nos estudos, tendo conseguido uma bolsa de mérito da Fundação Calouste Gulbenkian para frequentar o Curso. Assim, em 2000, rumei a Portugal, onde graduei Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa e pós-graduei em Direito das Sociedades Comerciais pela Faculdade de Direito da Universidade Católica de Lisboa. Exerci a advocacia em Portugal por 3 anos no escritório RSA – Raposo Subtil e Associados, onde tive a oportunidade de aprender e conviver com grandes profissionais. O ritmo intenso das demandas e a exigência imposta durante este período na RSA ensinaram-me que para vencer na advocacia deve-se trabalhar muito e todos os dias, ser leal com os seus colegas e intelectualmente honesto com os clientes. Desde 2008 regressei e me estabeleci em Cabo Verde, atuando com especial foco nas Ilhas do Sal e da Boa Vista. Já em Cabo Verde, fiz uma Pós-Graduação em Direito Municipal, do Ordenamento do Território, do Urbanismo e da Construção pelo Instituto Superior de Ciências Jurídicas e Sociais, na Cidade da Praia, o que me permitiu sedimentar valências para assessorar autarquias e outras pessoas coletivas públicas. A par do exercício da advocacia, tenho algumas publicações em revistas jurídicas, sou júri em concursos públicos e Vice-Presidente da Comissão Especializada para a Criação do Centro de Arbitragem da Comunidade Econômica da CPLP.

Quais são as suas grandes inspirações para a sua vida profissional e pessoal?
As minhas grandes inspirações para a minha vida são em primeiro lugar os meus pais. Ambos sempre me motivaram a me formar e exercer a minha atividade. O meu pai foi um grande empreendedor, tendo formado o seu império na área da Oficina mecânica e do patrimônio imobiliário desde muito cedo. A minha mãe é o pilar da nossa família, tendo me transmitido bons princípios e valores, que me acompanham tanto na minha vida profissional como pessoal. Para a área do direito tive uma forte influência do meu avô materno, que foi escrivão no tribunal de comarca e desempenhou as funções de defensor oficioso durante vários anos, quando não havia muitos advogados em exercício na sua comarca. A nível profissional, não poderia deixar de mencionar duas pessoas que tiveram uma especial influência na minha carreira: o Dr. Luís M. Martins e o Dr. Raposo Subtil, os meus patronos de facto e de direito, respetivamente, e a quem devo muito do que sou profissionalmente.

Quais são as áreas que mais a cativam no mundo do Direito?
Sempre tive uma enorme tendência para o direito privado, em particular as áreas de direito real e do imobiliário, das sociedades comerciais, bancário e fiscal. No entanto, confesso que, desde a Faculdade, me apaixonei pelo direito administrativo (público), tendo estudado a título complementar a cadeira de Direito Administrativo II – a qual era específica da área de ciências políticas, enquanto que eu tinha enveredado pela área de ciências jurídicas. Daí a minha opção pelas pós-graduações que fiz nestas duas áreas.

Fundou o seu gabinete de advocacia em 2008, em parceria com uma advogada portuguesa, Alexandra Pereira, com mais de 25 anos de experiência. Na altura a Carla Monteiro era ainda muito jovem – foi fundamental esta aliança entre a irreverência e a maturidade para a solidez do vosso projeto?
Sem dúvida. A parceria com a Alexandra Pereira revelou-se um sucesso, em primeiro lugar pela empatia natural que nos uniu desde o primeiro momento e depois pelo meu empenho e dedicação que resultou no crescimento da carteira de clientes na área do Imobiliário e da exploração turística que a Alexandra Pereira já contava em 2008. Assim, a aliança entre a audácia característica da juventude e o conhecimento e experiência da Alexandra Pereira constituiu o alicerce sólido deste projeto, que se desenvolveu e se expandiu para outras áreas do Direito ao longo destes anos.

As parcerias que lhe permitem alargar horizontes para fora de Cabo Verde têm sido decisivas no seu sucesso?
Desde cedo, e muito por influência da Alexandra Pereira, constatei que seria necessário estabelecer parcerias internacionais para que o escritório pudesse ter uma dimensão transnacional. Assim, de forma a fornecer uma melhor e mais completa assessoria aos nossos clientes, estabeleci parcerias especializadas com advogados a nível mundial, potenciando o investimento externo e assegurando o acompanhamento dos clientes em Cabo Verde e no seu país de origem/residência, bem como nos países de língua oficial portuguesa, com quem Cabo Verde tem uma forte ligação comercial.

A Carla Monteiro participou recentemente num debate sobre Solução de Litígios nos Países da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), com colegas do Brasil, Macau e Angola, por exemplo. Pegando na célebre frase de Fernando Pessoa, “a minha pátria é a língua portuguesa”, o que significa para si esta relação entre diferentes países e culturas que se unem numa mesma língua?
No âmbito da CPLP, a língua é sem dúvida uma grande vantagem e ponto de união. Cabo Verde tem relações comerciais especiais e constantes com os restantes países da CPLP, pelo que este contacto estreito com colegas daqueles países potenciam um acompanhamento mais personalizado aos nossos clientes que desenvolvem a sua atividade nos países da CPLP. Aproveitando as novas tecnologias, que ganharam particular relevância neste ambiente de Pandemia, conseguimos, hoje em dia, estar em contacto com colegas nos diferentes países, discutindo temas atuais e partilhando conhecimento sem sair do nosso escritório.

Olhando para o seu perfil e percurso percebemos que o facto de ser mulher no mundo jurídico não se revelou uma dificuldade acrescida. Porquê?
De facto, o género nunca foi um entrave no meu percurso. Tenho trabalhado maioritariamente com homens e nunca me senti discriminada. Acredito que a minha personalidade prática, exigente e objetiva conjugada com a diversidade cultural das sociedades onde já vivi poderá ter contribuído para que o meu trabalho fosse analisado e criticado independentemente de ser mulher. No mundo jurídico em Cabo Verde, não obstante ainda ser dominado por uma percentagem superior de homens em comparação com mulheres, destaco que o primeiro Bastonário da Ordem de Advogados de Cabo Verde (OACV) foi uma mulher.

Sente que pode ser uma inspiração para outras mulheres, particularmente no mundo corporativo?
Espero que sim, pois as mulheres devem buscar o seu lugar no mercado de trabalho, competindo em igualdade de circunstâncias com os homens. Muito se tem falado na igualdade de género, os Governos têm instituído políticas de quotas tendo em vista a paridade, mas ainda temos um caminho longo pela frente. A sociedade cabo verdiana é culturalmente machista, devendo esta tendência ser revertida na educação para que quando as mulheres cheguem na idade adulta e no momento de se ingressar no mercado de trabalho, não tenham que vencer este preconceito antes mesmo de serem avaliadas pela sua competência. As crianças devem crescer sabendo que devem ter as mesmas oportunidades, independentemente do seu género. Não podem ser estigmatizadas com as frases “este não é brincadeira de menina”, “tens que fazer o trabalho doméstico porque és menina”, muito menos serem educadas para servir o pai e os irmãos. As crianças devem dividir as tarefas domésticas de forma igualitária para que no futuro possam se comportar na sociedade em conformidade com esta igualdade de tratamento. As mães têm um papel fundamental nesta mudança de paradigma. Cada uma de nós tem que fazer a sua parte para uma sociedade cada vez mais inclusiva.

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