Ação Social

A história da Misericórdia “é também a história de Tomar”

Em 511 anos de existência a Santa Casa de Misericórdia de Tomar (SCMT) nunca deixou de prestar serviço à comunidade. Durante muito tempo foi a única instituição social no concelho e a principal na prestação de cuidados de saúde à população. Esta relação contínua com os tomarenses que se entrelaça com a própria história do concelho é motivo de orgulho para o Provedor da Misericórdia, António Alexandre. Em entrevista à IN, o responsável falou-nos de uma instituição com projetos como o Complexo Social e de Saúde que, a concretizar-se, duplicará o número de utentes e de funcionários daquela que é já a maior IPSS de Tomar. Em execução está também um Núcleo Museológico para mostrar aos tomarenses e visitantes o património artístico e a história da instituição.

Quando se candidatou a provedor da Misericórdia em 2018, António Alexandre definiu que uma das prioridades do seu mandato era dar a conhecer a instituição para que esta fosse conhecida. “A população continua a desconhecer a essência daquilo que foi, é e pode ser o papel da Misericórdia. E isso é uma questão que me preocupa”, admite.

Mas desde que a pandemia começou sente que houve por parte das famílias “uma maior manifestação de reconhecimento” sendo que este, no fundo, “sempre existiu”. Simplesmente agora revela-se através de gestos como o agradecimento à Misericórdia quando há o falecimento de um familiar que esteve ao cuidado da instituição. “Isso é para mim uma grande conquista já neste mandato: é a maior perceção por parte das pessoas do trabalho que fazemos, e esse trabalho é o daqueles que tratam diretamente dos utentes, as encarregadas, as diretoras, os enfermeiros, todo o pessoal”. Como todas as instituições a SCMT teve dificuldades sobretudo durante o início da pandemia, mas que não se fizeram sentir ao nível da saúde dos utentes, da qualidade dos serviços prestados nem do equilíbrio financeiro da instituição.

Em junho do ano passado a instituição lançou o Jornal “A Voz do Nabão” que funciona como um “órgão noticioso”. Em vez dos tradicionais boletins informativos optou-se por um meio de comunicação escolhido por outras misericórdias e pela própria União das Misericórdias Portuguesas. A ideia é a publicação ser semestral, mas por causa da pandemia a segunda edição só foi distribuída recentemente e está disponível no site da instituição (www.scmt.pt). É um instrumento que pretende mostrar a instituição “não tanto ao nível das atividades” que dinamiza mas no que toca à história e ao património da Misericórdia, esclarece António Alexandre.

É que para o responsável da SCMT é fundamental passar a mensagem do que tem sido a história de dedicação da instituição à sua comunidade. E divulgar o que aconteceu, por exemplo, quando depois do 25 de Abril o Estado nacionalizou o hospital da Misericórdia que deixou assim de ter os cuidados da saúde dos tomarenses a seu cargo. Mais tarde, já com um hospital público construído, a IPSS viria novamente a ocupar o espaço que nunca deixou de ser seu – o Estado sempre pagou renda à instituição – mas agora com novas valências. “Há aqui sobretudo por parte das novas gerações e também nalgumas mais velhas alguma desatenção sobre o papel que foi interrompido. Até ao 25 de Abril havia um papel muito mais importante, forte e único, porque na saúde éramos os únicos (…) mas o papel e a importância de assistência social, apoio social e até de saúde às pessoas continua a ser importante e marcante em Tomar. Somos a maior IPSS no concelho de Tomar”, lembra António Alexandre.

Novo equipamento social
A ser concretizado o Novo Complexo Social e de Saúde permitirá a construção de uma unidade de cuidados continuados para 120 camas, ter um lar para 100 camas e um centro de dia para mais 40 pessoas. Em termos práticos isto significa duplicar em poucos anos quer o número de utentes quer o de trabalhadores – são agora cerca de 150 – o que é importante para uma região que, como muitas no país, necessita de criar emprego e fixar a população.

Este que é um “projeto viável e ambicioso”, nas palavras de António Alexandre, para o qual existe terreno resultante de uma doação, o apoio da Câmara e condições técnicas e financeiras – é elegível a uma candidatura aos fundos do Plano de Recuperação e Resiliência – só está a sofrer pela demora. O processo já se arrasta há mais de um ano e o receio do Provedor é que se perca esta janela de oportunidade para a criação de um novo equipamento social de que há necessidade em Tomar.

A IPSS oferece várias valências como o Lar Nossa Senhora da Graça, a Unidade de Cuidados Continuados de Longa Duração e Manutenção, o Centro de Dia e o Serviço de Apoio Domiciliário. Ao todo a Misericórdia presta apoio diário a cerca de 250 utentes. Ao nível da oferta destacam-se ainda as Residências Assistidas destinadas a idosos com mais autonomia e a farmácia. Fundada em 1893 no antigo hospital da Santa Casa, situa-se hoje no edifício sede e os seus lucros são investidos em áreas mais deficitárias da Misericórdia.

Património
Entre o património da Misericórdia conta-se a Igreja de Nossa Senhora da Graça que é contemporânea da fundação da instituição. A intervenção a que foi sujeita preparou-a para receber um conjunto de “pinturas e imagens antigas” que estão na posse da Misericórdia. Pretende-se que a Igreja em conjunto com a Casa do Despacho, agora em obras, forme um núcleo museológico destinado aos tomarenses e turistas num projeto que tem o apoio da Câmara Municipal. “Este núcleo museológico é muito importante porque no fundo é a história da Misericórdia, é património da Misericórdia, mas é também a História de Tomar nos últimos 511 anos. Não se pode separar a Misericórdia da história da cidade, da história do concelho, nós fazemos parte ativa com memórias vivas e com um património que é visitável e de importância cultural”, afirma António Alexandre.

A propósito de património e da Festa dos Tabuleiros, também nesta tradição a Misericórdia tem um papel fundamental – “é a fiel depositária” das coroas e do Pendão do Espírito Santo da Cidade de Tomar durante os quatro anos que medeiam as festas. Esta decisão, como todas as outras relativas a uma festa que é do povo, coube à comunidade e é vista pelo Provedor como um sinal de “valorização” da instituição. É junto à sede da Misericórdia que têm início “todas as saídas de coroas”, o provedor da Santa Casa faz, por inerência, parte da comissão central da festa, e a Misericórdia participa ativamente na preparação e na própria celebração.

António Alexandre é naturalmente defensor da elevação da Festa dos Tabuleiros a Património Nacional, a primeira etapa para que se possa candidatar a Património Mundial. E vai mais longe dizendo que “Tomar devia ser reconhecida como o centro da portugalidade” dada a sua importância estratégica, por exemplo, ao nível dos Descobrimentos. O conjunto arquitetónico do castelo e do Convento de Cristo é considerado o sítio mais importante de história templária do mundo – o próprio Infante D. Henrique foi grão-mestre da Ordem de Cristo e durante mais de uma década viveu em Tomar onde planeou os Descobrimentos. “A importância que, ao tempo, Tomar e a Misericórdia tinham, é muito superior àquilo que é o conhecimento de hoje das gerações não só de tomarenses mas sobretudo das pessoas do mundo que gostam de conhecer a História”, conclui António Alexandre.