Por Ana Jacinto, Secretária-Geral da AHRESP – Associação da Restauração, Hotelaria e Similares de Portugal
Numa matéria tão sensível como a habitação, todo o cuidado é muito pouco. Legislar, tomando como ponto de partida o direito constitucional (programático), de ter um teto para viver, também carece da máxima ponderação e de uma análise detalhada, e sobretudo honesta, que não culmine na identificação de “bodes expiatórios” infundados.
Num pacote como o “Mais Habitação” que tem como principal finalidade aumentar a oferta de casas no país, não se pode apontar o Alojamento Local (AL) como a “ovelha negra” do rebanho, porque esta atividade económica não é, de todo motivo do grave problema da habitação em Portugal, como se tem dado a entender.
Mas vamos, não a ideologias, mas a factos concretos. O AL “ocupa” menos de 2% das casas em Portugal, enquanto o número de casas devolutas e/ou sem uso é incomensuravelmente superior. E, lamentavelmente, esta, que poderia ser uma resposta efetiva ao problema, parece não ser o foco do Estado, que usa agora o AL como uma solução, aparentemente fácil (porque utiliza os recursos que outros valorizaram), mas que não irá produzir os resultados desejados, pois não há qualquer garantia de que esses mesmos imóveis entrem no mercado de arrendamento ou venda.
Aniquilar as micro e pequenas empresas de AL não resolve esta crise e apenas terá como resultado o sacrificar de famílias que dependem, em exclusivo, dos rendimentos desta atividade. Impor medidas infundadas ao AL, sem qualquer razão válida, não é a via mais acertada, nem credível, para garantir que todos os portugueses têm direito a uma habitação condigna.
Falo por mim, mas também pela instituição que represento, que já deu a conhecer as suas propostas de total reversão de medidas injustificadas, como a suspensão da emissão de novos registos, devolvendo-se aos municípios o poder de criarem áreas de contenção; a possibilidade de os condomínios poderem pôr termo aos registos concedidos sem a sua aprovação; ou a intenção de se criar uma contribuição discriminatória sobre o AL.
Quando a realidade estatística revela que 70% do AL está fora dos centros urbanos, onde se afirma que o problema é mais grave, então as soluções têm de ser, obrigatoriamente, outras. Construa-se mais, reabilite-se o património para se colocar no mercado, criem-se apoios ao arrendamento e incentivos fiscais. Desenvolva-se a rede de transportes nas áreas metropolitanas de forma a se tornarem mais atrativas zonas que até agora não o são.
Antes de se proporem soluções, obriga a lei do bom-senso a quem governa um país e a quem tem nas pessoas o seu bem mais precioso, que se proceda a uma análise séria e se tenham em conta os dados reais, e não os que se querem passar através do “diz que disse”, criando uma perceção errada na opinião pública. O Estado tem o dever de respeitar quem, honestamente, desenvolve a atividade do AL e muito contribui para o bem da economia. O AL não foi, nem nunca será, uma atividade de grandes empresários, mas sim maioritariamente de empresários que exploram um ou dois alojamentos e têm a sua fonte de subsistência assente nessa atividade.
Algumas alterações ao Pacote “Mais Habitação” proposto inicialmente já aconteceram, mas continuam a não ser suficientes e equilibradas. Agora que se inicia o processo legislativo na Assembleia da República é responsabilidade de todas as forças políticas ouvirem e lerem as propostas de entidades e empresários, com “olhos de ver”, para se levar a bom porto a melhor solução para o real problema. Só assim será possível, como desejo, acabar com o “bode expiatório” que muitos teimam em alimentar.