No cenário atual, onde a automação e a rápida evolução tecnológica transformam o mercado de trabalho a uma velocidade nunca antes vista, a necessidade de adaptação e desenvolvimento contínuo torna-se ainda mais premente. Há profissões em risco de desaparecer e antecipam-se novas necessidades. Sandra Soares, CEO da Brain Power, dá-nos a sua visão sobre a importância da formação profissional neste contexto, abordando temas como a retenção de talento, as competências mais valorizadas e as estratégias essenciais para manter-se relevante num mercado de trabalho em constante transformação.
Num mercado de trabalho cada vez mais automatizado e em constante evolução, qual é a importância que atribui à formação profissional?
É de senso comum que o mercado de trabalho está cada vez mais automatizado e robotizado e com esta realidade, nós, os gestores de empresas, os gestores de equipas e qualquer trabalhador, ganhamos receios de como será o futuro. Surgem-nos questões como: Que profissões vão desaparecer? Que postos de trabalho estão em risco? Será que existirá uma força de trabalho que se irá ver sem ocupação devido a tamanha evolução?
Com tal paradigma, onde tudo também está muito mais acelerado, os timings em que precisamos de ter e de dar respostas são muito mais curtos e o tempo que temos para nos conseguirmos adaptar também. Assim, surge uma necessidade urgente de capacitar os profissionais com competências que os ajudem a adaptarem- se quase instantaneamente a novos desafios e realidades, a novas tarefas que irão surgir quando outras forem substituídas ou complementadas pela tecnologia e a serem versáteis para conseguirem dar resposta a tudo isto.
Neste sentido, considero que só através da formação contínua com foco no desenvolvimento pessoal é que lhes dará as ferramentas certas para que consigam ganhar estas competências e aperfeiçoá-las. Não é que a formação mais académica, não seja importante. Contudo, nos dias que correm ter uma licenciatura é praticamente banal, ter mestrado ou doutoramento pode ser algo diferenciador, mas as habilitações académicas não têm hoje a mesma importância que tinham há uns anos atrás. Para além disso, o conhecimento que adquirimos ao longo do nosso percurso académico, além de ser finito e circunscrito àquele período, muitas vezes mais de 50% não se aplica no mercado de trabalho. Onde eu quero chegar é que as competências académicas são importantes para serem o ponto de partida, mas a partir daí qualquer profissional que se queira diferenciar no mercado, seja em que área for, precisa de se ir cultivando constantemente, precisa de adquirir conhecimentos e competências ao longo do tempo e não se ficar apenas pelo seu percurso académico. Em suma, acredito mesmo que a formação contínua é absolutamente fundamental para um profissional se manter relevante no mercado de trabalho de hoje e do futuro!
Na sua opinião, quais são as competências mais valorizadas neste contexto de trabalho automatizado?
Na minha opinião, as competências mais valorizadas neste contexto e que considero que no futuro ganharão ainda mais preponderância são de facto as soft skills, em especial a inteligência emocional. As hard skills são as mais fáceis de no futuro poderem ser desempenhadas pela tecnologia, porque são competências técnicas, racionais, medíveis e quantificáveis. No entanto, as soft skills serão extremamente difíceis, para não dizer praticamente impossíveis de serem postas em prática por robots.
Estas competências interpessoais, são características exclusivamente humanas que envolvem a forma como nos comunicamos, colaboramos, resolvemos problemas e nos relacionamos uns com os outros. Embora os avanços na área da inteligência artificial e na automação estejam a transformar a forma como trabalhamos, as soft skills permanecem essenciais e altamente valorizadas. As máquinas podem ser programadas para executar tarefas específicas e realizar cálculos complexos, mas ainda não podem replicar a profundidade e a complexidade das interações e relações humanas.
Por exemplo, embora os chatbots possam lidar com interações básicas quando um candidato faz uma submissão de uma candidatura ou um cliente procura algum tipo de apoio e esta ferramenta faz o atendimento inicial, estes mecanismos não são capazes de ter empatia genuína ou entender as nuances das emoções da pessoa com quem estão a interagir.
Ainda que a automação venha complementar as capacidades humanas, ajudando a otimizar e a facilitar o trabalho, dificilmente as substituirão completamente. Vamos continuar a precisar de pessoas para trazerem a flexibilidade, a versatilidade, a adaptabilidade, a capacidade de liderança, a resolução de problemas e as tomadas de decisão. Portanto, as soft skills continuam a ser uma vantagem competitiva significativa no mercado de trabalho.
Quais são as principais iniciativas de formação profissional desenvolvidas pela Brain Power para ajudar os profissionais a adaptarem-se às exigências do mercado atual?
As principais iniciativas que a Brain Power organiza para ajudarmos os nossos profissionais a adaptarem-se às exigências do mercado atual são essencialmente duas: o plano formativo com foco no desenvolvimento pessoal para o ano inteiro e atividades de team building.
Relativamente ao plano formativo, neste campo, para nós é essencial termos uma proximidade com cada membro da equipa, para que consigamos desenhar programas de formação personalizados e de acordo com as necessidades previamente identificadas e as ambições profissionais de cada colaborador.
Tentamos ao máximo alienar os objetivos organizacionais com os objetivos pessoais de cada profissional, fazendo com que cada um deles se sinta parte integrante do projeto e que realmente faz a diferença na nossa equipa.
No que respeita às atividades de team building, além de descontraírem a equipa, são ótimas oportunidades para que os nossos profissionais coloquem em prática, num ambiente seguro e controlado, as técnicas e conhecimentos que adquirem nas formações. É um local de experimentação fundamental, pois é na tentativa erro que também está uma parte fulcral da aprendizagem, mas que no trabalho real os profissionais não podem tão livremente fazer esse caminho da experimentação. Contudo, esta vontade de desenvolvimento contínuo tem de partir não só por parte da empresa que é responsável por dar as condições para tal, mas também por parte do profissional. Um profissional que não queira investir no seu desenvolvimento pessoal e aprendizagem contínua, ou uma empresa que não dê as condições para tal aos seus profissionais, ambos estão destinados à irrelevância e, consequentemente, ao fracasso, pois passam a estar obsoletos, desatualizados, deixam de ser procurados pelo mercado.
Tendo em consideração a rápida evolução do mercado de trabalho, que medidas sugere para que as pessoas se mantenham relevantes e competitivas ao longo da sua vida profissional?
Para que as pessoas se mantenham relevantes e competitivas ao longo da vida profissional é importante cultivarem-se continuamente e trabalharem nelas enquanto pessoas. Há uma coisa que eu acho muito importante de nós aprendermos com as novas gerações de profissionais, é a não ficarmos agarrados a uma empresa ou a um cargo, a não nos deixarmos sentir que temos lugar cativo. Este cenário que vivemos hoje é muito díspar do que vivíamos há 20 e 30 anos quando iniciei a minha carreira. Nesse tempo, acabávamos o nosso curso ou qualquer outra formação profissional e tínhamos um único emprego para toda a vida, supostamente sinónimo de estabilidade. Era apenas isto a ambição do trabalhador comum e até era mal visto “abandonarmos” a empresa onde estávamos e partirmos para novos desafios.
Mas esta sede de novas experiências que os jovens têm, que vai muito além da remuneração monetária embora esta seja importante, fomenta a criatividade, a versatilidade, a adaptabilidade, entre outras habilidades. Estas competências são fundamentais para o mundo profissional que estamos a construir. Com isto não estou a defender que devemos estar constantemente a mudar de sítio, contudo quando sentirmos que já não estamos a ser desafiados, está na hora de mudar. E às vezes mudar até pode acontecer na mesma empresa, com novos projetos ou experimentar áreas diferentes. No fundo, desenvolvermo-nos enquanto pessoas vai tornar-nos melhores profissionais. E para este desenvolvimento pessoal não há uma fórmula certa, ele deve ser orientado para os objetivos e metas de cada um.
Encara a Inteligência Artificial mais como uma ferramenta ao serviço das pessoas ou como uma ameaça aos postos de trabalho?
A esta pergunta não tenho uma resposta fechada de sim ou não, mas um depende. A inteligência artificial (IA) pode ser vista tanto como uma ferramenta ao serviço das pessoas, mas também como uma potencial ameaça aos postos de trabalho, depende é da forma como é implementada e gerida. Enquanto ferramenta ao serviço das pessoas, considero que possa ser uma inovação fantástica para automatização de tarefas repetitivas, libertando as equipas para se concentrarem em tarefas mais criativas e estratégicas. Ainda, ao analisar grandes volumes de dados em tempo real, a IA pode ajudar os líderes a tomar decisões mais informadas e eficientes, aumentando a produtividade e a eficácia das suas equipas. No entanto, se tivermos gestores desprovidos de liderança humanizada, a inteligência artificial irá criar vários problemas. O mais grave será o facto de alimentar a desigualdade económica, pois a necessidade de requalificar talento vai ser urgente e eles não vão ter esse tipo de preocupação, o que irá fazer com que estas pessoas possam ficar sem o seu posto de trabalho.
“A formação contínua é fundamental para um profissional se manter relevante no mercado de trabalho de hoje e do futuro!”
Contudo, eu olho para a inteligência artificial como uma mais-valia para a minha empresa e para as minhas pessoas. É por isso que nos focamos tanto na inteligência emocional nos planos formativos, pois é ela que nos permitirá olhar para a inteligência artificial, bem como para outras inovações tecnológicas, como um alicerce ao nosso desempenho e não uma ameaça. Ou seja, a inteligência emocional e a inteligência artificial não são concorrentes, elas complementam-se. Ainda, é crucial que sejam adotadas políticas que garantam uma transição justa e equitativa para uma economia impulsionada pela IA, protegendo os trabalhadores vulneráveis e investindo em educação e requalificação profissional.
Quais são os principais desafios enfrentados pela Brain Power, e pelas empresas com que colaboram, no que toca à retenção de talento no mercado laboral atual?
A retenção de talentos é um desafio significativo, diria para todas as empresas no mercado de trabalho atual. Neste sentido, diria que os desafios que enfrentamos são comuns a todas as áreas de negócio. Atualmente, as pessoas procuram um tratamento cada vez mais personalizado, falando mesmo em salário emocional como um complemente ao salário monetário e entender o que para elas lhes fará diferença, em grandes estruturas pode ser difícil de alimentar essa proximidade e personalização. Para além disso, com um mundo cada vez mais acelerado, os profissionais sentem- se mais exacerbados, não paramos, e isso cria altos níveis de stress e até de esgotamento, o que é um fator preocupante também na retenção de talento.
Ainda, no caso específico de Portugal, conseguir reter a mão de obra mais qualificada tem sido uma das grandes dificuldades. Uma vez que neste momento qualquer profissional pode estar em Portugal e trabalhar para qualquer parte do mundo, normalmente com melhores condições. Tal facto, cria um grave problema às empresas nacionais, pois não conseguem competir com as condições oferecidas internacionalmente, muitas vezes devido à política económica, laboral e fiscal que o nosso país oferece.
Que estratégias considera essenciais para atrair e reter talentos qualificados numa empresa?
Uma das estratégias que eu considero essenciais para uma retenção de talento eficaz é a oferta de planos formativos de acordo com as ambições de cada profissional, que promovam o crescimento pessoal e o profissional se sinta valorizado. Na Brain Power defendemos que as pessoas não são números, tal implica que conheçamos ao detalhe cada colaborador para que consigamos desenhar o seu plano formativo totalmente alinhado com as necessidades da empresa e do colaborador.
Ainda, as empresas devem ter uma abordagem mais flexível no que toca à gestão de equipas e à forma como distribuem o trabalho, que permita que as pessoas consigam ter um maior equilíbrio entre a vida profissional e a vida pessoal. Ainda, mesmo em termos de liderança, os líderes necessitam de ter uma abordagem personalizada com cada membro da equipa. Ou seja, tem de saber identificar que estratégias resultam melhor, em termos de motivação, chamadas de atenção, etc, com cada membro da sua equipa, uma vez que são todos pessoas diferentes, com ambições, crenças e valores distintos.
Contudo, hoje em dia é importante olhar para a eficácia da retenção de talento, não através do tempo em que o profissional está na empresa, mas sim o quanto a empresa cresce ou cresceu com a sua presença. Já não existem profissões para a vida toda e por isso, também já não existem empresas onde ficamos eternamente. Desta forma, as empresas têm de saber conviver com a rotatividade das suas equipas e saber aproveitar o potencial máximo de cada profissional enquanto este pertencer à equipa.
O que falta a Portugal para conseguir captar mais investimento, nacional e estrangeiro?
O que falta a Portugal para conseguirmos captar mais investimento, tanto nacional e estrangeiro, na minha opinião, são políticas que de facto incentivem empreendedores a criar ou a expandir os seus negócios. Considero que ainda há um longo caminho a percorrer no que respeita à melhoria do ambiente regulatório, é necessário simplificar e agilizar os processos burocráticos para a criação de empresas, obtenção de licenças e aprovação de projetos. Ainda, é necessária a criação de mais incentivos fiscais competitivos com o resto da Europa, para conseguirmos atrair mais investimento, especialmente em setores-chave para o desenvolvimento económico do país.
“O projeto Brain Power é em si um forte contributo para superarmos, enquanto país, o desafio da falta de motivação ao investimento económico”
Também é urgente promover o desenvolvimento económico e de infraestruturas em todas as regiões do país, do interior ao litoral, para atrair investimento para áreas além das grandes cidades, criando oportunidades de investimento mais diversificadas. Por último, conquistarmos estabilidade governativa é crucial, o que não se tem assistido nos últimos anos, pois ter um sistema legal transparente e eficiente é fundamental para criar um ambiente de investimento confiável e atrativo para investidores.
Acredita que a falta de competitividade da economia portuguesa é uma inevitabilidade, dada a escassez de recursos do país, ou mais uma consequência de políticas erradas?
Acredito que a falta de competitividade da economia portuguesa deve-se essencialmente à adoção de políticas erradas, que não permitem que o país se capacite com os recursos necessários para se tornar competitivo. No que toca à qualidade da nossa força de trabalho, acho que nessa não poderemos ter dúvidas da sua qualidade, pois lá fora os nossos profissionais são sempre muito reconhecidos pelo bom trabalho que desenvolvem.
Qual é o contributo que a Brain Power pode dar para superar o desafio da falta de motivação ao investimento económico em Portugal?
O projeto Brain Power é em si um forte contributo para superarmos, enquanto país, o desafio da falta de motivação ao investimento económico. O conceito Brain Power é único e pioneiro a nível nacional e internacional, em tornar trabalhadores independentes em trabalhadores dependentes para que estes tenham um maior auxílio. Para além disso, somos também uma ajuda a nível burocrático e um departamento de recursos humanos externo, para as empresas que nos procuram. O Grupo Brain Power é uma rede de apoio única e inovadora que os profissionais e as empresas necessitam, para realizarem os seus objetivos profissionais e de negócio.
No fundo, somos um forte aliado para os empreendedores, pois trabalhamos para que os mesmos consigam apostar na sua carreira e nos seus negócios, tentando retirar-lhes o peso que é estar sozinho nesta jornada, num país que não cria as condições ideais para eles. Tentamos que estes profissionais não desistam dos seus negócios, o que contribui e muito para alimentar a economia do país.