Edite Oliveira, psicóloga e professora universitária, conduz-nos por uma análise profunda sobre o sono, e a sua ligação à boa saúde física e mental. Deixa alguns alertas para os efeitos nocivos que alguns comportamentos, sobretudo dos mais jovens, provocam na qualidade do sono e, consequentemente, no desempenho académico e profissional. Dá-nos ainda algumas sugestões do que fazer para melhorar o nosso ritmo diário, o que se traduzirá no enriquecimento das nossas relações interpessoais e no aumento geral do nível de bem estar e saúde mental.
Sono: uma necessidade biológica
O sono é uma necessidade biológica, responsável pela restauração física e mental do desgaste do dia-a-dia. Sendo um estado de recuperação de energia física e mental torna-se essencial para todas as pessoas. Neste sentido, a má qualidade de sono pode ter consequências negativas não só a nível físico mas sobretudo a nível mental. Assim, do ponto de vista das consequências físicas assistimos ao aumento do índice de massa corporal, contribuindo para o aparecimento de obesidade e diabetes, diminuição do sistema imunitário, aumento de doenças respiratórias ou alérgicas e doenças cardiovasculares.
Do ponto de vista de saúde mental e cognitivo verificamos um aumento da sensação de estados afetivos negativos, menor concentração, dificuldades de memória e consequentemente pior rendimento académico e profissional. Por isso, a saúde física e mental ligam-se a uma boa qualidade do sono. Assim sendo, as pessoas saudáveis usufruem de benefícios de uma boa qualidade de sono nos aspetos biológicos, psicológicos, emocionais, intelectuais e sociais, adquirindo satisfação e melhor rendimento no trabalho, na escola e nas atividades de lazer, contribuindo assim para uma melhor qualidade de vida.
É na adolescência que um padrão de sono adequado assume o papel poderoso de produzir a hormona do crescimento (GH), permitindo aos jovens o desenvolvimento físico, a maturação sexual e a transição da identidade infantil para a identidade adulta. Neste período ocorrem alterações biológicas que afetam os padrões de sono, verificando-se uma diminuição no tempo do sono, o que justifica, em muitos casos a adoção de um comportamento de vespertinidade nos adolescentes e jovens adultos. Dado que justifica que os jovens têm dificuldade em manter a regularidade do ciclo vigília-sono, não satisfazendo as necessidades de sono e também não conseguindo responder às atividades sociais e familiares exigidas nesta fase das suas vidas.
Teorias explicativas do sono
Existem várias teorias que explicam os efeitos de privação do sono, destacamos aqui duas por nos parecerem ser as mais relevantes, a Teoria da Restauração do Organismo e a Teoria da Conservação da Energia ou Adaptação. De acordo com a Teoria da Restauração do Organismo, o sono é fundamental para restaurar todo o organismo, quer ao nível físico quer ao nível mental. Esta teoria baseia-se no facto de que durante o sono NREM existe um aumento de anabolismo proteico de algumas hormonas como a do crescimento e da testosterona. Já no sono REM concluímos que está principalmente relacionado com a restauração de funções cognitivas, ideia que é reforçada pelo aumento do sono REM intrauterino e durante a infância, em que há um grande desenvolvimento cerebral. Esta teoria explica por que motivo os sintomas de privação de sono parcial, contínua e total têm ao mesmo tempo implicações físicas e intelectuais, independentemente da idade.
O sono é também restaurador de funções cognitivas, uma vez que o sono REM tem uma função de desenvolvimento nos processos de memorização, devido à intensa atividade dos neurónios do sistema límbico e cortical durante esta fase do ciclo, por este aspeto após uma boa noite de sono todos os conteúdos aprendidos na véspera ficam retidos. A fase de sono REM aumenta igualmente o processo criativo. De acordo com a Teoria da Conservação da Energia, a energia física e mental gastas durante o dia seriam compensadas por uma diminuição do consumo de energia durante a noite. Relativamente à duração do sono, existe uma variabilidade quer do número médio de horas necessárias de sono, quer da estrutura do próprio sono ao longo da vida, facto que decorre da maturação cerebral mas igualmente da diversidade das diferenças individuais.
“O sono é também restaurador de funções cognitivas, uma vez que o sono REM tem uma função de desenvolvimento nos processos de memorização (…) por este aspeto após uma boa noite de sono todos os conteúdos aprendidos na véspera ficam retidos”
Fisiologia do sono
No que à fisiologia do sono diz respeito encontramos vários estádios ou fases do sono.
Assim, a fase de sono NREM (Não Movimentos Rápidos dos Olhos), que é uma fase caracterizada pela transição entre a vigília e o sono, na qual há uma diminuição da atividade cerebral e relaxamento muscular. É um estágio de sono leve, no qual a atividade cerebral é marcada por padrões de ondas com os complexos K. De seguida assistimos a outra fase, caraterizada por sono de ondas lentas, que constitui um estágio mais profundo do sono, no qual ocorre a restauração física e a consolidação da memória. Depois, passamos para a fase de sono REM (Movimentos Rápidos dos Olhos), durante esta fase, a atividade cerebral assemelha-se à vigília, ocorrendo sonhos intensos e movimentos rápidos dos olhos. A maioria dos músculos fica temporariamente paralisada, exceto os responsáveis pela respiração e pela função ocular. Durante a noite passamos por várias ciclos de sono, começando com estágios de sono NREM mais longos e profundos, seguidos por períodos de sono REM que se tornam, também, mais longos à medida que a noite avança. O sono é influenciado por vários processos neuroquímicos incluindo o sistema de monoaminas (serotonina, dopamina e noradrenalina) e o sistema de hipocretina, de orexina, responsável pela regulação da vigília e do sono REM.
Cronobiologia do sono
No que respeita a cronobiologia do sono, podemos referir que o seu ritmo circadiano é um ciclo biológico de aproximadamente 24 horas que regula uma série de processos fisiológicos, incluindo os padrões de sono e vigília. O principal controlador do ritmo circadiano é o núcleo supraquiasmático (NSQ), localizado no hipotálamo que recebe informação sobre a luz ambiente através dos olhos. À noite quando a luz diminui, o NSQ não é mais inibido, o que desencadeia a liberação de melatonina pela glândula pineal, induzindo o sono. Para além da luz, outros fatores podem influenciar o ritmo circadiano e consequentemente os padrões de sono, incluindo a alimentação, por exemplo refeições pesadas antes de dormir podem interferir no sono assim como o álcool e a cafeína. O exercício físico regular pode igualmente promover um sono mais profundo e reparador. O stress crónico e as alterações emocionais podem desregular os ritmos circadianos, resultando em problemas para dormir e problemas de saúde. Temos assistido a um aumento de perturbação do sono nos adolescentes e jovens adultos, situado na ordem dos 30% para situações de insónias quer sejam iniciais ou intermédias.
Alterações do sono na adolescência e adultícia
Atualmente as alterações de sono na adolescência e adultícia são fator de preocupação na saúde mental desta faixa etária, uma vez que assistimos a um agravamento considerável das condições de bem estar e saúde mental provocadas essencialmente por desregulação e privação do sono. Verificamos que as alterações de sono nestas fases de vida são promovidas por vários fatores, nestas idades assistimos a mudanças hormonais e cerebrais consideráveis, estas mudanças podem por si só alterar o ritmo de vigília-sono. Encontra-se com frequência o ritmo circadiano desregulado, normalmente adolescentes e jovens adultos desregulam o seu ritmo circadiano por preferirem deitar-se mais tarde e levantar também mais tarde, o que muitas vezes entra em conflito com os horários escolares e outras responsabilidades, conduzindo a hábitos de sono irregulares.
O uso excessivo de tecnologia como “smartphones”, computadores e videojogos antes de dormir pode interferir na qualidade do sono. Por outro lado, a exposição à luz azul emitida por estes dispositivos eletrónicos pode contribuir para suprimir a produção de melatonina, hormona responsável pela regulação do sono. Por vezes, estes jovens e adultos são confrontados com pressões sociais e académicas, principalmente em alguns contextos familiares mais rígidos ou em grupos de pares, mas também em cursos cuja carga horária, volume de trabalho e exigências académicas levam os estudantes a optar por trabalhar pela noite dentro, suprimindo horas de sono. A alimentação e o exercício físico nem sempre estão regulados, acabando por se apresentar com falhas vitamínicas ou outras. Em compensação assistimos a consumos excessivos de café e álcool.
“O exercício físico regular pode igualmente promover um sono mais profundo e reparador. O stress crónico e as alterações emocionais podem desregular os ritmos circadianos, resultando em problemas para dormir e problemas de saúde”
As rotinas da vida diária são por isso alteradas, nomeadamente com a entrada na universidade e saída da casa dos pais emergem comportamentos novos de experimentação de substâncias e vivências de novas relações e interações sociais. Ter em conta que estamos perante um desenvolvimento cerebral significativo que potencia estes comportamentos de descoberta. As saídas noturnas, o estudar pela noite dentro, o pouco cuidado com alimentação e falta de exercício físico são fatores que interferem significativamente na qualidade e higiene do sono e vice-versa.
As alterações do sono e privação do mesmo impactam a vida destes jovens e adultos a vários níveis, provocando uma sonolência diurna excessiva. É frequente encontrar situações de irritabilidade e mudanças frequentes do humor, depressão e ansiedade. Igualmente dificuldades de concentração e memória de curto e médio prazo, afetando também a capacidade de aprendizagem, receção e retenção da informação o que leva à diminuição e produção cognitivas, incluindo um decréscimo da capacidade de resolução de problemas, da tomada de decisão e do raciocínio lógico. Diminuem, da mesma forma a velocidade de processamento e de pensamento. A capacidade criativa e de iniciativa ficam igualmente comprometidas.
Por outro lado, podemos encontrar alterações do comportamento alimentar conduzindo à procura de alimentos ricos em açúcar e gorduras. Destra forma, este consumo conduz ao aumento de peso e desregulação hormonal. Interfere, na regulação do humor e dificuldade de gestão emocional. Face ao exposto, recomenda-se alguns cuidados para uma boa higiene do sono, estabelecer uma rotina de sono, deitar e acordar sempre à mesma hora, incluindo o fim de semana; criar um ambiente propício ao sono, mantendo o quarto escuro, fresco e silencioso. Afastar aparelhos eletrónicos do quarto ou outro tipo de ruído; evitar consumo de cafeína ou álcool antes de deitar bem como refeições pesadas; praticar técnicas de relaxamento como respiração profunda, meditação ou ioga para preparar o corpo para dormir reduzindo o stress.
Torna-se urgente sensibilizar estes jovens para a importância de ter uma boa higiene do sono. Pedra angular para melhorar o desempenho académico, enriquecer as relações interpessoais e aumentar o nível de bem estar e saúde mental.
Edite Oliveira – Psicóloga, Doutorada em Psicologia da Educação