Saúde e Bem-Estar

“É necessário cultivar as relações humanas baseadas no afeto e sobretudo na reciprocidade do Amor!”

As Dependências do Ecrã e dos Jogos de computador levantam uma série de preocupações, sobretudo pelo seu impacto na saúde mental dos mais jovens. Conversámos com a psicóloga e professora universitária, Edite Oliveira, que partilhou connosco a sua perspetiva e experiência profissional sobre esta questão urgente.

Quando falamos deste tema das Dependências do Ecrã e dos Jogos de computador, que parece ter uma prevalência crescente, sobretudo nos jovens, qual é a principal preocupação que lhe ocorre, enquanto psicóloga?

Enquanto psicóloga a minha principal preocupação reside no impacto comportamental que daí advém. Uma exposição excessiva aos ecrãs e videojogos vai interferir no desenvolvimento a vários níveis, por um lado a privação de relações interpessoais e sociais que se traduz em isolamento social, distúrbios de sono, sabe-se que a exposição excessiva à luz dos ecrãs altera significativamente o ciclo normal de sono. Pode também conduzir a sintomas de ansiedade e depressão pela substituição de relações presenciais e ao ar livre com pares, familiares e vizinhos. Por outro lado, a componente académica e as aprendizagens ficam comprometidos pela escassez de experiências concretas e no mundo físico real. Crianças e jovens usufruem cada vez menos de atividades ao ar livre em colaboração e cooperação com os adultos e pares.

Não posso deixar de aproveitar a sua experiência académica para lhe perguntar também, enquanto professora universitária, qual é a realidade com que se depara diariamente?

Esta realidade acompanha-nos diariamente, uma vez que temos cada vez mais estudantes com estas adições com impactos muito significativos nas suas vidas académica e profissional. Estudantes com dificuldades nas tarefas académicas com incumprimentos das atividades solicitadas e com faltas a exames. Complexidades na organização do estudo e gestão do tempo e com lacunas na aprendizagem que se vão acumulando por falta de estratégias eficazes de regulação das aprendizagens. Aliadas a estas situações surgem as dificuldades de concentração e atenção bem como de memorização. Também do ponto de vista social, dificuldades de integração e adaptação ao ensino superior, que se traduz em isolamento, baixa autoestima e problemas de saúde mental como a ansiedade, a depressão, perturbações de sono e do comportamento alimentar.

Quais são os fatores que, no seu entender, mais contribuem para o desenvolvimento destas dependências?

Os fatores podem ser extrínsecos ao sujeito como a facilidade de acesso e a variedade da oferta, que são estimuladas por reconhecimento imediato e, portanto, auto-reforçam-se, e intrínsecos ao sujeito ligados a fatores de personalidade individuais, por exemplo a falsa perceção de socialização, sobretudo para pessoas com características de baixa autoestima ou isolamento. Bem como para pessoas com desafios emocionais, stress, ansiedade ou outros e que encontram no ecrã uma forma de os suavizar.

Estamos a falar de uma realidade nem sempre fácil de detetar, sobretudo quando é uma evidência que os ecrãs são essenciais hoje em dia, seja para trabalhar ou estudar. Sendo assim, que sinais de alerta poderão ser identificados pelos próprios ou pela família?

Alguns sinais podem ser reconhecidos facilmente ao nível pessoal, tais como perturbações do sono, insónias iniciais, intermédias ou terminais. Irritabilidade, isolamento, ansiedade, stress, cansaço. Ao nível relacional/social, dificuldade em socializar, permanência excessiva em casa ou no quarto e dificuldades de aprendizagem, faltar às aulas, dificuldade em estudar, não cumprimento das avaliações e tarefas académicas, são os sinais mais comuns.

Quando, e em que situações, se deve pedir ajuda nestes casos, nomeadamente a um(a) psicólogo(a)?

Sempre que se verifique mudanças de comportamento, tais como as acima descritas. Uma vez que as mesmas vão condicionar todas as dimensões da vida do sujeito, as tarefas da vida diária, quer sejam académicas ou profissionais, mas igualmente as interações sociais, as atividades desportivas ou de lazer. No fundo, o sujeito com dependências de jogo e ecrã vai deixar de regular e monitorizar a sua vida de forma saudável.

Quais são as principais abordagens terapêuticas para tratar este tipo de dependência?

Primeiramente temos de começar por fazer o diagnóstico da situação e a partir do mesmo decidir sobre a terapêutica, sendo a psicoterapia a mais recomendada, poderá haver necessidades de outras intervenções, farmacológica ou outras.

Quais são os impactos psicológicos e emocionais de longo prazo que podemos associar ao uso excessivo de ecrãs e jogos de vídeo em jovens?

Nomeadamente o aparecimento de doença mental, podem-se instalar quadros psicopatológicos como depressão e ansiedade que poderão condicionar a vida futura do sujeito.

Quais estratégias podem ser adotadas pelos pais ou encarregados de educação para limitar o tempo de ecrã dos filhos, sem causar demasiados conflitos que acabem por ter um efeito contrário?

Temos de pensar em medidas educativas construtivas e colaborativas, por exemplo o estabelecimento de limites, definir o tempo diário do uso de dispositivos eletrónicos e diferenciar o seu uso para atividades pedagógicas e de lazer. Criar ambientes específicos para a sua utilização, por exemplo a restrição do seu uso no quarto e a partir de determinada hora. Estipular um dia por semana sem conexão aos ecrãs. Aumentar o tempo de interação pessoal com a família, amigos, pares e vizinhos.

Que mensagem gostaria de deixar para as pessoas que estão a lutar contra a dependência do ecrã ou dos jogos, e também para os seus familiares?

A revolução digital constitui um marco significativo na história da humanidade, trazendo-nos benefícios enormes em todos os domínios da nossa vida, o acesso imediato à informação, a ligação constante ao mundo e ao outro, o reconhecimento imediato daquilo que fazemos, a projeção, a divulgação, a comunicação, o estar com… a “crença” de ser e de estar! Mas o que ela não consegue nem nunca conseguirá oferecer é aquilo que nos torna seres únicos e insubstituíveis, a relação. É necessário cultivar e resignificar as relações humanas baseadas no afeto, no carinho, no cuidar e sobretudo na reciprocidade do Amor!