Depois de mais de duas décadas a liderar equipas e operações em grupos hoteleiros de referência, entre o Médio Oriente e a Europa, Solange Moreira decidiu criar a sua própria marca. A Ukino Hotels nasceu da vontade de desafiar modelos instalados e construir uma nova abordagem mais ágil, autêntica e ligada ao território. Nesta entrevista, a CEO e cofundadora fala sobre o que a fez trocar a segurança corporativa pelo risco empreendedor, os desafios da sua liderança, e o que é preciso para marcar a diferença num sector altamente competitivo e tão importante para a economia do país.
O que a levou a fundar a Ukino Hotels depois de mais de duas décadas de experiência em grupos hoteleiros de referência?
Depois de mais de duas décadas atuando em grupos hoteleiros de referência e mais de 16 anos a vier fora de Portugal, senti que era hora de dar um passo além: criar algo meu, com liberdade para inovar e colocar em prática uma visão mais contemporânea da hospitalidade. A ideia de fundar a Ukino nasceu dessa inquietação empreendedora, do desejo de construir uma marca que fosse ao mesmo tempo autêntica, eficiente e profundamente conectada com o território. Mas um projeto assim não se constrói sozinho. Quando compartilhei essa visão com a que viria a ser minha sócia, recebi dela uma resposta imediata, afirmativa e entusiasmada – e aquilo deu-me ainda mais certeza de que estávamos no caminho certo. A Ukino é fruto dessa soma de experiências, valores e ambição de fazer diferente. Queríamos criar uma hotelaria mais ágil, mais sensível e mais relevante para o mundo de hoje – e é isso que nos move desde o primeiro dia.
Ao longo da sua carreira, habituou-se a liderar equipas e projetos em estruturas consolidadas. Como foi, para si, o processo de transição para o papel de fundadora, com todos os riscos e incertezas que isso implica?
A transição para o papel de fundadora foi, sem dúvida, uma das mais desafiantes da minha carreira. Durante anos, liderei equipas e projetos em estruturas altamente organizadas com recursos e processos bem definidos. Empreender significou abrir mão desse suporte para criar algo do zero – com toda a incerteza, responsabilidade e intensidade que isso implica. O contexto da pandemia acelerou essa mudança interior. A crise exigiu de todos nós uma liderança constante e presente, em circunstâncias inéditas. No meu caso, houve ainda uma complexidade adicional: ao longo da minha carreira, conciliei sempre a dimensão profissional com a parentalidade a tempo inteiro, gerindo os desafios familiares praticamente sozinha. Apesar das exigências, nunca perdi a vontade de ir mais longe. O desejo de construir algo com significado, de romper modelos estabelecidos e deixar uma marca positiva no sector foi sempre maior do que o medo. A Ukino nasceu dessa energia empreendedora de uma visão clara sobre o futuro da hospitalidade. Ser cofundadora é, para mim, uma expressão de liberdade, responsabilidade e impacto.
“Hoje, lidero com um equilíbrio entre visão e execução, propósito e performance”
Criar uma marca do zero, num setor dominado por gigantes internacionais, exige visão, coragem e convicção. O que mais a orgulha, hoje, na identidade da Ukino enquanto reflexo da sua liderança?
O que mais me orgulha na identidade da Ukino é termos conseguido criar uma marca com alma, que respira autenticidade e está profundamente conectada com os territórios onde opera. Num sector dominado por grandes cadeias internacionais e modelos uniformizados, escolhemos conscientemente outro caminho: o de uma hotelaria mais próxima, mais sensível, com curadoria, que valoriza as pessoas, a cultura local e a experiência de cada hospede de forma genuína.
A Ukino reflete muito da minha forma de liderar: com visão estratégica, mas também com atenção ao detalhe, proximidade com as equipas e uma enorme paixão por fazer diferente. Construímos uma marca que aposta na inovação sem perder o calor humano, que combina eficiência operacional com espírito descomplicado e contemporâneo.

Ver esse posicionamento ganhar forma – e sobretudo, ver equipas comprometidas com esse propósito, clientes que reconhecem o nosso diferencial e comunidades locais que se identificam com o que propomos – é, para mim, a maior conquista. A Ukino é a prova de que é possível, sim, criar algo novo e relevante num sector competitivo, quando se alia coragem, consistência e uma liderança com propósito.
Ao longo da sua carreira, foi reconhecida pela capacidade de mobilizar equipas multifuncionais, aliando visão estratégica a uma forte competência executiva. Como define hoje o seu estilo de liderança? E de que forma este se transformou ao passar de gestora em grandes grupos para empreendedora independente?
A minha liderança evoluiu com a própria maturidade da minha trajetória. Nos grandes grupos, desenvolvi uma base sólida: pensamento estratégico, foco em resultados e a capacidade de mobilizar equipas multifuncionais para objetivos ambiciosos. Mas foi no empreendedorismo que a minha liderança ganhou outra dimensão – mais ágil, mais sensível ao contexto, e ainda mais comprometida com o impacto.
Hoje, lidero com um equilíbrio entre visão e execução, propósito e performance. Considero-me uma líder próxima, que valoriza o talento e o empoderamento das equipas, mas que não perde de vista os indicadores, os resultados financeiros e a sustentabilidade do negócio. Acredito que empresas com alma também devem ser empresas rentáveis – e que o alinhamento entre cultura, produto e eficiência operacional é o que gera valor real e duradouro.
O que mudou, essencialmente, foi a consciência de que liderar como fundadora exige um envolvimento total: é estar presente em todas as frentes, inspirar pelo exemplo, e tomar decisões que equilibrem o agora com o futuro. A liderança deixou de ser uma função – passou a ser um ato diário de construção de valor.
Num setor onde as mulheres representam a maioria da força de trabalho, mas continuam sub-representadas nos cargos de topo, que obstáculos estruturais identifica ainda hoje? E que mecanismos institucionais ou culturais considera mais eficazes para os ultrapassar?
O sector da hotelaria é um reflexo claro de uma realidade ainda desigual: embora as mulheres representem a maioria da força de trabalho operacional, continuam sub-representadas nos cargos de topo e nos centros de decisão. No nosso sector, por exemplo, é ainda raro encontrar mulheres em cargos de CEO ou presidência eleitas por mérito – a presença feminina nestas posições, acontece em grande parte, quando são proprietárias ou herdeiras do negócio. Essa disparidade não é apenas uma questão de justiça – é também um desperdício de talento e de valor para o sector.
Os obstáculos estruturais são vários. Ainda hoje, muitas mulheres enfrentam barreiras invisíveis ligadas à conciliação entre a vida pessoal e profissional, à falta de representatividade nos modelos de liderança e uma cultura que, em muitos casos, ainda associa liderança a um perfil tradicionalmente masculino. Soma-se a isso a escassez de programas formais de mentoria, planos de progressão claros e políticas organizacionais realmente comprometidas com a equidade de género.

Para ultrapassar estes bloqueios, é fundamental agir em várias frentes. A nível institucional, defendendo políticas claras de promoção e diversidade, metas de representatividade nos conselhos de administração e modelos de trabalho mais flexíveis, que não penalizem a parentalidade. A nível cultural, precisamos de visibilidade – mais mulheres em posições de destaque, que sirvam de inspiração e que abram caminho para as que vêm a seguir. Mas acima de tudo, é preciso que a liderança – masculina e feminina – esteja comprometida com a mudança, não apenas por obrigação, mas por convicção. Só com estruturas mais inclusivas e uma cultura mais consciente conseguiremos transformar o sector de forma duradoura e equilibrada.
Tem defendido, em fóruns como o Nova SBE Westmont Institute, a importância da diversidade e inclusão nas equipas. Pode partilhar connosco exemplos de políticas ou decisões que tenha implementado na Ukino nesse sentido?
Acredito que a diversidade e a inclusão são pilares fundamentais para o sucesso sustentável de qualquer organização, especialmente num sector tão dinâmico e multicultural como a hotelaria. Na Ukino, temos procurado traduzir esses valores em práticas concretas e quotidianas, que refletem o nosso compromisso real e não apenas palavras.
Por exemplo, implementámos processos de recrutamento que valorizam competências e experiências diversas, buscando eliminar vieses inconscientes. Promovemos um ambiente inclusivo onde todas as vozes são ouvidas, independentemente do género, origem ou background profissional, através de formações regulares sobre diversidade, empatia e comunicação eficaz.
“Acima de tudo, é preciso que a liderança – masculina e feminina – esteja comprometida com a mudança, não apenas por obrigação, mas por convicção”
Além disso adotámos políticas flexíveis que reconhecem a diversidade de necessidades das nossas equipas, incluindo horários adaptáveis e apoio, como contributo à conciliação da vida pessoal e profissional sem prejuízo ao seu desenvolvimento. Outro pilar importante tem sido o incentivo à participação ativa das mulheres em posições de liderança e desenvolvimento, com programas de mentoria internos e oportunidades claras de progressão. Acreditamos que essa combinação de políticas é essencial para construir equipas mais fortes, inovadoras e alinhadas com o nosso propósito.
A Ukino nasceu com ambição internacional, mas com uma estrutura ágil e flexível. Que vantagens e desafios tem sentido neste posicionamento, num mercado dominado por grandes grupos?
Optar por uma estrutura ágil e flexível desde o início tem sido, para a Ukino, tanto uma grande vantagem como um desafio constante. Num mercado dominado por grandes grupos, a nossa agilidade permite-nos responder rapidamente às mudanças, inovar com maior liberdade e adaptar as experiências às especificidades de cada destino. Essa flexibilidade é um diferencial competitivo, que nos permite criar propostas mais personalizadas e relevantes, alinhadas com as expectativas dos clientes contemporâneos.

Além disso, contamos com um vasto know-how internacional, tanto ao nível dos destinos nos diferentes continentes, como nos mercados emissores com os quais já trabalhámos e mantemos relações de anos e anos. Essa experiência global é uma grande vantagem estratégica, que nos permite antecipar tendências, compreender diferentes públicos e ajustar as nossas ofertas para maximizar o impacto e relevância.
Por outro lado, a ausência de economias de escala tão robusta como as dos grandes players exige uma gestão rigorosa e uma cultura forte de eficiência e foco. Precisamos de ser estratégicos na alocação de recursos, e investir de forma muito seletiva em iniciativas que potenciem crescimento e qualidade sem sacrificar a identidade da marca. Esse equilíbrio entre agilidade, expertise internacional e sustentabilidade é um desafio diário, mas também é o que nos mantém motivados e inovadores. Acreditamos que a autenticidade e a capacidade de adaptação são os principais ativos da marca Ukino para competir e crescer num cenário global tão exigente.
A digitalização da hotelaria trouxe ganhos em eficiência, mas também desafios em termos de autenticidade e contacto humano. A Ukino aposta em soluções tecnológicas que facilitam a operação e a personalização, mas sem abdicar da hospitalidade tradicional. Como gere esse equilíbrio?
A digitalização trouxe uma transformação profunda à hotelaria, abrindo oportunidades valiosas para aumentar a eficiência, personalizar serviços e melhorar a experiência do hospede. Na Ukino, abraçamos essas soluções tecnológicas com entusiasmo, mas sempre com um olhar atento para que a inovação não substitua o que há de mais valioso: o contacto humano e a hospitalidade genuína.
Gerir esse equilíbrio é um desafio continuo, que requer uma abordagem muito consciente. Por um lado, utilizamos tecnologia para simplificar processos operacionais, otimizar a gestão das reservas e recolher dados que nos permitam personalizar a experiência do cliente, antecipando desejos e necessidades. Por outro lado, treinamos as nossas equipas para que estejam sempre presentes, disponíveis e capazes de criar momentos únicos, onde a empatia e o calor humanos são insubstituíveis.
Na Ukino, a tecnologia é uma ferramenta que potencia a hospitalidade – não um substituto. O objetivo é que cada interação seja fluida e eficiente, mas que nunca perca a autenticidade e o toque pessoal que definem a nossa marca. Acreditamos que é essa combinação que faz a diferença e cria uma experiência memorável para os nossos hóspedes.

O Algarve foi o ponto de partida da Ukino, com duas unidades na zona de Porches, uma região de forte atratividade turística, marcada pela singularidade geográfica e por um mercado altamente competitivo. Que ensinamentos retirou dessa primeira fase e que critérios orientam hoje a expansão territorial da marca?
O lançamento das primeiras unidades da Ukino no Algarve, especificamente na zona de Porches, foi uma etapa fundamental para o nosso crescimento. O Algarve é uma região de enorme atratividade turística, mas também de elevada competitividade e expectativas muito exigentes. Essa fase inicial ensinou-nos que, para nos destacar num mercado tão dinâmico era essencial oferecer não apenas qualidade e conforto, mas uma experiência autêntica, que respeitasse a singularidade geográfica e cultural do local. Aprendemos também que a diferenciação passa por uma curadoria cuidada do serviço e do ambiente, aliada a uma gestão operacional eficiente e à escuta constante dos nossos hospedes. Essa combinação é o que nos permitiu ganhar relevância e consolidar a marca num território.
O Turismo é uma âncora da economia portuguesa. Podemos dizer que o setor atravessa uma fase de maturidade, mas também de pressão, desde o excesso de visitantes em certos destinos até à escassez de mão de obra. Que leitura faz dos principais desafios que o setor enfrenta atualmente em Portugal?
O turismo é, sem dúvida, uma das âncoras mais importantes da economia portuguesa, contribuindo significativamente para o emprego e o desenvolvimento regional. O setor atingiu uma fase de maturidade que traz, simultaneamente, oportunidades e desafios. Entre os principais desafios que enfrentamos estão o fenómeno da massificação turística em alguns destinos, que pode comprometer a sustentabilidade ambiental e a qualidade da experiência dos visitantes. Isso exige uma gestão muito cuidadosa e estratégias de descompressão, para diversificar ofertas e promover regiões menos exploradas.
Outro desafio crucial é a escassez de mão de obra qualificada, um problema que afeta não só Portugal, mas muitos países com forte dependência do turismo. É fundamental investir na formação, valorizar as carreiras no sector e criar condições que tornem estes empregos mais atrativos e sustentáveis a longo prazo. Acreditamos também que simplificar e reduzir a carga fiscal nomeadamente na redução da carga de impostos sobre os salários (como IRS e SS), podem ser um contributo importante para melhorar as condições salariais no sector, tornando Portugal mais competitivo dentro da Europa e tornando o turismo uma opção mais atrativa para trabalhadores e empresas. Por fim, acredito, que a inovação, digitalização e a aposta numa hospitalidade mais consciente e personalizada serão decisivas para garantir que o turismo português continue a crescer de forma equilibrada e competitiva no cenário global.
Ao longo desta conversa, torna-se evidente que tem sido uma inspiração para muitos. Mas, e para si, quem a inspira verdadeiramente, no dia a dia?
Acredito que a inspiração está presente em muitos aspetos da minha vida diária. Sem dúvida, encontro grande motivação nas pessoas com quem trabalho – equipas dedicadas que partilham a paixão pela excelência e pela inovação, e que me desafiam a ser melhor todos os dias. Além disso, inspiro-me em mulheres que, com coragem e determinação, têm vindo a romper barreiras em sectores tradicionalmente masculinos, mostrando que é possível liderar com empatia e eficácia. Tenho a sorte de contar com uma sócia extraordinária, assim como rodear-me de mulheres que estão sempre ao meu lado, acreditando na minha resiliência, força e coragem, e que me reconhecem como um exemplo. Essa rede de apoio é uma fonte constante de inspiração e energia. Por fim, encontro inspiração na minha própria jornada, nas dificuldades superadas e na vontade continua de fazer mais e melhor, deixando uma marca positiva e duradoura.