por António Saraiva, Presidente da CIP – Confederação Empresarial de Portugal
O ano de 2022 ficou marcado pelo impacto simultaneamente recessivo e inflacionista da guerra na Ucrânia.
Se, antes de 24 de fevereiro, se podia admitir que as pressões inflacionistas, que vinham já a fazer-se sentir, tinham uma natureza temporária e podiam manter-se sob controlo, a exacerbação destas pressões, com a subida exponencial dos custos de produção – em particular da energia e matérias-primas industriais e agrícolas – veio colocar as empresas sob uma tremenda ameaça.
Impulsionada por este choque, a inflação instalou-se, com pesadas consequências. O aumento dos preços já não se restringe às componentes mais voláteis – bens energéticos e produtos alimentares não transformados – alastrando e contagiando as componentes mais estáveis. Tomou, assim, características mais estruturais e mais difíceis de dominar.
Os efeitos recessivos da escalada de preços tornaram-se bem visíveis, pela erosão que causam no poder de compra dos consumidores, com uma inevitável retração do consumo privado.
Por outro lado, a inflação afeta também, de forma bem direta, as margens das empresas, uma vez que os aumentos dos custos não estão a ser repercutidos
plenamente nos preços.
Seguiram-se os aumentos das taxas de juro, tornados inevitáveis na sequência do compromisso do Banco Central Europeu de fazer “o que for necessário” para trazer a inflação de volta à meta dos 2%.
A economia travou bruscamente no segundo trimestre deste ano e os resultados do terceiro trimestre, apesar de um pouco melhores do que as expectativas, não alteraram significativamente um cenário que, para já, é de quase estagnação, mas poderá, com elevada probabilidade, agravar-se para uma recessão.
Apenas as exportações mostram ainda uma notável resiliência, mantendo uma trajetória de crescimento. No entanto, terminado o ciclo de recuperação e tendo em conta uma conjuntura internacional adversa, o contributo da procura externa líquida para o crescimento do PIB tornar-se-á negativo em 2023, segundo as perspetivas do Governo.
Nas suas mais recentes projeções, a Comissão Europeia estima que a União Europeia como um todo e muitos dos seus membros (entre os quais Portugal) estejam a entrar em recessão técnica (no quarto trimestre de 2022 e primeiro de 2023). Para o computo do ano, as mesmas previsões apontam para uma taxa de crescimento de apenas 0,7%.
No imediato, o desafio mais exigente para as empresas é o da resposta ao enorme aumento dos custos, salvaguardando, ao mesmo tempo, a sua posição nos mercados: trata-se de uma equação de difícil resolução. Ao não repercutirem totalmente nos preços finais os aumentos de custos, as empresas estão a travar a inflação, mas não poderão continuar, por muito tempo, a fazê-lo. Será mais eficaz enfrentar o problema o mais próximo possível das suas origens, através de medidas dirigidas às empresas, a tentar mitigar suas consequências na parte final da cadeia.
O aumento das taxas de juro, que está já a fazer-se sentir e decerto se agravará nos próximos meses, torna o desafio do reequilíbrio dos balanços das empresas ainda mais premente e mais exigente. Daí a importância de pôr no terreno instrumentos, de natureza financeira e fiscal, dirigidos ao reforço do capital das empresas.
As empresas terão de adequar e programar novos investimentos face à incerteza dos mercados e aos desafios da transição digital e tecnológica, da economia circular e da descarbonização. Daí a importância de executar de forma inteligente e eficiente o PRR e de colocar no terreno o Portugal 2030, apoiando as empresas nesse esforço de investimento.
Apesar da crise, as empresas continuam a lutar com falta de recursos humanos com as competências necessárias para se modernizarem e responderem a estes mesmos desafios. Daí a prioridade a dar a um exigente processo de qualificação e requalificação da força de trabalho e da sua permanente adequação às necessidades das empresas.
Estes são os desafios, que exigem respostas urgentes, tanto por parte dos decisores empresariais como por parte dos responsáveis pela condução da política económica.
Acredito que, apesar de toda a adversidade, as empresas saberão dar provas da sua resiliência para enfrentar e ultrapassar mais uma crise.