Nove meses após a inauguração das novas instalações da OPFC – Clínica Médica do Porto, na Avenida da Boavista, voltámos a falar com Cláudia Bernardino Bernardo, especialista em medicina geral e familiar, gestora e diretora clínica desta unidade. Para além de um balanço sobre a reabertura, no mês em que se assinala o Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra a Mulher, quisemos perceber a sua perspetiva relativamente a este tema, até pela sua experiência enquanto interlocutora de maus-tratos e violência na Unidade de Saúde Familiar.
Desde a abertura das novas instalações na Avenida da Boavista, no passado mês de fevereiro, a OPFC – Clínica Médica do Porto tem vindo a crescer. Atualmente, dispõe já dos serviços de Acupunctura, Apoio Geriátrico Domiciliário, Consulta Antitabágica, Consulta Multidisciplinar da Diabetes, Consulta Multidisciplinar do Sono, Endocrinologia, Fisioterapia Pélvica e Respiratória, Medicina Estética, Medicina Geral e Familiar, Medicina Desportiva, Medicina Física e de Reabilitação, Nutrição, Osteopatia, Pediatria, Pneumologia, Podologia – Pé Diabético, Centro de Bem-Estar Psicológico e Saúde Mental. Presta, também, serviços de enfermagem, análises clínicas 12 horas por dia, convenção com Centro de Imagiologia e Diagnóstico Radiológico.
De acordo com Cláudia Bernardo, a “mais-valia” da clínica sempre foi formar uma equipa jovem, experiente e competente. “Ser diretora clínica da OPFC é poder ser uma voz de motivação, de liderança na capacidade e habilidade de motivar, influenciar, inspirar e ‘comandar’ um grupo de pessoas a fim de atingir os seus objetivos”, garante. “O meu lema sempre foi uma liderança pelo ideal, assim criar um elo entre os colaboradores, os utentes, a cadeia de supply chain e o próprio líder”, completa.
Apesar da exigência dos desafios estar presente, a certeza, a perseverança, a resistência física e emocional e a exigência consigo própria foram sempre fundamentais para ultrapassálos com êxito. Para si, “achatar a hierarquia eleva o nível emocional das equipas”, o que faz com que tenha em conta todos os elementos na hora de tomar decisões, ouvindo as suas opiniões e mantendo-os a par dos desenvolvimentos, “como peças fundamentais do sucesso”.
Prevenção da violência e maus-tratos
Sendo que dentro da Unidade de Saúde Familiar (USF) Odisseia, na Maia, é a interlocutora de maus-tratos e violência, vê como “preocupante” a quantidade de casos com que se depara. A maioria incide sobre a violência doméstica, seja entre casais, com crianças, seja entre familiares, ou até mesmo a psicológica entre profissionais. Dentro destas situações, a violência contra as mulheres, “infelizmente, continua a ser a mais frequente, ou, pelo menos, a que temos mais conhecimento. Ainda é um problema fortemente enraizado no mundo”, afirma a diretora clínica.
Continua dizendo que a violência não se limita, somente, ao ato físico, mas também provoca danos a nível psicológico, emocional, patrimonial e financeiro. “Independentemente do tipo de violência cometido, os direitos humanos da mulher e a sua integridade física, psicológica e moral são desrespeitados. Cabe a organizações, mas também a cada cidadão, amparar estas mulheres em várias frentes, oferecendo força, coragem e apoio para que possam construir a sua autonomia e se possam livrar da rotina dos abusos”, frisa. “Os dados fornecidos são alarmantes em países com uma cultura como a nossa”, alerta Claúdia Bernardo.
Com a vasta experiência na área da medicina geral e familiar diz que há, na atualidade, e após o período pandémico, “um grande fosso” entre os setores público e privado. “Chega mesmo a ser surpreendente, pela negativa, a forma diferente como um mesmo utente se comporta nos dois setores”. O Serviço Nacional de Saúde (SNS) “atravessa um período conturbado, sem capacidade de resposta e a falta de profissionais agrava a situação”. Apesar de a proximidade, a acessibilidade, a oferta, a atenção, a personalização e o conforto serem vantagens do setor privado, o fator preço passou a ser tido em conta na hora de escolher este serviço.
O percurso académico e os primeiros anos de trabalho
Cláudia Bernardino Bernardo, natural de Moimenta da Beira, vê-se dividida entre o Porto, Vila Nova de Gaia e a Maia, graças à sua profissão. Desde os três anos que gostava de ser médica, no entanto, primeiro, entrou no curso de Farmácia, na Universidade do Porto. Após ter completado o primeiro ano, percebeu que o caminho a seguir passava pela medicina.
Posto isto, ruma à capital e é na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa que tira a licenciatura na área. Mais tarde, “porque acontecimentos de vida também condicionam escolhas”, volta ao Porto, onde se especializa em medicina geral e familiar.
Desde o primeiro ano da especialidade, começou a exercer no privado, “pois só assim perdia a vergonha de falar com os doentes, só assim ganhava aptidões para sozinha responder à solicitação e a vontade de saber cada vez mais, crescia de forma exponencial”, justifica. Com o desejo de, dentro da medicina geral e familiar, conseguir passar pelo maior número de especialidades possíveis, chegou a trabalhar 100 horas por semana, durante quatro anos.
A importância da família e a empatia com os utentes
A nível pessoal, “a maior adversidade que passei foi há 22 anos, quando perdi subitamente a minha mãe. Poucas horas antes, prometi-lhe que seria sobretudo Humana com cada utente que me passasse pelas mãos. Hoje tenho alguém que também me ajuda a superar as adversidades: a Maria, uma filha de oito anos, maravilhosa e encantadora”.
Refere que a grande aprendizagem de vida foi-lhe transmitida por todos os utentes que se cruzaram consigo, ao longo do tempo. “O desafio era dar resposta e, se não era imediata, havia de surgir dias depois. Desengane-se quem acha que sabe tudo.”
Lidar, diariamente, com as histórias de vida e as patologias de pessoas, sem limites de idade estabelecidos, é o que lhe tem feito gostar “cada vez mais” das escolhas profissionais que fez. “Trabalhar com seres humanos tão iguais e tão diferentes ao mesmo tempo, para mim, é uma aprendizagem diária”. A relação de confidencialidade e proximidade que cria, tanto com as pessoas como com os utentes, é “muito aliciante e enriquecedora”.
Em jeito de conselho a quem, eventualmente, opte por se especializar em Medicina Geral e Familiar, Cláudia Bernardo considera que o mais importante é mesmo “criar empatia com o utente, caso contrário não há relação médico/doente que perdure”.