No âmbito da comemoração do Dia Mundial do Médico de Família, assinalado a 19 de maio, a Médica Cláudia Bernardino Bernardo partilha a sua experiência profissional e reflete sobre a importância da Medicina Geral e Familiar.
Considerando os desafios que o Sistema Nacional de Saúde atualmente enfrenta, quais são as maiores adversidades que os Médicos de Família encontram na prestação de cuidados de saúde primários?
O principal, e mais preocupante, desafio que um Médico de Família encontra é a falta de tempo efetivo na consulta ao utente. Cabe aos médicos, além de tratar doenças, preveni- las, e isso passa pela consciencialização, seja ela alimentar, comportamental, familiar ou interpessoal. O modelo atual dos cuidados de saúde primários (CSP) passa por trabalhar numa Unidade de Saúde Familiar (USF), com um grande número de utentes em lista, cumprir indicadores e ganhar em função da produção, tendo ainda de lidar com todas as burocracias inimagináveis associadas. Fico triste por ainda ter trabalhado no método tradicional que, comparando com o presente ato médico, está a ficar desvirtualizado.
De acordo com a Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, no final de 2023, mais de 1,7 milhões de portugueses estavam sem Médico de Família, ou seja 16% do total de pessoas inscritas nos cuidados de saúde primários. Como é que isto se explica e que medidas são necessárias levar a cabo para garantir um sistema de saúde mais resiliente e eficiente para todos os cidadãos?
Falta cativar os médicos a ficar no Serviço Nacional de Saúde (SNS). É imperativo criar condições para levar os profissionais para zonas mais carenciadas. Suponhamos, um Médico de Família, na melhor das hipóteses, termina a especialidade com 28 anos, nesta altura, a maioria já poderá ter família constituída. Da mesma forma que assistimos a essas famílias emigrarem, basta que cá se criem condições suficientes para motivar o deslocamento regional.
De que forma a formação em Medicina Geral e Familiar é adaptada para responder às necessidades específicas da população portuguesa, nomeadamente, o envelhecimento demográfico e a prevalência de doenças crónicas?
O ensino de medicina em Portugal é realmente muito bom, por alguma razão tantos países solicitam os profissionais portugueses. A formação de Medicina Geral Familiar dura quatro anos, passados entre as USF e o ambiente hospitalar. Existe contacto com a realidade, está-se no campo e ainda, durante um período, realiza-se clínica autónoma, embora supervisionada.
Pela sua experiência enquanto Médica de Família, quais acredita serem as características mais importantes de um bom profissional? Existem pequenos gestos, por parte do médico, que têm um impacto significativo no contacto com o utente?
Iniciei a formação específica em Medicina Geral e Familiar em 2005, sou Especialista desde fevereiro de 2008 e Assistente Graduada desde 2023. Todo o meu percurso foi alicerçado em empenho e muito trabalho, a juntar ao gosto natural pela especialidade. Posso ser uma ótima técnica cientificamente, mas, se como Médica de Família, me faltasse contacto e empatia com o utente, não haveria qualquer relação médico/ utente que vigorasse.
Lidar, diariamente, com as histórias de vida das pessoas e com as suas patologias, sem qualquer tipo de barreiras pré- estabelecidas, é o que me tem feito gostar cada vez mais das escolhas profissionais que em tempos fiz. Trabalhar com seres humanos, tão iguais e tão diferentes, é uma aprendizagem diária. A relação de confidencialidade e proximidade, seja com as pessoas como com os utentes, é muito aliciante e enriquecedora. Sou Médica de Família por escolha! Sou Médica de Família por paixão!