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Trabalhar mais horas significa ter mais produtividade: a média da união europeia indica o contrário

Estamos a trabalhar de mais ou a produzir de menos?

Em 2018, os portugueses trabalharam mais seis horas por semana do que a média da União Europeia. E mais dez horas que países como a Alemanha ou a Dinamarca. Contudo, os nossos níveis de produtividade por hora ficam muito aquém da média europeia. O que estamos a fazer mal? Quanto ganhamos por cada hora de trabalho? Trabalhamos de mais? Ou produzimos de menos?

Portugal é o quinto país da União Europeia com mais horas de trabalho. O estudo da Pordata coloca-nos na quinta posição do ranking com uma média de 36,4 horas de trabalho semanais, bem diferente da média da União Europeia a fixar-se nas 31,4 horas. Feitas as contas, trabalhamos mais seis horas por semana que a média europeia, o que, se dividirmos por cinco dias de trabalho, significa que trabalhamos, aproximadamente, mais uma hora por dia.

Contudo, países como a Alemanha ou a Dinamarca, que aparecem no fim da lista, apresentam médias de 26,2 e 26,8, respetivamente, o que se traduz numa diferença de cerca de dez horas semanais, ou seja, duas horas por dia a menos. A liderar a tabela está a Grécia que teve em 2018 uma média de horas de trabalho por semana de 39,3, seguida da Polónia, com 38,5 e da Letónia com 36,4.

Comparativamente com o mesmo estudo de 1995, a média de horas de trabalho semanais da União Europeia desceu. Passou de 33,3 para 31,4. Portugal acompanhou a descida média, no entanto com valores pouco significativos, passando de 36,4 para 36,1.

O que é, no entanto, pertinente de comparar com a média de horas de trabalho é a produtividade por hora de trabalho, também na União Europeia. Neste caso, a tabela quase se inverte. Ou seja, passam a liderar a tabela da produtividade os países que menos horas trabalham. A Dinamarca, que ocupa a penúltima posição na tabela da média de horas de trabalho, lidera o ranking da produtividade com uma média de 71,9 euros por hora. Um valor consideravelmente acima da média europeia que se fixou nos 40,7 euros por hora. Já a Alemanha, última no primeiro ranking, aparece na tabela da produtividade na quinta posição, com uma média de 55,4 euros por hora. Já Portugal, onde se trabalha em média 36,4 horas por semana, cai para a 15ª posição, com uma produtividade média de 21,9 euros por hora, cerca de metade da média europeia. Se continuarmos a explorar a tabela compreendemos que a Bulgária, que ocupa o último lugar com um valor de 9,5 euros por hora, em contraponto trabalha, em média, 31,6 horas por semana. Deduz-se aqui uma relação de quase proporcionalidade inversa quando comparamos as horas de trabalho semanais e a produtividade por hora dos mesmos países. Portanto, trabalhar mais horas está longe de significar produzir mais.

A lei laboral portuguesa estabelece um máximo de oito horas de trabalho diário e 40 horas de trabalho semanal. Logo aqui, dez horas acima da média europeia. As normas da UE defendem que a duração média do trabalho semanal, incluindo as horas extraordinárias, não exceda 48 horas por semana, durante um período de referência máximo de quatro meses. Todavia, é certo que o prolongamento das horas de trabalho é, muitas vezes, uma constante no horário laboral, um exigência colocada entre linhas, e uma condicionante que poderia avultar a média de horas de trabalho.

Mas será que estão mesmo os portugueses a trabalhar de mais? Ou apenas a trabalhar de forma pouco eficiente?
Se olharmos para os tipos de gestão e organização de trabalho de alguns países que lideram as tabelas de produtividade (e que ocupam lugares do fim na de horas semanais de trabalho) e as compararmos com Portugal constatamos que são muito diferentes. Portugal ainda não conseguiu descolar-se do método rígido e burocrático de trabalho, onde se acredita que a produtividade aumenta com o aumento das horas passadas no escritório. O que não é de todo verdade. É igualmente válido que um colaborador trabalhe bem (ou melhor) num horário mais ou menos flexível, onde cabem outras das suas atividades diárias. Na Nova Zelândia, uma empresa já experimentou o sistema de apenas quatro dias de trabalho semanal e revelou depois que os seus 240 colaboradores mantiveram a produtividade e aumentaram os níveis de satisfação e qualidade de vida, ao mesmo tempo que reduziram os níveis de stress. Também nos E.U.A. existem empresas a aplicar este novo horário. Richard Branson, um dos mais reconhecidos empreendedores mundiais, defende que cada trabalhador só deveria trabalhar três dias por semana, de modo a ter tempo para fazer outras tarefas de que gosta. Esta ideia está a par da de Nadim Habib, que afirma que a fórmula para ter empresas de sucesso passa por uma política de “work-life-blend”, ou seja, um estilo de vida onde o trabalho seja tão interessante como a vida pessoal, e que as duas se fundam, em vez de se separarem. A par desta filosofia, importa também incutir nas empresas portuguesas um maior sentido de pontualidade, gestão de tempo e recursos e ações direcionadas para o desafio constante que são os novos clientes, cada vez mais críticos e inteligentes. Habib acusa-nos de termos “dificuldade em entender a importância de cumprir promessas” e alerta que o comprometimento, entre colaboradores, gestores e para com os clientes, é a base essencial para aumentar a produtividade de qualquer organização. Muito para lá de trabalhar mais ou menos horas.

Trabalhar além do trabalho
E-mails e telefonemas recebidos fora das horas de trabalho, reuniões tardias, dificuldade em faltar em caso de doença, horários rígidos e sem flexibilidade. Somos um dos países europeus onde mais pessoas admitem não conseguir conciliar bem o emprego e a família. As boas práticas nas empresas até já começaram a aparecer, mas ainda são uma minoria. A cultura de trabalho permanente e em excesso gera stresse e cansaço, ao mesmo tempo que elimina o espaço para a família.

João Paulo Pereira, presidente da Associação Portuguesa de Psicologia da Saúde Ocupacional, em entrevista ao semanário Expresso, sublinha que em Portugal se verificou um aumento de 76% no consumo de antidepressivos, de 69% no de ansiolíticos e de 85% no de analgésicos entre 2008 e 2015. E que “a esmagadora maioria da despesa com recursos humanos se concentra na área da saúde e no absentismo”. É na medida em que o trabalho passou a ocupar o centro das nossas vidas que os graus de produtividade se ressentem — ressentindo-se os níveis de bem-estar.

O trabalhador produtivo europeu sai a horas do seu trabalho e fica com tempo livre para si, sendo que isso não faz dele um mau trabalhador ou menos interessado pela empresa. Pelo contrário, cumpriu com a sua missão de uma forma produtiva e tem direito ao seu merecido descanso. Em Portugal existe a necessidade de mostrar que se trabalha muitas horas, mas no fundo o que se produz é muito pouco.

Conciliar o tempo de trabalho com o tempo de lazer é um dos grandes desafios do atual mercado. Será que solução passa por continuar a aumentar o tempo de trabalho, baixando, correspondentemente, o vencimento por hora?