Entrevista

Do extremo ocidental europeu ao país do sol nascente

Os portugueses chegaram ao Japão há 480 anos, tendo sido o primeiro povo europeu a fazê-lo. As relações comerciais e culturais começaram logo aí, muito antes das relações diplomáticas bilaterais entre os dois países terem sido formalizadas, apenas em meados do século XIX. Nesta entrevista ao Conselheiro da Embaixada do Japão em Portugal, Yasuhiro Mitsui, quisemos perceber como estão atualmente as relações entre o país mais ocidental da Europa e o país do sol nascente, no extremo oriente da Ásia.  

As relações diplomáticas bilaterais entre o Japão e Portugal foram estabelecidas, formalmente, em 1860. Mas sabemos que as boas relações entre os dois países são muito anteriores a essa data, e terão começado ainda no século XVI. Ao longo destes muitos anos de amizade e cooperação, que momentos nos pode destacar? 

No ano de 2023 assinalam-se os 480 anos da chegada dos portugueses à ilha de Tanegashima em 1543, dando início ao intercâmbio com os japoneses. Esse encontro em 1543 foi o primeiro contato entre os europeus e os japoneses. A interação entre os dois povos, depois desse encontro, deu origem a um período de trocas comerciais e culturais, com grande influência no contexto artístico, conhecimento documental, formas de pensar e religião, tendo florescido a cultura Nanban. A influência sentida pelo intercâmbio cultural nas línguas portuguesa e japonesa é um outro marco relevante – existem palavras japonesas oriundas da língua portuguesa tais como botão (ボタン) e pão (パン) etc.  

O Japão e Portugal partilham valores fundamentais como o respeito pelos direitos humanos, a democracia e o estado de direito, e são parceiros importantes que têm a intenção de manter a ordem do mar livre e aberto. Nestes últimos anos, a interação entre os dois povos tem estado muito ativa. Por exemplo, em 2014, o então Primeiro-Ministro, ABE Shinzo, fez a primeira visita a Portugal como Primeiro-Ministro do Japão e isso simboliza a entrada na próxima fase das relações bilaterais. Depois disso, apesar da época da pandemia, o então Ministro dos Negócios Estrangeiros, MOTEGI Toshimitsu, visitou Portugal em 2020 e o então Vice-Ministro do Meio Ambiente, MUTAI Shunsuke, e o então Vice-Ministro Parlamentar dos Negócios Estrangeiros, MIYAKE Shingo, fizeram uma visita com o objetivo de participar na Conferência dos Oceanos das Nações Unidas, sediada na nação marítima que é Portugal. Essas visitas demonstram o aprofundamento da relação entre os dois países. 

Quais são as áreas mais relevantes, atualmente, nas relações diplomáticas entre os dois países? 

O Oceano Indo-Pacífico, onde o Japão está localizado, é uma vasta região que se estende desde a Ásia-Pacífico até ao Oceano Índico, Médio Oriente e África, e é também o núcleo da vitalidade global, que conta com a metade da população mundial. Ao mesmo tempo, por ser uma região em que se encontram diversos países com forças militares poderosas, e ocorrem ações que prejudiquem a ordem estável baseada no Estado de direito, o Japão é constantemente confrontado com várias ameaças à sua segurança. Aqui na Europa, por outro lado, o ambiente de segurança está também a tornar-se cada vez mais severo devido à situação na Ucrânia. Face à crescente incerteza na comunidade internacional, a segurança da Europa e do Indo-Pacífico é indissociável, e é, por isso, cada vez mais importante o reforço da cooperação no domínio da segurança com Portugal, país com quem o Japão partilha os valores fundamentais. Ademais, as relações na economia são também uma área importante, como será mencionado mais adiante. 

Portugal está integrado na União Europeia desde 1986, e muitos dos acordos são estabelecidos diretamente a esse nível. Neste contexto, e atendendo à pequena dimensão do nosso país, qual é a importância estratégica que Portugal pode ter para uma das maiores economias do mundo, como é a do Japão? 

O Japão é uma entidade económica com um forte sector transformador. Nos últimos 20 anos, Portugal tem vindo a fornecer licenciados universitários de boa qualidade (especialmente em ciências e engenharia) e de língua inglesa, e os salários são ainda mais baixos do que na Europa Central, tornando-o num bom ambiente operacional para as empresas japonesas de produção. Além disso, o acesso ao mercado da UE faz com que valha a pena, tanto para as empresas manufatureiras como para as de serviços, correr um certo risco de entrar e operar no país, encarando-o como uma oportunidade. 

O povo japonês é conhecido pela sua tremenda organização, grande capacidade de trabalho e educação exemplar. Partindo destes pressupostos, é difícil para um japonês criar relações diplomáticas e empresariais com portugueses?   

De um modo geral, não parece ser assim tão difícil. Quando vivo e trabalho aqui com eles, posso ver que o povo português é relativamente trabalhador e sério entre os latinos na Europa. Por vezes, as coisas demoram muito tempo a avançar, mas isto é encarado como algo devido à “burocracia” que pode ser encontrada em todo o lado, pois é mais quando uns serviços públicos estão envolvidos, do que em situações puramente comerciais. 

Há várias cidades portuguesas geminadas com cidades japonesas. É o caso do Porto com Nagasaki, por exemplo. Qual é a relevância cultural e económica destes protocolos? 

A relação de cidades geminadas entre Nagasaki e Porto começou em 1978 e vários intercâmbios culturais têm sido realizados entre as duas cidades. Nos últimos anos, foram organizadas exposições de arte e de intercâmbio de pinturas infantis com orações pela paz. Economicamente, a relação não pode ser contada apenas com as duas cidades, mas está ligada dentro da maior dinâmica económica dos dois países. A propósito, empresas japonesas (incluindo aquelas com participação de capital) estabeleceram-se não só no Porto, mas também nas áreas circundantes. 

O Japão é reconhecido pela sua tecnologia de ponta, e muitas marcas japonesas continuam a ser referência de qualidade e durabilidade, seja na indústria automóvel, som e imagem, fotografia, jogos de vídeo, entre tantas outras. Portugal importa muitos destes produtos, pelo menos desde os anos 70. Em sentido inverso, quais são os produtos portugueses que suscitam mais interesse aos japoneses? 

De acordo com a teoria da vantagem comparativa do economista clássico Ricard, cada entidade económica tem os seus próprios bens e serviços priorizados. A resposta à pergunta é clara: bens que não são produzidos no Japão mas que são especializados em Portugal, sendo o mais aplicável a cortiça. Não há produto mais típico português do que a cortiça e os produtos corticeiros, que ostentam uma esmagadora quota de mercado mundial e são naturalmente famosos no Japão. 

Em que setores há mais investimento de empresários japoneses em Portugal? 

Como a indústria automóvel está forte em Portugal, as empresas japonesas,  como fornecedores de componentes a todos os níveis, também entraram ou formaram parcerias: o que a torna um sector destacado se mesmo as empresas filiadas forem incluídas. Por outro lado, embora o número de empresas não seja tão grande, o sector das infraestruturas é o que tem o maior volume de capital. Sabia que a Marubeni tem uma participação significativa em empresas operacionais como a Floene (antiga GGND), TrustEnergy e AGS (Administração e Gestão de Sistemas de Salubridade) e que a Mitsui tem uma participação na Caetano Bus? 

No atual contexto de crise energética, potenciada pela guerra na Ucrânia, como é que o Japão encara esta situação, que parece ter vindo dificultar a opção imediata por energias renováveis? O Japão foi o primeiro país a avançar com uma estratégia para o hidrogénio e o governo português pretende também apostar nesta fonte de energia. Acreditam que Portugal poderá ser um parceiro europeu do Japão nesta área? 

Em terra, o país é íngreme e há poucos mares rasos no mar, pelo que o Japão não está tão bem colocado para a produção de energia eólica e solar como Portugal. Por outro lado, o Primeiro-Ministro Kishida decidiu reiniciar a produção de energia nuclear como uma solução prática, no meio da crise energética, que também não abandona o seu compromisso de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa. A partir de agora, o país procurará descarbonizar ainda mais, ao mesmo tempo, assegurando uma fonte de energia estável com a energia nuclear. Agradecemos-lhe por salientar que o Japão está à frente da curva do hidrogénio. É de facto um desafio inevitável, mas uma fonte estável de abastecimento será necessária quando grandes quantidades de hidrogénio forem utilizadas na sociedade no futuro. A este respeito, Portugal tem uma vantagem comparativa na produção de hidrogénio verde utilizando energia excedentária gerada por energia solar e eólica, e está interessado em exportá-la no futuro. Se conseguirmos reduzir os custos de transporte entre os extremos ocidental e oriental do continente eurasiático, então certamente também podemos ser parceiros no hidrogénio. 

Há algum acordo ou negociação programada para os próximos tempos entre os dois países que nos possa avançar? 

Algumas disposições estão a ser tomadas a nível administrativo, mas ainda estamos a negociar informalmente, pelo que, por favor, compreendam que não podemos comentar abertamente neste momento. Estou desejoso de os ver tomar forma num futuro próximo e de os celebrar convosco em ambos os países.